Acórdão nº 546/21.7T8EPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-02-16

Ano2023
Número Acordão546/21.7T8EPS.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO (seguindo o elaborado em 1ª instância).

Condomínio Geral Da Quinta ..., sito na Quinta ..., freguesias de ... e ..., do concelho ..., representado pela sua administração – Condomínios & Companhia de ... - Administração de Imóveis, Ld.ª, com sede na Av. ..., Edifício ..., freguesia ..., concelho ... propôs a presente ação declarativa de condenação contra Construções V..., Lda., com sede residente na Rua ..., ..., da união de freguesias ..., ... e ..., do concelho ..., peticionando a condenação da ré a retirar a casa-barco melhor identificada em 24.º da PI do seu lote ...0, bem como abster-se da prática de quaisquer actos que violem o disposto no regulamento de condomínio.
Para tanto alega, em síntese, a autora é um condomínio fechado, constituído nos termos do n.º 3 do art. 15.º do DL n.º 448/91 de 29 de Novembro, sito na Quinta ..., freguesias de ... e ..., do concelho ..., desde 27 de Novembro de 1999, invocando ainda que o Condomínio ... é generalizadamente conhecido como um condomínio de luxo e distinto, sendo composto na sua totalidade por várias unidades, harmoniosas entre si, construídas com os mesmos tipos de materiais, padrão e cores, sendo rodeado por um campo de golfe, por bonitos e cuidados jardins, por uma fluvina, entre outras infraestruturas.
Mais alega que o condomínio .... possui um regulamento de condomínio, aprovado por deliberação dos condóminos tomada na reunião ocorrida em 27 de Novembro de 1999, o qual disciplina os aspectos respeitantes às partes comuns da Quinta ... e demais regras que atentem contra a traça arquitectónica e urbana, estabelecendo os direitos e deveres que os condóminos devem observar, quer quanto às partes comuns, quer quanto à fruição dos seus lotes.
Sustentam ainda que uma das componentes da Quinta ... é a componente náutica, a qual é composta por um praça, denominada praça ..., por uma fluvina, por lojas de comércio de artigos náuticos, sendo que nos termos do art. 5.º n.º 5 do Regulamento de condomínio, a componente Marina Fluvial integra unidades ou lotes cuja única afectação económica é a de prestar serviços de prática desportiva e de lazer com meios aquáticos.
Mais alega que a R. é proprietária e legítima possuidora de um prédio urbano – lote ...0 – sito no Condomínio ..., por o haver adquirido por escritura pública outorgada no Cartório Notarial ..., em 18/11/2014.
Conforme consta quer do documento complementar da escritura pública, quer da descrição predial suprarreferidas, o lote ...0 é composto por uma fluvina destinada à ancoragem e atracamento de embarcações ligeiras e de recreio com uma profundidade média de 5 metros, dispondo da possibilidade de fixação de passadiços para acesso directo às embarcações.
Sustenta, porém, que a R., sem qualquer autorização do condomínio (rectius, Assembleia de condóminos) ou do Regulamento do Condomínio cedeu o gozo de um ou mais lugares de ancoragem a um terceiro que explora uma casa-barco, que comercializa no mercado do alojamento, descaracterizando por completo a componente náutica em que se insere, a qual não tem notoriamente a finalidade de alojamento ou habitação e prejudicando esteticamente o condomínio.
Defende ainda que a casa-barco que a R. permitiu que fosse ancorada à fluvina, tem como finalidade principal o alojamento e hospedagem, e muito residualmente, a circulação como embarcação e não é nem pode ser considerada uma embarcação ligeira e de recreio.
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Citada, a ré contestou.
Defende, em primeiro lugar, que a mera amarração na fluvina - propriedade da ré - de uma embarcação ligeira, esteticamente diferente do tradicional, não representa qualquer violação do arranjo estético do empreendimento, salientando que a administração do empreendimento não se pronuncia igualmente sobre a cor, dimensão ou modelo, dos veículos parqueados no interior de todo o empreendimento.
Invoca, por outro lado, que a componente habitacional da Quinta ... vem sendo utilizada para prestação de atividades de alojamento local sem qualquer oposição da autora.
Defende ainda que o regulamento do condomínio não foi registado, pelo que não lhe é oponível, salientando que não se mostrando registado, é abusiva a opressão do seu direito de propriedade nos termos pretendidos pela autora.
Finalmente, sustenta ainda que o lote ...0 não tem qualquer utilização prevista no art. 6.º do Regulamento do Condomínio invocado, uma vez que este se aplica apenas aos lotes ...8 e ...9.
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A autora respondeu, defendendo a posição já expressa na petição inicial, impugnando a matéria nova alegada pela ré.
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Foi atribuído à ação o valor de € 5.000,01.
Proferiu-se despacho saneador; foi dispensada a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova.
