Acórdão nº 528/18.6T8ALQ.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-21

Ano2024
Número Acordão528/18.6T8ALQ.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:



I–RELATÓRIO


1.1–A. (…), identificada nos autos, instaurou em 13-07-2018 no Juízo Local Cível de (…) a presente ação declarativa comum contra B. (…), igualmente identificado nos autos, pedindo a condenação do réu no pagamento de quantia indemnizatória não inferior a € 32.000,00, acrescida de juros calculados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais.
Fundamentando tal pretensão, invocou a autora ser arrendatária do réu, tendo assumido tal posição por substituição do seu falecido marido em contrato de arrendamento que remonta a 1966, que teve por objeto prédio misto, destinado quer à habitação do seu agregado familiar, quer à prática de uma agricultura de subsistência. Sucede, porém, que desde 2005 ocorreram vários atos danosos no prédio, praticados pelo réu ou a seu mando (retirada de telhas, arrombamento da porta, incêndio, arranque e destruição de videiras) que visaram provocar o seu abandono pela autora. Certo é que o autor nunca lançou mão de qualquer instrumento legal para fazer cessar o contrato de arrendamento, mas com os atos descritos privou a autora de habitar o locado, vendo-se esta forçada a passar a residir com as filhas, dado que não possui meios económicos para obter outra casa de habitação. Por força dos atos descritos, a autora perdeu todos os seus bens e deixou de habitar no local onde sempre viveu com o seu falecido marido e onde cresceram os seus filhos, o que lhe causou danos de natureza patrimonial e não patrimonial de que pretende ser ressarcida por via da presente ação.

1.2–O réu contestou a ação, arguindo a nulidade da sua citação, por não lhe terem sido remetidos dois dos documentos juntos com a petição inicial, e excecionou a incompetência territorial do tribunal, por a ação não ter sido instaurada no seu domicílio, contrariamente ao critério consagrado no artigo 71º, nº 1, CPC, defendendo a remessa do processo para o Tribunal (…).
O réu arguiu ainda a exceção de prescrição, pugnando pela sua absolvição do pedido, invocando o prazo de três anos consagrado no artigo 498º, do Código Civil, dado que os factos que lhe foram imputados pela autora deram origem a processo crime, nos quais foram proferidas decisões de arquivamento, a última das quais notificada em 13-07-2018.
Por fim, impugnou a celebração do contrato de arrendamento verbal invocado pela autora, bem como o recebimento de quaisquer rendas, alegando que no ano de 2006 adquiriu a propriedade de determinado prédio misto que identificou, no qual se mostravam implantados vários prédios urbanos, todos em ruína, onde ninguém habitava.
Concluiu o réu não se verificarem os pressupostos da obrigação de indemnização invocada pela autora.

1.3–Julgada improcedente a nulidade da citação (despacho com a referência 139246029), foi proferida decisão sobre a exceção de incompetência territorial, julgando-a procedente, com a consequente remessa dos autos ao Juízo (…).

1.4–Exercendo contraditório sobre a exceção de prescrição arguida pelo réu, a autora apresentou a resposta a que corresponde a referência 3187668, na qual considerou que a causa de pedir da ação não radica na prática pelo réu de factos de cariz criminal, nem se enquadra no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, pelo que não é aplicável o prazo prescricional previsto no nº 1 do artigo 498º do Código Civil. Ao invés, na sua perspetiva, a causa de pedir radica no incumprimento do contrato de arrendamento celebrado entre o primitivo proprietário do imóvel e o marido da autora, reconduzindo-se, consequentemente, à responsabilidade civil contratual do réu, para a qual se mostra previsto, no artigo 309º do Código Civil, um prazo de prescrição de 20 anos.
Concluiu a autora que deverá improceder a exceção de prescrição invocada.

1.5–Convidada a suprir imprecisões na concretização da matéria de facto alegada, por forma a identificar os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu com a conduta do autor (despacho de 25-04-2019 – referência 386292863), veio a autora a apresentar petição inicial aperfeiçoada.
Neste articulado (com a referência 32407861), a autora concretizou os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da conduta que imputa ao réu, tendo computado os primeiros em € 27.700,00 e indicado o valor de € 4,300,00 como adequado para a compensação dos segundos.
O réu exerceu contraditório relativamente à petição inicial aperfeiçoada, mantendo a posição já assumida na contestação anteriormente apresentada (requerimento com a referência 32543613).

