Acórdão nº 5233/21.3T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20-10-2022

Data de Julgamento20 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão5233/21.3T8VNF-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

A 22.09.2021 o Banco ..., SA intentou acção executiva para pagamento de quantia certa, em processo ordinário, contra C. C., A. P. e S. O., para pagamento da quantia de € 17.225,10 invocando para tanto e em síntese que:

- o Banco ..., SA foi incorporado no Banco ..., SA;
- por Deliberação do Banco de Portugal de 03 de Agosto de 2013 foi constituído o Banco ..., SA, para o qual foram transferidos os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANCO ..., SA;
- por escritura pública, outorgada a 05 de Agosto de 2005, o Exequente, no exercício da sua actividade bancária, concedeu a C. C., um financiamento sob a forma de Contrato de Mútuo com Hipoteca, no valor de € 67.500,00, no regime geral de crédito, pelo prazo de vinte anos, destinado à aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente;
- a mutuária obrigou-se a amortizar o capital mutuado e a pagar os respectivos juros e imposto de selo e confessou-se devedora do Exequente da quantia mutuada, entregue;
- a 14.09.2005, o Exequente (refere-se, certamente por lapso, o reclamante) concedeu um empréstimo a C. C., no montante inicial de € 25.000,00;
- para garantia de todas as responsabilidades assumidas a referida C. C. constituiu, a favor do Banco ..., S.A., duas hipotecas voluntárias sobre o imóvel penhorado nos autos, estando as mesmas inscritas na CRPredial;
- para garantia do financiamento, e nas escrituras identificadas supra, constituíram-se como fiadores e principais pagadores A. P. e S. O. por tudo quanto viesse a ser devido ao exequente com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia;
- na sequência da penhora efectuada sobre o prédio sobre que incidiam as hipotecas e tendo sido notificado para o efeito, o Exequente reclamou o seu crédito, no âmbito do processo de execução fiscal que identifica;
- no âmbito do referido processo de execução fiscal, o referido imóvel foi adjudicado ao Banco ..., S.A. pela quantia de € 77.400,00;
- o exequente foi ressarcido de parte do montante por si reclamado, no valor de € 76.055,28;
- esta operação levou à liquidação do empréstimo de € 67.500,00, com afectaçao a este da quantia de € 66 153,61 e à redução dos valores em dívida pelo incumprimento do empréstimo de € 25.000,00, com afetação da quantia de € 11 246,39€, permanecendo em dívida, a título de capital, a quantia de € 12.274,47;
- o Exequente tem direito a juros de mora, calculados à taxa e sobretaxa que indica, desde 10.04.2013 até efectivo e integral, ascendendo os juros vencidos até à data da apresentação do requerimento executivo a € 4.718,30;
- bem como a quantia a título de imposto de selo, no valor de € 158,53 e de 73,80, a título de Despesas e de ISUC.
- o exequente é ainda credor dos juros que se venham a vencer até efetivo e integral pagamento do valor em dívida.
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A 08/10/2021 (como decorre do AR de citação junto aos autos de execução pelo AE a 15/10/2021) foi citada a executada S. O. que veio deduzir embargos de executado (cujo integral teor foi transcrito na sentença recorrida) pedindo que na procedência dos mesmos, se declare extinta a execução, invocando, em síntese que:
- na sequência de uma execução fiscal onde foi penhorada o imóvel hipotecado, a 10/04/2013 o exequente reclamou créditos no valor 85.287,34 e foram calculados juros desde 11/4/2013 até 14/08/2013 no valor de € 1.166,90;
- foi abatida à divida da exequente € 76.055,28, pelo que a 14/08/2013, ficou em dívida a quantia de € 10.398,96,00 e não a quantia referida no requerimento executivo;
- a Embargante não teve qualquer intervenção no referido processo; - a Embargante, na qualidade de fiadora, apenas foi citada a 18/10/20121;
- o exequente peticiona um direito de crédito composto por capital e juros de mora, nomeadamente os vencidos a partir de 10/4/2013;
- decorre dos documentos, que a obrigação de restituição da quantia emprestada nos dois contratos de mútuo, foram fracionadas em prestações mensais, que incluíam capital e juros remuneratórios, prestações pré determinadas e sujeitas a revisão periódica (semestral) em função da taxa Euribor;
- esta materialidade enquadra-se no âmbito da alínea e) do art. 310.º do CC, sendo aplicável o prazo da prescrição de cinco anos ao direito de crédito exigido coercivamente pelo exequente.
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A exequente veio contestar, pedindo a improcedência dos embargos e o prosseguimento da execução até efetivo e integral pagamento de todas as quantias em dívida, invocando, em síntese (a sentença recorrida transcreve a contestação até ao art.º 47º):

- a redução do montante em dívida verifica-se em relação ao segundo financiamento, permanecendo em dívida, a título de capital, a quantia de € 12.274,47
- o incumprimento das obrigações emergentes do contrato remonta a 10.04.2013 e esta é a data desde a partir da qual deverão ser contabilizados os juros em dívida;
- os créditos do Embargado foram reconhecidos no processo de execução fiscal nos exatos termos em que a reclamação de créditos foi apresentada, o que incluiu o pagamento de juros de mora vincendos;
- em 2013 e em 2021 enviou as cartas que indica à mutuária e fiadora, em que procedeu à denúncia dos contratos e informou a Opoente de que havia dado instruções para a cobrança da dívida, através do recurso a uma ação judicial, com a consequente execução das garantias associadas ao crédito em causa;
- invoca o disposto no art.º 781º do CC e a cláusula vigésima do Documento Complementar anexo à escritura pública dada à execução.
- foi expressamente convencionado o automatismo do vencimento antecipado das responsabilidades assumidas em caso de incumprimento, pelo que não era obrigatória a interpelação do fiador para pôs termo á mora;
- o não pagamento de uma prestação do empréstimo na data do seu vencimento confere, desde logo, ao Exequente, o direito de considerar vencidas todas as outras, pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido, promovendo à sua imediata execução judicial;
- a citação dos Executados, sempre teria a virtualidade substitutiva de tal interpelação;
- o que está em causa é uma obrigação única, ainda que passível de fracionamento e não uma obrigação periodicamente renovável, pelo que não tem aplicação o regime especial previsto no artigo 310.º do CC;
- resulta da cláusula nona do documento complementar resulta que o incumprimento das obrigações emergentes do contrato determinou o vencimento e a exigibilidade imediata de todas as quantias que se encontravam em dívida;
- o plano de amortização inicialmente acordado entre as partes deixou de estar em vigor, no momento em que se deu o incumprimento;
- o montante em dívida readquiriu a sua natureza original com o vencimento antecipado da obrigação, por força do incumprimento definitivo;
- o crédito exequendo não se configura como quotas de amortização do capital pagáveis com juros, mas como uma dívida global proveniente do incumprimento definitivo de uma relação contratual, correspondente ao valor do capital em dívida;
- o artigo 310.º do CC consubstancia uma norma especial, cuja aplicação se circunscreve, exclusivamente, a prestações periodicamente renováveis;
- às obrigações únicas, de valor predeterminado, ainda que repartidas ou fracionadas em várias parcelas, é aplicável a regra geral prevista no artigo 309.º do CC;
- não estando demonstrado que o embargado peticiona quotas de amortização, apenas se poderá concluir que o se reclama é uma dívida global proveniente de uma relação de liquidação, que se revelou incumprida, em abril de 2013.
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O tribunal considerou não haver razões para agendara audiência prévia e ordenou a notificação das partes “para os fins tidos por convenientes”.
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Pronunciou-se a embargante.
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Foi proferido saneador-sentença em que:
- no inicio e sob o titulo “Audiência prévia” se consignou:
“Nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 2, do C.P.C., “… se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para a contestar, (...) seguindo-se depois, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo”.
Neste contexto, é manifesto que qualquer articulado apresentado após esta fase processual, atento o teor da contestação (limitou-se a responder à matéria de exceção), não é legalmente admissível.
(…)
Não existe, portanto, qualquer razão para o agendamento da audiência prévia (…)”
- e que decidiu:
“ Pelo exposto, na ausência de qualquer outra questão de facto e de direito que reclame uma decisão do tribunal, decido:
8.1.- Julgar parcialmente procedente a exceção da prescrição invocada pelo embargante e, em consequência, declaro apenas prescritas as prestações vencidas no âmbito dos dois contratos de mútuo com fiança até ao dia 01 de outubro de 2016 e respetivos juros de mora.
8.2.- Custas pela exequente/embargada, na proporção do decaimento.”
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Inconformada, a embargante interpôs recurso, pedindo a revogação da sentença e seja declarada verificada a prescrição total do crédito exequendo, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.
B) A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado da notificação do Embargado aqui Recorrido para reclamar créditos no âmbito do processo de execução fiscal nº. ………..56 onde foi penhorado o imóvel hipotecado a seu favor para garantia de cumprimento das obrigações assumidas, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
C) A adjudicação do imóvel em 14/08/2013 na sequência daquela reclamação e a liquidação de parte dos empréstimos...

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