Acórdão nº 527/21.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-03-17

Ano2022
Número Acordão527/21.0BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório
A Caixa Geral de Aposentações recorre da sentença proferida nos presentes autos cautelares, instaurados por P., que decretou:
· a suspensão de eficácia do ato administrativo notificado em 20 de maio de 2021, que determinou que por efeito de [o Requerente] ter exercido aquelas funções no período de janeiro de 2011 até ao mês a partir do qual a CGA suspendeu o abono da pensão, em maio de 2014, foi pago o montante de 96.625,93 euros, a título de pensão de reforma que acumulou com o respetivo vencimento na TAP, em violação do disposto nos artigos 78.º e 79.º do E.A., valor ao qual acrescem juros de mora, no montante 19.842,19 euros. [assim]Por essa razão, foi determinado, por resolução genérica de 16 de abril de 2021, que aqueles montantes devem ser repostos mediante o mecanismo de compensação nas pensões de reforma ou de aposentação a ser abonadas após a cessação definitiva de funções, conforme decorre do artigo 36.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto- Lei n.º 155/92, de 28 de julho;
· Determino que a Entidade Requerida reinicie de imediato com efeitos reportados a 01.04.2021 e até à prolação da decisão de fundo em sede da ação administrativa principal - ao processamento e liquidação integral da pensão de aposentação do Requerente.

A recorrente alega e conclui o recurso do seguinte modo:
I– Sobre a desconsideração, pelo Tribunal a quo, do disposto no art.º 128.º do CPTA:

1.ª No caso dos autos, o Requerimento inicial deu entrada em juízo em 2021-07-05 e a CGA foi citada em 2021-07-19, recebendo, nessa data, “…o duplicado do requerimento…” e tomando, a partir daí, as providências tendentes a “…impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.”

2.ª Em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 128.º do CPTA, a CGA retomou, em agosto de 2021 (na data de processamento de pensões imediatamente posterior à citação), o pagamento da pensão do Requerente. (cfr. Declaração que ora se junta como Doc. 1 e se dá por integralmente reproduzida para os legais efeitos)

3.ª O segmento da decisão proferida nestes autos de processo cautelar que determina o pagamento da pensão ao Requerente “…com efeitos reportados a 01.04.2021…” é manifestamente ilegal, por ultrapassar e desconsiderar, sem qualquer fundamentação, as regras especificamente consagradas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 128.º do CPTA.

II – Sobre a decisão de suspender a eficácia do ato emitido em 2021-04-16:

4.ª Nenhuma prova existe nos autos sobre a alegada “…situação de grave carência económica…”, referida na página 30 da Sentença recorrida, nem sobre a “…altíssima taxa de esforço...” a que o Tribunal a quo alude na página 16 da decisão recorrida.

5.ª O Requerente nunca fez juntar os autos qualquer documento que comprovasse quais são efetivamente os seus rendimentos (o que indicia que os quer manter reservados do escrutínio do processo cautelar) e o Tribunal nunca determinou que o mesmo juntasse aos autos nem a sua declaração de IRS e do seu agregado familiar, nem outros documentos relevantes para aferir da sua insuficiência económica (como está a ser exigido no âmbito de outros processos cautelares idênticos, propostos por outros pilotos da TAP, como é exemplo o que corre termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, proc.º 1213/21.7BELSB – cfr. Doc. 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos)

6.ª Uma taxa de esforço é, por definição, a relação entre o rendimento mensal líquido de um agregado familiar (todos os seus ganhos, sejam salários ou outros abonos, rendimentos de aplicações financeiras, rendas imobiliárias, entre outros) e as despesas do mesmo, sendo que essa «taxa de esforço» terá de ser aferida perante documentos idónea à sua comprovação e não por simples declaração verbal, muito menos emitida pelo Requerente, que é parte interessada.

7.ª No entanto, o Tribunal a quo decidiu considerar suficiente, para prova do rendimento mensal líquido do agregado familiar, o simples depoimento de parte do Requerente.

8.ª Não é aceitável que o Tribunal a quo tenha considerado indiciariamente provado – só com base no depoimento de parte do Requerente – que “Para além da pensão de aposentação, o Requerente não possui qualquer fonte de rendimento individual” (cfr. P) dos Factos Assentes) ou que “O único rendimento que o agregado familiar do Requerente aufere corresponde ao vencimento da sua esposa, o qual se cifra em € 1.176,50” (cfr. T) dos Factos Assentes)

9.ª Para a prova relativa à “…situação de grave carência económica…” ou à “…taxa de esforço...” do Requerente e do seu agregado familiar é exigível um maior rigor na sua produção (o que compete à parte, que invoca tal situação), não sendo admissível a flexibilidade evidenciada pelo Tribunal a quo quanto a este particular, de aceitar como prova bastante, para aquele efeito, o simples depoimento de parte do Requerente.

10.ª O mesmo se diga sobre o facto constante no ponto R) dos factos assentes, em que o Tribunal a quo considera demonstrado que: “O Requerente, após 2014, necessitou ser acompanhado por um cardiologista”. Trata-se de mais um facto que sempre careceria de ser demonstrado por documento e não por simples informação verbal prestada pelo próprio interessado.

11.ª Os factos constantes nas alíneas P), T), U) e R) dos Factos Assentes deverão, no entendimento da CGA, ser excluídos da matéria de facto assente, já que resultam de mera informação verbal prestada pelo Requerente nestes autos, que optou por não juntar qualquer prova documental suscetível de demonstrar a situação de carência económica que invocou nem qualquer documento alusivo à condição clínica a que aludiu em sede de audiência de julgamento.

12.ª O Tribunal a quo também não observou, com o devido rigor, nem pediu esclarecimentos adicionais sobre as despesas a que se alude na alínea S) dos Factos Assentes, da qual resulta que o Requerente é cliente de várias instituições bancárias e financeiras, sendo cliente na Caixa Geral de Depósitos e no banco Abanca, sendo também titular de seguros e de planos poupança, sendo legítimo admitir-se que o mesmo dispõe de rendimento subjacentes a aplicações financeiras.

13.ª O Tribunal a quo não ponderou que o interessado exerceu desde 2001 (cfr. B) dos factos assentes), as funções de piloto da TAP até 2021-03-31 (cfr. L) dos factos assentes), perfazendo 20 anos de exercício de funções na TAP a auferir vencimentos de valor muito elevado.

14.ª Apesar de o Requerente nunca ter querido dizer (nem neste nem noutros autos em curso) qual o valor da sua remuneração enquanto piloto da TAP, a verdade é que, como a CGA alegou no art.º 42.º da sua Contestação, o ordenado de um piloto na TAP rondará os € 8.000,00, segundo informação disponibilizada em https://www.jn.pt/economia/pilotos-da-tap-tem-salariomedio-mensal-bruto-de-8600-euros 1373374.html).

15.ª Ponderação que deveria também ter sido feita pelo Tribunal a quo, para ter noção dos rendimentos auferidos pelo Requerente e seu agregado familiar, ao invés de aceitar – sem mais – as meras informações verbais prestadas pelo próprio quanto aos seus rendimentos, para concluir que “…está adequadamente comprovada a situação de grave carência económica…”, aludindo, aliás, na página 16 da decisão recorrida, à “…altíssima taxa de esforço...” do Requerente, sem que se perceba como foi alcançada tal conclusão.

16.ª O requisito do “periculum in mora” encontra-se preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis [neste sentido, vd. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, nota 4. ao artigo 120º do CPTA, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 1ª edição, 2005, págs. 703].

17.ª Incumbia ao requerente alegar e provar factos concretos que permitissem perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade ou de difícil reparação da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente. O que o mesmo quis fazer apenas através de informação verbal, por depoimento de parte.

18.ª Perante a escassez de prova produzida pelo Requerente quanto à sua situação económica, muito mal andou o Tribunal a quo ao concluir que o ato emitido pela CGA em 2021-04-16 é suscetível de provocar uma situação de grave carência económica ao Requerente e ao seu agregado familiar, considerando assim preenchido o requisito do periculum in mora.

19.ª Assim como mal andou a decisão recorrida ao concluir pelo preenchimento do requisito do fumus boni iuris. Como se explica no Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 2010-11-18, no âmbito do proc.º 6769/10, “A qualidade de cognição exigida pelo art.° 120.° n.º l a) CPTA para o fumus boni iuris traduzida na expressão "evidente procedência da pretensão formulada" mede-se pelo carácter incontroverso (que não admita dúvida), patente (posto que visível sem mais indagações) e irrefragável (irrecusável, incontestável) do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal, derivado da cognição sumária das circunstâncias de facto e consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, efetuados no processo cautelar.”

20.ª Para se falar em carácter incontroverso, patente e irrefragável do presumível conteúdo favorável da sentença a proferir ter-se-ia de mostrar evidente a ilegalidade do ato impugnado.

21.ª Não é isso que acontece no caso...

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