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré (R.) do pedido contra si formulado. Mais imputou as custas à autora (A.).
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Inconformada, a A. apresentou recurso com alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“A – O presente recurso assenta na discordância do Recorrente relativamente à tese vertida na sentença de que o regime proveniente do art. 15.º do DL n.º 448/91 de 29 de Novembro, e do qual resulta a expressa remissão para o disposto nos arts. 1420.º a 1438.º do C.C. “…não é equivalente à típica” propriedade horizontal.”, que tal regime (dos arts. 1420.º a 1438.º) só é aplicável aos espaços verdes de utilização colectiva e por conseguinte, inaplicável aos lotes individuais, bem como na classificação efectuada da casa barca pelo tribunal a quo e ainda pela inaplicabilidade do regulamento de condomínio aos lotes individuais.
B - Na verdade, o Recorrente é um do condomínio fechado assente numa operação de loteamento, na qual não foram cedidas quaisquer áreas ao domínio público, do qual são partes comuns a rede viárias, passeios, baias de estacionamento, iluminação, portaria, ETARs (equipamentos de higiene), rede de saneamento, rede telefónica, rede de abastecimento de água, rede de TV, rede de gás, zonas ajardinadas, com construções nos lotes efectuadas com os mesmos tipos de materiais, padrão e cores, harmoniosas entre si, e em que todos os lotes carecem das partes comuns para aceder à via pública.
C - “…o sucesso urbanístico e paisagístico que é a Quinta ...… leva a que todos os que nela vivem e procuram, respeitem e exijam o respeito pela xcelência das características paisagísticas e da linha arquitectónica que constituem o fio condutor de todo o complexo… (facto provado 3)
D – A interpretação efectuada pelo Tribunal a quo determinará a morte da ..., tornando-a completamente anárquica podendo cada proprietário alterar de modo totalmente livre os revestimentos das fachadas das suas moradias, as suas cores, e até a sua configuração e forma, fachadas ou outras (ou seja, mantendo apenas as limitações decorrentes do alvará, nomeadamente, as áreas máximas de implantação, de construção e o numero de pisos), sendo do conhecimento generalizado que os alvarás não contêm limitações em termos de materiais, nem configuração das construções a levar a cabo nos lotes, cingindo-se a uma mancha de implantação, volumetria, área de implantação e de construção e numero de pisos.
E - A interpretação do Tribunal a quo acabará com a harmonia paisagística e arquitectónica da ..., que todos os condóminos vêm respeitando, desde a sua génese e da aprovação do regulamento de condomínio em 1999, com a convicção de cumprem com as suas obrigações decorrentes da aplicação do regime da PH (arts. 1420.º a 1438.º-A do CC) aplicável ao seu condomínio.
F - Assim, ainda que este regime do “condomínio fechado” não seja uma “típica” Propriedade Horizontal é-lhe equivalente, e foi equiparada pelo legislador o seu regime jurídico a uma Propriedade Horizontal.
G - O legislador, no art. 15.º n.º 3 do DL. n.º 448/91 de 29 de Novembro, remete, in totum, para o regime da PH (arts. 1420.º a 1438.º do C.C.) excepcionando, e bem, apenas os artigos referentes ao título constitutivo da PH (arts. 1417.º a 1419.º do CC) e o art. 1438.º-A que na altura não existia (remissão que já se encontra estabelecida na redacção introduzida pelo art. 43.º do DL. n.º 555/99), elemento histórico que fortalece a interpretação de que o legislador pretendeu a equiparação total dos regimes (na medida em que na alteração de 1999, introduziu já o art. 1438.º-A aditado ao CC em 1994 já depois do DL. n.º 448/91)
H – A interpretação literal e restritiva do art. 15.º do DL 448/91 efectuada pelo douto Tribunal a quo de que os arts. 1420.º a 1438.º do CC apenas seriam aplicáveis a espaços verdes privados, infra-estruturas e equipamentos, não nos parece a mais correcta.
I – Na verdade, porque razão, ao invés de remeter em bloco para os referidos artigos, não remeteu o legislador apenas para os arts. 1420.º; 1424.º, 1426.º, 1427.º, (1429.º-A à data não existia) 1430.º a 1438.º (o art. 1438.º-A à data não existia), na medida em que os arts. 1421.º; 1422.º; (o art. 1422.º-A à data não existia) 1423.º; 1425.º, n.º 1; 1428.º; 1429.º do C.C. não têm qualquer aplicabilidade, ainda que meramente abstracta, no que concerne a espaços verdes privados.
J - Para além disso, o legislador conferia legitimidade ao administrador para agir em juízo (art. 1437.º uma vez que remete expressamente) sem ter conferido expressamente personalidade judiciária ao condomínio resultante do loteamento (art. 6.º do CPC).
L - Ora, como o interprete não deve cingir-se à letra da lei; e deve por outro lado reconstituir, a partir de textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, devendo presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube...

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