Acórdão nº 5451/22.7T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04-04-2024

Data de Julgamento04 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão5451/22.7T8GMR-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

Em 19/10/2022, o Requerente AA instaurou acção especial de insolvência, nos termos dos arts. 18º e 19º do C.I.R.E., pedindo que (na parte que aqui releva) «seja declarada a insolvência do Requerente e deferido o pedido de exoneração do passivo restante nos termos propostos» e requerendo «que, pelos fundamentos expostos, seja concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo».
Fundamentou o pedido de exoneração do passivo restante, essencialmente, no seguinte: «declara, para os efeitos do art. 236º, n.º 3, do CIRE, preencher todos os requisitos legais; declara que se compromete a observar todas as condições legais que lhe venham a ser impostas, e que cumprirá pontualmente os deveres de informação e colaboração que lhe sejam solicitados por via do presente processo, dispondo o seu rendimento disponível, de acordo com os termos que venham a ser definidos por este Tribunal; requer que, atento exposto, lhe seja fixado o valor de € 1100,00 (valor indisponível), para efeitos de determinação do montante relativo às exclusões previstas na alínea b) do n.º 3 do art.º 239º do CIRE, por se mostrar no caso como mais razoável por ser o estritamente necessário ao sustento mínimo condigno do devedor».
Por sentença proferida em 26/10/2022, o Requerente foi declarado insolvente.
O Administrador da Insolvência elaborou o relatório previsto no art. 155º do C.I.R.E., no qual, para além do mais, deu parecer favorável à exoneração do passivo, tendo consignado o seguinte (na parte que aqui releva):
“O Insolvente pretende também beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante. Nesta conformidade, importa verificar que, da apresentação à insolvência não advieram prejuízos para os credores. Não foi trazido aos autos qualquer elemento que aponte no sentido de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência. Atendendo aos requisitos elencados no art. 238.º do CIRE e aos elementos constantes da P.I., a A.I. considera não haver motivo para indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante (…)”.
Na data de 13/01/2023, foi proferido despacho no qual, para além do mais, se determinou a notificação do insolvente para vir aos autos no prazo de 10 dias “pronunciar-se sobre o montante que entende dever ser fixado em termos de rendimento indisponível, justificando com as suas receitas e despesas o montante que indicar”.

Em 18/01/2023, através de requerimento (referência citius «13040162»), o Insolvente veio dizer:
“1º
Conforme decorre do requerimento inicial e do Relatório apresentado pela Senhora Administradora Judicial, o requerente aufere, a título de pensão de reforma, a quantia líquida de € 774,80 (valor bruto € 1090,13) – cfr. doc n.º 2 junto ao r.i..

O requerente não possui quaisquer bens móveis ou imóveis, nem tem rendimentos prediais, de capitais, ou quaisquer outros para além do referido supra.

Em virtude da sua atual situação e da morte da sua esposa, o Requerente reside agora em casa da sua filha, à qual paga o valor mensal fixo de € 650,00, em contrapartida de alojamento e alimentação.

O Requerente suporta ainda todas as despesas pessoais, entre as quais com vestuário, transportes, consultas e exames médicos e as poucas de natureza lúdica, em montante próximo dos € 200,00 mensais.

O Requerente suporta ainda, mensalmente, o pagamento de medicamentos no valor de € 64,06 - cfr doc. n.º ... junto ao r.i.

Pelo que, no nosso humilde entendimento, justifica-se a fixação em termos de valor indisponível o montante de € 1100,00 (…)”.
Na data de 18/02/2023, foi proferido o seguinte despacho.
“Veio o insolvente declarar que: Em virtude da sua atual situação e da morte da sua esposa, o Requerente reside agora em casa da sua filha, à qual paga o valor mensal fixo de € 650,00, em contrapartida de alojamento e alimentação.
Tal declaração não faz prova do alegado. Assim convida-se o insolvente a querendo, apresentar declaração da filha a comprovar tal facto, na qual deverá constar o seu NIF. Adverte-se do facto de, sendo apresentada tal declaração, terá de ser comunicado à Autoridade Tributária tal acrescento de rendimentos ao agregado familiar da sua filha.
Relembra-se o insolvente igualmente que veio declarar gastar mais do que recebe de ordenado, pelo que estando em situação de insolvência, tal não se poderá manter (se pretender beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante).
Prazo: 8 dias”.
Em 22/02/2023, o Insolvente apresentou requerimento (referência citius«14201475»), no qual consignou:
“1º
O Requerente mantem o teor do art.º 3º do requerimento apresentado no passado dia 18-01-2023, para demonstração do qual, em cumprimento do ordenado, junta em anexo declaração da sua filha – cfr ....

O valor de despesa a que se faz referência no art.º 4º do mesmo, é ali liquidado por aproximação desde logo porque não é fixo e depende sempre da disponibilidade financeira limitada pelo seu rendimento e as demais despesas fixas descritas no requerimento.

Sendo certo que, o Requerente não gasta nem pretende gastar mais do que aquilo que ganha.

Por ultimo, apenas referir que ao valor da pensão de reforma deve ser agora acrescentado o montante que lhe era subtraído mensalmente na sequência de penhora referida nestes autos, da EMP01..., Lda., no valor de € 387,39, pelo que, deverá ser considerado para o efeito o valor de € 1162,19 (€ 774,80 + € 387,39).
Termos em que se requer, respeitosamente, de Vª. Excª., se digne admitir a junção da declaração da filha do Requerente”.
Na data 28/02/2023, foi proferido despacho liminar sobre o incidente de exoneração do passivo restante formulado pelo Insolvente, o qual se transcreve na parte que aqui releva:
«(…) Compulsados os autos resulta provado dos elementos juntos que:
• O requerente aufere, a título de pensão de reforma, a quantia líquida de € 1162,19;
• Em virtude da sua atual situação e da morte da sua esposa, o Requerente reside agora em casa da sua filha, à qual paga o valor mensal fixo de € 650,00, em contrapartida de alojamento e alimentação.
• O Requerente suporta ainda as despesas pessoais, entre as quais com vestuário, transportes, consultas e exames médicos e de natureza lúdica.
• O Requerente suporta ainda, mensalmente, o pagamento de medicamentos;
• O requerente apresentou-se à insolvência;
• Ao requerente não lhe são conhecidos antecedentes criminais; (…)
Para a fixação do montante disponível, atendendo às atuais condições económicas do insolvente, o qual aufere em termos líquidos cerca de €1100 e declara entregar à filha, com quem reside a quantia de €650, para alojamento e alimentação, este Tribunal entende como adequado fixar em um salário mínimo nacional, acrescido de 1/5, o montante que o insolvente poderá dispor. Efectivamente se entrega tal quantia, ficando desprovido da mesma, fá-lo por sua vontade, uma vez que a obrigação de alimentação e cuidados, não existe apenas de pais para filhos, mas igualmente de filhos para pais.
Nos termos do artigo 2009.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil, os filhos estão obrigados a prestar alimentos aos pais, quando estes deles careçam.
Assim, não podem os credores ficar desapossados de todo e qualquer montante, como no pedido de fixação do rendimento indisponível formulado pelo insolvente ficariam, para que este entregue mais de metade da sua pensão a uma filha, para que esta o sustente, quando tem obrigação de tal.
O maior rigor na execução do seu orçamento familiar, sem quebra do que se considera o sustento minimamente digno do seu agregado, e a afetação do rendimento disponível resultante dessa melhor execução, por muito pouco que seja, para a satisfação as obrigações para com os credores, constituem as condições para que, no termo desse período de três anos, o insolvente se veja completamente liberto das dívidas ainda pendentes de pagamento conforme consta no Acórdão da Relação do Porto de 10/05/2011, em www.dgsi.pt. E não só ficará liberto o insolvente, mas também os seus descendentes, que de outro modo poderiam ver a sua herança afectada pelas dívidas ainda existentes.
Todo o rendimento excedente, que lhe advenha por qualquer forma e no qual obviamente se incluem os subsídios de natal e férias, se excederem o cômputo de 12 x 1 SMN+ 1/5) deverão ser cedidos, a fim de se evitar a inutilidade superveniente deste incidente, que pressupõe a boa vontade do insolvente em contribuir voluntariamente para o abatimento da dívida, ainda que numa parcela diminuta (…)
Obviamente, se existirem despesas médicas, comprovadas ou necessidades que alterem a sua disponibilidade financeira, deverão ser trazidas ao Tribunal, para que se possa, nesse período alterar o montante do rendimento indisponível fixado ou libertar determinadas verbas (…)».
*
1.2. Do Recurso do Insolvente

Inconformado com o despacho antecedente, o Insolvente interpôs recurso de apelação, pedindo que seja «dado provimento ao presente recurso de Apelação e, em consequência, fixar como rendimento indisponível, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º3 do art.º 239º do CIRE, o valor de € 1100,00», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:
“1) Conforme se expôs, sobre a matéria pertinente para o presente efeito, ficou provado que:
“- O requerente aufere, a título de pensão de reforma, a quantia líquida de € 1162,19;
- Em virtude da sua actual situação e da morte da sua esposa, o Requerente reside agora em casa da sua filha, à qual paga o valor mensal fixo de € 650,00, em contrapartida de alojamento e alimentação;
- O Requerente suporta ainda as despesas pessoais, entre as quais com vestuário, transportes, consultas e exames médicos e de natureza lúdica.
- O Requerente suporta ainda, mensalmente, o...

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