2–No decurso da audiência prévia, realizada em 4-03-2020, atenta a complexidade inerente à apreciação da exceção de prescrição, foi determinado o seu conhecimento por escrito, na sequência do que veio a ser proferido o despacho com a referência 395116286.
Em tal despacho, considerou-se que os factos alegados pela autora se reconduziam quer à violação do contrato de arrendamento, quer à prática de atos ilícitos. Assim, por existir um concurso entre responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual, operando entre ambas uma relação de consunção, considerou-se aplicável o regime da primeira, e, consequentemente, do prazo de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil.
Em consonância, foi julgada improcedente a exceção de prescrição invocada pelo autor.

3–Não se conformando com tal decisão, o réu da mesma interpôs recurso, que foi admitido e decidido por este Tribunal da Relação de Lisboa em 20-01-2021, constando do dispositivo do acórdão proferido:
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o saneador-sentença recorrido, que julgou não verificada a exceção de prescrição, substituindo-o pela decisão de relegar para final o conhecimento dessa exceção.

4–Foi designada data para continuação da audiência prévia, no decurso da qual foi identificado o objeto do litígio e selecionados os temas de prova.

5–Realizou-se a audiência de julgamento, com produção de prova, cujas sessões decorreram em 17-05-2022, 14-07-2022 e 14-06-2023, e foi proferida sentença, em 21-06-2023, que julgou a ação improcedente, constando do seu dispositivo o seguinte:
Pelo exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo o réu do pedido.

6–Não se conformando com a decisão proferida, a autora da mesma interpôs recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que, julgando a ação procedente, condene o réu no pedido formulado, terminando as suas alegações com a seguintes conclusões, que se transcrevem:
1.–O presente recurso tem por objeto a decisão proferida no âmbito dos autos de supra e à margem melhor identificados, que julgou totalmente improcedente a ação intentada pela autora contra o réu, absolvendo-o do pedido.
2.–Discordando a aqui Recorrente da decisão proferida, quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito, pretende, pela presente Apelação, sujeitar à douta reapreciação de V. Exas, as seguintes questões:
a)- Incorreto julgamento da matéria de facto;
b)- Erro de julgamento.
3.–A sentença recorrida - ao contrário do que dela consta e como se impunha pela aplicação do art.º 607.º, n.º 4 do CPC - não teve em conta toda a prova produzida e analisada em audiência.
4.–Na verdade, a sentença é omissa quanto ao depoimento prestado pela testemunha arrolada pela autora, C. (…), a qual foi inquirida na sessão de julgamento realizada em (…) e cujo depoimento se encontra gravado.
5.–Tal omissão influiu necessariamente na decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente na matéria de facto dada como não provada, uma vez que é do depoimento desta testemunha que se extrai, entre outra, a prova da estreita ligação dos factos provados ao Réu, no sentido de ter sido este quem, intitulando-se dono do imóvel locado, se encontrou com esta testemunha, a fim de lhe propor uma indemnização pela cessação do arrendamento, em data contemporânea com a prática/ocorrência dos factos.
6.–Por outro lado, a sentença recorrida padece ainda do vício de contradição entre a matéria de facto dada como provada, constante, nomeadamente do facto 15 dos factos provados (FP) e a não provada, constante das alíneas d), parte final, e) e f) dos factos dados como não provados (FNP).
7.–Na verdade, se o Tribunal “a quo” deu como provado que, “em consequência do incêndio da parte urbana do locado, o mesmo ficou totalmente inabitável, facto que obrigou a aqui Autora a refugiar-se definitivamente em casa das suas filhas D. (…) e E. (…)” (Facto n.º 15 dos FP), resulta à saciedade que o Tribunal “a quo” não podia ter dado como não provados os factos constantes das alíneas supra mencionadas da matéria de facto dada como não provada, pois que, ao fazê-lo, dá, simultaneamente, como provado um facto e o seu contrário, do que resulta uma manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada e não provada.
8.–Tal erro ou vício da decisão de facto acarreta a necessidade de modificabilidade da decisão de facto, por parte do Tribunal da Relação, nos termos do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, o que se requer
9.– A aqui Recorrente discorda, ainda, que o Tribunal “a quo” tenha dado como não provados os factos constantes das alíneas d), parte final, e), f), g) e h) da matéria de facto dada como não provada, uma vez que a resposta positiva aos mesmos se encontra claramente suportada nos depoimentos prestados pelas testemunhas E. e sua irmã, D., os quais, conforme melhor consta da motivação da decisão de facto, não levantaram ao Tribunal “a quo” quaisquer “suspeitas”, antes lhe “merecendo credibilidade”.
10.–Não obstante o depoimento destas duas testemunhas, considera-o isento e merecedor de credibilidade pelo
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