Acórdão nº 5402/20.3T8FNC.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 19-12-2023

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão5402/20.3T8FNC.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
B, Lda., instaurou a presente ação declarativa de condenação, contra C.C., S.A. – Sociedade Aberta, alegando, em suma, que na sequência da pandemia COVID-19 passou a produzir máscaras faciais.
A autora, devido à elevada procura que se fez sentir, aumentou a produção de máscaras, destinadas não apenas ao arquipélago da Madeira, como ao território de Portugal Continental.
Autora e ré celebraram um contrato de prestação de serviços pelo qual esta se comprometeu, contra remuneração, a colocar, em tempo útil, nos respetivos destinatários, os produtos por esta produzidos.
Sucede que a ré não cumpriu o acordado, tendo procedido à entrega de encomendas para além dos prazos acordados, situação que causou danos à autora, de natureza patrimonial e não patrimonial, pelos quais pretende ser ressarcida por via da presente ação.
Conclui assim a desnecessariamente extensa e prolixa petição inicial:
«Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e consequentemente ser a Ré condenada a pagar à Autora os seguintes montantes:
- €8.168,80 (oito mil cento e sessenta e oito euros e oitenta cêntimos) a título de danos patrimoniais;
- €5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais.
Tudo perfazendo €13.168,80 (treze mil cento e sessenta e oito euros e oitenta cêntimos).
A estes valores acrescem juros de mora calculados à taxa legal, a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento.»
A ré contestou, começando por arguir a exceção dilatória consistente na sua ilegitimidade para os termos da ação, pois os serviços invocados pela autora na petição inicial não foram por si prestados, mas pela C.E., S.A.[1].
A propósito da referida exceção, alega que «a legitimidade consiste numa excepção dilatória que importa a absolvição da R. da instância e a improcedência da presente ação.
Assim, deverá a R. ser absolvida de todos os factos que se vierem a provar terem sido praticados pela C.E. e consequentemente com expressão no pedido.»[2].
Além disso, alega que a atividade dos C’s foi afetada durante o período da pandemia, sendo que, devido a ela, por situações de força maior e fenómenos cujo desencadeamento e evolução foram manifestamente externos à sua capacidade de controlo da atempada execução dos seus serviços, como sucedeu nos casos referidos pela autora.
No mais, impugna a factualidade alegada pela autora na petição inicial.
Conclui assim a também a também desnecessariamente extensa e prolixa contestação:
«Nestes termos e nos melhores de direito (...), deverá a presente Acção ser julgada improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da R. C.C. e demais consequências legais.»
*
Notificada da contestação, veio a autora deduzir o incidente de intervenção principal provocada da sociedade C.E..
*
A senhora juíza a quo decidiu, desta forma singela, o incidente de intervenção principal provocada da C.E.:
«Admito o incidente de intervenção de terceiros (intervenção principal provocada, do lado passivo) suscitada no requerimento com a referência eletrónica 4175547.
Cite-se a chamada, nos termos do artigo 319.º do CPC.»
*
Citada, a C.E. veio apresentar contestação, o que fez sensivelmente nos mesmos termos em que o havia feito a C.C., sem invocação, obviamente, da referida exceção dilatória.
*
Foi proferido despacho saneador que julgou «improcedente a exceção dilatória alegada pela Ré.»
*
Na subsequente tramitação dos autos, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Por todo o exposto, julgo a ação parcialmente procedente e em consequência:
A) Condeno a Ré C.E. S.A. ao pagamento à Autora B, LDA., da quantia de 2.835 (dois mil, oitocentos e trinta e cinco) euros, a título de danos patrimoniais, acrescido de juros à taxa de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
B) Condeno a Ré C.C., S.A. ao pagamento à Autora B, LDA., da quantia de 2.500 (dois mil e quinhentos) euros, [a título de danos não patrimoniais] acrescido de juros à taxa de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
C) Absolvo as Ré C.C., S.A. e C.E. S.A. do demais peticionado pela Autora.»
*
Notificadas da sentença, tanto a ré C.C., como a interveniente C.E., vierem dela interpor recurso de apelação, o que fizeram separadamente.
*
Por decisão do relator, datada de 19 de setembro de 2023, foi rejeitado o recurso interposto pela ré C.C..
*
Os autos prosseguem, assim, apenas e só para apreciação do recurso interposto pela interveniente C.E., cujas alegações conclui assim:
«A) Vem o presente Recurso interposto da Douta Sentença proferida nos autos, que julgou parcialmente procedente a Acção e que condenou a C.E. S.A., ora recorrente, a pagar à autora a quantia de 2.835 euros acrescida e juros de mora, contados desde a citação, até integral pagamento.
B) Salvo o devido respeito, que é muito, a ré não poderá concordar com o entendimento do Tribunal a quo, subjacente à decisão de condenar a ora recorrente a indemnizar a autora, por danos patrimoniais, nos termos da sentença.
C) A presente acção funda-se na responsabilidade civil contratual, também sujeita à disciplina da responsabilidade civil extracontratual, estando em causa um contrato de prestação de serviços, prestados pela ré, por solicitação da autora, no período de Pandemia, concretamente entre Março e Junho de 2020.
D) Estamos na presença de um contrato de envios postais, que, como o próprio Tribunal a quo reconhece na douta sentença, cujos prazos de entrega são meramente indicativos, não se tratando, portanto, de prazos peremptórios que devessem ser imperativamente cumpridos.
E) Na verdade, não ocorreu um efectivo incumprimento contratual, mas sim um cumprimento defeituoso, que não poderá ser interpretado à luz da normalidade social, pois, à época da verificação dos factos, o mundo vivia uma Pandemia que paralisou quase todos os sectores da sociedade e que condicionou de forma decisiva o sector postal, quer ao nível nacional, quer ao nível internacional.
F) Se atentarmos à matéria de facto dada como assente, não há registo da devolução de qualquer correspondência por não ter sido devidamente encaminhada; não se identifica uma única situação em que os objectos postais expedidos pela autora não tenham sido entregues no destino. Donde terá, necessariamente, de se concluir que os serviços contratados pela ré foram cumpridos.
G) Situação diversa são os prazos em que os objectos postais foram entregues aos destinatários e se as demoras verificadas são imputáveis à autora, ou seja, se esta agiu com culpa
H) No período que mediou entre 16 de Março e 31 de Maio, no exercício da actividade postal entre a Ilha da Madeira e o Continente, bem como com o estrangeiro, ré esteve sujeita a uma drástica redução dos voos, conforme resulta do ponto 33 e 36 da matéria de facto assente, tendo sido suprimidos os sete voos diários que habitualmente se realizavam, passando a existir apenas 2 voos semanais, nos quais era dada prioridade ao transporte de material hospitalar, sendo que os equipamentos de transporte eram de menor capacidade, o que limitava o espaço para a carga de correio (cft. pontos 37 a 39 da matéria de facto assente).
I) Atentas as circunstâncias provadas nos autos, tratando-se, inclusivamente, de factos notórios, do conhecimento do público em geral, a acumulação de correspondências por transportar tratou-se uma inevitabilidade, que a ré, por mais esforços que envidasse, não teve meios de evitar.
J) Tendo, no entanto, recorrido a vias alternativas de expedição de correspondência, como seja a via marítima, tendo, também, encaminhado os objectos postais com recurso a escalas noutros países, para que aqueles chegassem aos respectivos destinos (cft. pontos 34 e 35 da matéria assente), pelo que o incumprimento dos padrões de serviço de entrega das correspondências não poderá deixar de se entender que ocorreu por um motivo de força maior, à qual a ré é alheia e que tudo fez para ultrapassar.
K) A autora, bem sabendo das limitações de voos, pois tratava-se de um facto que era do conhecimento público, amplamente divulgado pela comunicação social, durante o período em apreço, concretamente, entre Março e Junho de 2020, enviou 1.421 objectos postais (cft. pontos 23 a 27 da matéria de facto assente).
L) Importará salientar que a ré está sujeita a um regulador, a ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações, que, tal como resulta do ponto 40 da matéria dada como assente, qualificou a impossibilidade da prestação do serviço postal em condições normais, por via da Pandemia COVID 19, como uma circunstância de força maior, externa ao controlo da ré e que teve um impacto decisivo na qualidade dos serviços prestados.
M) O Tribunal a quo não poderia ter ignorado os argumentos supra expendidos, nem ter entendido, como entendeu, e referiu, ser irrelevante que os padrões de serviço da expedição das correspondências eram indicativos: É claro que tais características dos padrões de qualidade têm de ser considerados na decisão tomar nos presentes autos.
N) Da matéria assente resulta evidente que ocorreu uma impossibilidade temporária, por motivos de força maior, a que a ré foi alheia e que dificultou de forma decisiva a prestação dos serviços com a qualidade, e circunstâncias em são habitualmente prestados.
O) A ré tudo fez para contornar os obstáculos com que se deparou para expedir os objectos postais, tal como resulta da matéria de facto dada como assente nos pontos 34 e 35. não foi provado qualquer facto donde seja possível concluir pela negligência da ré na prestação dos serviços solicitados pela autora,
P) Quanto à matéria assente no ponto 21, de acordo com o qual se diz que a ré não apresentou soluções concretas, facilmente se compreenderá que, porque sempre
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT