Acórdão nº 532/23.2T8AMT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-12-19

Ano2023
Número Acordão532/23.2T8AMT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 532/23.2T8AMT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
A. A..., Lda., com sede na Praça ..., n.º ..., fração D, r/c, ... ... PRD, intentou o presente processo especial de revitalização (PER), ao abrigo do disposto nos artigos 17.º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), tendo em vista dar início a negociações com os seus credores de modo a concluir com estes um acordo de pagamento conducente à sua revitalização.
Recebido o requerimento e nomeado administrador judicial provisório (AJP), foi apresentada lista provisória de créditos, a qual foi objecto de duas impugnações, já definitivamente decididas (tendo o tribunal julgado procedente uma delas e homologado a desistência quanto à outra).
Concluídas as negociações, a requerente depositou no tribunal a versão final do plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, tendo sido de imediato publicada no portal Citius a indicação desse depósito.
Na sequência das considerações produzidas por vários credores, a requerente depositou nova versão do plano cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual foi publicada no portal Citius.
Este plano foi votado por credores cujos créditos representam 53,14% do total dos créditos relacionados com direito de voto; 72,25% do total dos votos expressos são favoráveis e 27,75% são desfavoráveis.
O Instituto da Segurança Social, I.P., único credor que votou desfavoravelmente, veio requerer ao tribunal que, caso o Plano seja aprovado e homologado, declare a sua ineficácia ou a inoponibilidade em relação aos créditos da Segurança Social, uma vez que não deu o seu consentimento expresso à modificação dos seus créditos, sob pena de violação da legislação específica da segurança social, bem como da legislação tributária, designadamente o artigo 30.º da Lei Geral Tributária (LGT), de acordo com o qual os créditos da Segurança Social são indisponíveis.
Notificado para o efeito, a requerente pugnou pela homologação do Plano na sua plenitude.
*
B. Foi proferida sentença homologatório do Plano, que termina da seguinte forma:
«Assim sendo, nada obstando e tendo em conta o disposto nos citados normativos e a Jurisprudência a que se fez referência, decide-se homologar por sentença o plano de revitalização de “A..., Lda.”, porquanto não resulta que o mesmo viole o princípio da igualdade entre credores, não se afigura evidente a violação de qualquer norma imperativa, nem ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais, designadamente nos termos invocados pela Segurança Social.
A presente decisão vincula todos os credores, incluindo a Segurança Social, e mesmo os credores que não hajam participado nas negociações, nos termos previstos no artigo 17.º-F, n.º 11, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas».
*
C. Inconformado, o credor Instituto da Segurança Social, I.P. apelou desta sentença, apresentando as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 02/10/2023 que homologou o plano de revitalização apresentado no Processo Especial de Revitalização identificado em epígrafe, na medida em que a decisão de homologação do plano, nos termos em que foi proferida vincula todos os credores, incluindo o Instituto da Segurança Social, I.P., apesar de este credor ter votado contra o plano e de ter requerido a declaração de ineficácia ou inoponibilidade da parte dispositiva do plano em relação aos créditos da Segurança Social, caso o mesmo viesse a ser aprovado e subsequentemente homologado.
2. Tal crédito foi reclamado em tempo e foi reconhecido pelo Sr. Administrador Judicial Provisório nos exactos termos em que foi reclamado.
3. No dia 15/09/2023, através de requerimento enviado via Citius ao Sr. Administrador Judicial Provisório, o Instituto da Segurança Social, I.P. manifestou o seu voto contra o Plano de Revitalização apresentado, pelas razões enunciadas na Deliberação do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P, datada de 12/09/2023, que juntou em anexo e cujo conteúdo deu por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais e que se passam a enunciar:
“(…) b. Nos termos da legislação em vigor são devidos juros vencidos e vincendos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas, não existindo enquadramento legal para uma taxa de juro anual de 2% durante o pagamento, conforme proposto. “(…) b. A empresa não entrega declarações de remunerações desde março de 2018, inclusive, circunstância que indicia a sua inatividade.
c. De harmonia com o disposto no artigo 190.º, n.º 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, as condições de regularização de dívida propostas no plano apenas podem ser autorizadas se forem indispensáveis para a viabilidade económica da empresa, o que, face ao exposto supra, não se encontra demonstrado.
d. Nos termos do artigo 30.º, n.º 2, da LGT, o crédito tributário - no qual se integra o crédito da segurança social - é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua alteração, redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
e. A homologação de um plano que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da segurança social constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do artigo 215.º do CIRE e, por tal motivo, o mesmo deve ser considerado ineficaz para com a segurança social, sendo-lhe inoponível.”
4. Nesse mesmo dia (15/09/2023), através de requerimento junto aos autos, o Instituto da Segurança Social, I.P. manifestou o seu voto contra o Plano de Revitalização apresentado, conforme Despacho do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P, datado de 12/09/2023, que juntou em anexo e cujo conteúdo deu por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais, e requereu a declaração de ineficácia ou inoponibilidade da parte dispositiva do Plano em relação aos créditos da Segurança Social, caso o mesmo viesse a ser aprovado e subsequentemente homologado, uma vez que este credor não deu o seu consentimento expresso à modificação dos seus créditos, situação que viola a legislação específica da segurança social, bem como a legislação tributária, designadamente o artigo 30.º, da Lei Geral Tributária, que refere que os créditos da Segurança Social são indisponíveis.
5. Por sentença proferida em 02/10/2023 o plano de revitalização apresentado no Processo Especial de Revitalização da Devedora A..., Lda. foi homologado, e a decisão de homologação do plano, nos termos em que foi proferida, vincula todos os credores, incluindo o Instituto da Segurança Social, I.P..
6. O plano apresentado implica necessariamente a modificação dos créditos da Segurança Social sem o consentimento deste credor, na medida em que os mesmos passam a gozar de uma dilação temporal, de uma moratória, quando é certo que a Segurança Social não autorizou o diferimento temporal do pagamento de créditos públicos, o que, contraria o estipulado no Código dos Regimes Contributivos e Sistema Previdencial da Segurança Social.
7. É hoje pacífico que a obrigação contributiva da segurança social, sem prejuízo da sua especialidade, pertence ao domínio mais amplo das relações jurídico-tributárias, atento o disposto no art. 1.º e 3.º n.º 2 da L.G.T..
8. De acordo com o art. 30.º, n.º 2, da referida Lei “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito ao princípio da igualdade e da legalidade tributária.”
9. Acresce que a Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, através do seu artigo 125.º, veio reforçar o vertido no n.º 2 do artigo 30.º da LGT, introduzindo o n.º 3 a esse artigo 30.º da L.G.T., do qual consta que “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.”
10. Dispõe o art. 125.º da Lei n.º 55/2010, de 31/12, que “O disposto no n.º 3 do art. 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação (…).”.
11. As regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX do CIRE, aplicam-se, com as necessárias adaptações, à matéria de aprovação e homologação de Planos de Revitalização, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, por força do art. 17.º-F, n.º 5, do CIRE.
12. E, assim sendo, tendo a sentença de homologação sido proferido em 17/07/2023, o n.º 3 do art. 30.º da LGT é-lhe aplicável por força do disposto no art. 125.º da Lei n.º 55/2010, de 31/12.
13. Desta forma, depende, pois, do acordo do Estado, em conformidade com as normas próprias da LGT e do Código Contributivo, a alteração, redução ou extinção dos seus créditos fiscais e/ou concessão de moratória. (sublinhado nosso)
14. No regime da regularização de dívidas à segurança social plasmado no D. L. n.º 411/91, de 17/10 (cuja vigência cessou com a entrada em vigor do Código Contributivo), a regra geral consistia na proibição de “autorizar ou acordar extrajudicialmente o pagamento prestacional de contribuições em dívida à segurança social”, bem como “isentar ou reduzir, extrajudicialmente, os respectivos juros vencidos ou a vencer” (cfr. art. 1.º), salvo nos casos expressamente previstos.
15. Tais casos reconduziam-se, no essencial, à indispensabilidade de tais medidas “para assegurar a viabilidade da empresa devedora” e se esta fosse submetida, nomeadamente, a “processo especial de recuperação de empresas…” (cfr. art.º 2.º, n.º 1, alínea b)), dependendo, em todo o caso, de prévia autorização, “por despacho do membro do Governo que tiver a seu cargo a área da segurança social.” - cfr. n.º 2 do citado artigo e diploma).
16. Este regime foi praticamente transposto para o art. 190.º do
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