Acórdão nº 544/19.0BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-01-20

Ano2022
Número Acordão544/19.0BELLE
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A C… LDA., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 15.10.2021, que recusou, por falta de periculum in mora, a adoção da providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho que determinou a modificação unilateral do contrato de financiamento celebrado entre a Requerente e o Requerido IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P., no âmbito do Programa PRODER/ACÇÃO 1.1.1 - Modernização e Capacitação das Empresas, referente à operação n.º 020000047723, com a consequente obrigação de devolução das ajudas auferidas, no valor de € 184.609,59, no prazo de 30 (trinta) dias.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 1454 e ss., ref. SITAF:

«(…)

A. Não pode, por não ser logicamente admissível, deixar de se considerar provado que já antes da assinatura do contrato de financiamento, em 28.07.2014, a Entidade Requerida tinha conhecimento oficial e funcional de que a notação da capacidade da charca, de 90.000m3 estava errada e tinha agido coerentemente com esse conhecimento do erro, ao rectificar, com redução cirúrgica, o valor da ajuda proposto pela Requerente, para um valor consistente com a capacidade real de 9.000m3.

B. O IFAP I.P. e a DRAPAlg, como entidade com competência delegada, quando procederam ao exame do pedido de apoio da Requerente verificaram sem margem para dúvidas que o valor de investimento imputado à charca não correspondia a uma obra com 90.000m3 de capacidade. Nem a superfície de impermeabilização nem os custos previstos para a tela ou para a própria construção da charca eram compatíveis com a capacidade de 90.000m3.

C. A verba que, depois de rectificada, consideraram elegível para a construção da charca - o valor de 108.900,00 - tinha por base a capacidade de 9.000m3 e não a de 90.000m3.

D. Já antes da assinatura do contrato de financiamento, em 28.07.2014, a Entidade Requerida tinha conhecimento oficial e funcional de que a notação da capacidade da charca estava errada e tinha agido coerentemente com esse conhecimento

E. Deve ser modificada a matéria de facto da sentença recorrida no sentido de incluir nos factos provados que a Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve e o IFAP I.P. tinham conhecimento, pelo menos através dos documentos que integravam o processo de candidatura aos apoios que a capacidade da charca que a Requerente pretendia construir e construiu era de 9.000m3 e não de 90.000m3.

F. A pronúncia facultada à Requerente no âmbito da resposta ao ofício de 11.06.2018 não foi adequada nem suficiente para lhe proporcionar o conhecimento das questões de facto e de direito que vieram a final constituir o conteúdo da decisão.

G. O art. 32.10 da Constituição da República garante aos arguidos em natureza sancionatória os direitos de audiência e defesa, pelo que é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, administrativa ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido sobre os factos e o direito relativo à matéria sancionatória e possa defender-se das imputações que lhe são feitas. A defesa pressupõe a acusação, isto é, o enunciado dos factos que constituem pressuposto da aplicação da sanção e da norma jurídica que prevê a imposição da sanção consequente da sua violação. O direito de defesa é uma exigência fundamental do Estado de Direito material.

H. Trata-se por isso de uma norma que integra o conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, directamente aplicável e vinculativa de todas as entidades públicas, como dispõe o art. 18.1 da Constituição.

I. O acto administrativo impugnado e aqui objecto da providência cautelar, que impõe a aplicação sanções pecuniárias à Requerente, sem que esta tenha sido previamente ouvida, em condições de poder defender-se dessas imputações, é nulo, nos termos do art 161.2.d) CPA, porque ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, a saber, o direito de defesa da arguida.

J. Não foi dado cumprimento à diligência de audiência de interessado, nem é possível concluir que se encontravam reunidas as condições para dispensar essa audiência nos termos do art 134.1.e) CPA, uma vez que a comunicação à Requerente de 11.06.2018 não satisfaz às condições de informação da Requerente sobre as questões que importam à decisão objecto de impugnação nos autos principais e discutida na providência cautelar, nem sobre as provas produzidas.

K. Evidencia-se nos autos que à Requerente foram por essa decisão impostas sanções pecuniárias administrativas de montante consideravelmente elevado, sem que lhe fosse facultado o exercício do direito de audição e defesa, o que constitui uma violação flagrante da garantia fundamental inscrita no artigo 32.º n.º 10 da Constituição da República Portuguesa e invalida todo o acto administrativo objecto da presente providência.

L. A sentença recorrida faz errada aplicação do direito quando julga violado o art. 36 do Código do IVA e com esse fundamento confirma a decisão de ineligibilidade dos valores das facturas n.ºs 232/A e 233/A, emitidas por Joaquim Palma Vargas, os quais, ao contrário do decidido, devem ser julgados elegíveis, por cumprirem todos os requisitos exigidos por aquela disposição legal e pelas normas aplicáveis do direito comunitário, sendo certo que, neste campo, a norma do artigo 58.1 do Regulamento (EU) n.º 1306/2013, citada na sentença recorrida tem por destinatários não os cidadãos da União mas os próprios Estados Membros, não constituindo fundamento atendível da decisão.

M. Contrariamente ao entendimento expresso na sentença recorrida, o poder de corrigir e de reconhecer os erros manifestos constantes dos pedidos de ajuda, tal como expresso no art. 4..º do Regulamento de Execução (EU) n.º 890/2014, é um poder/dever, que não pode deixar de ser exercido sem violação do princípio base da legalidade e da boa administração a que está sujeita toda a actividade administrativa e cada um dos seus órgãos e serviços.

N. A sentença faz errada aplicação o direito quando considera que a faculdade de o órgão gestor corrigir os erros manifestos não é um poder/dever a que o órgão está legalmente adstrito e quando considera que o exercício dessa competência está condicionado ao requerimento do beneficiário.

O. Em nenhuma das disposições legais e regulamentares que permitem a correcção dos erros manifestos essa correcção está sujeita à condição de ser requerida pelo beneficiário.

P. O dever de corrigir os erros manifestos tem o seu fundamento nos princípios da legalidade, da eficiência, economicidade e celeridade, por outras palavras, no cumprimento do dever de direito público de boa administração inscrito no art. 5.º CPA e elevado à categoria de direito subjectivo público dos cidadãos da União Europeia pelo art. 41 da Carta de Direitos Fundamentais da União com valor jurídico igual ao dos Tratados.

Q. O conhecimento por parte da Agência Portuguesa do Ambiente e a emissão do seu parecer obrigatório no qual reconhece a previsão da construção de uma charca com a capacidade de 10.000 m3 precede a assinatura do contrato em vinte meses.

R. O facto de a Entidade Requerida ter ajustado a verba proposta pela Requerente para a construção da charca, por forma apenas consistente com uma capacidade de 9.000m3 e nunca de 90.000m3, arrasta consigo a conclusão, única logicamente coerente e normativamente necessária, de que a Entidade Requerida tomou conhecimento do lapso cometido quanto à capacidade da charca logo no início do procedimento de aprovação do projecto de investimento e não promoveu a sua correcção.

S. É falso o juízo conclusivo expresso na sentença recorrida de que o acto administrativo suspendendo tenha tomado em consideração no cálculo dos valores inelegíveis a devolver pela Requerente e do valor da sanção que lhe está associada capacidade real da charca. Na verdade, esse valor tem como base de cálculo a capacidade virtual de 90.000m3, o que traduz um resultado absolutamente fora da realidade.

T. A sentença recorrida comete um erro na aplicação do direito quando fundamenta a tese de que uma vez detectada a existência de um lapso de escrita ou erro material deve ser o beneficiário e apenas ele a promover a respectiva correcção, no disposto no artigo 15, n.ºs 1 e 2 do Regulamento Delegado (EU) n.º 640/2014 de 11.03.2014. Esta disposição tem a sua aplicação limitada ao “cálculo da ajuda e sanções administrativas relacionadas com regimes de pagamentos diretos e medidas de desenvolvimento rural no âmbito do sistema integrado” e não se aplica ao caso em discussão nos presentes autos.

U. É falsa a conclusão constante de fls 81 e 82 da decisão recorrida de que a despesa de €2000,00 apresentada a pagamento e correspondente à factura n.º CC 300110 emitida por Antonio Pacheco Franco não tenha aderência à realidade por não corresponder ao pagamento ao fornecedor nem no modo nem na data em que o mesmo ocorreu. A factura corresponde ao fornecimento de materiais e execução da instalação desses materiais e foi paga pela C… LDA, que era a devedora. O destino que o credor deu ao cheque que a C... lhe entregou para pagamento é absolutamente irrelevante.

V. A Recorrente fez prova nos autos de que a execução imediata do acto impugnado lhe provoca uma situação financeira susceptível de ter que declarar insolvência por não ter acesso ao crédito dada a impossibilidade de oferecer garantias reais com bens livres e desembaraçados e não ter capitais próprios disponíveis para realizar esse pagamento. (…)»


Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal Central Administrativo Sul, o DMMP não emitiu pronúncia.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com entrega prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT