Acórdão nº 5226/20.8T8VNG-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-30

Ano2023
Número Acordão5226/20.8T8VNG-A.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
DT, Lda., intentou a presente ação declarativa de condenação contra SU, S.A., atualmente denominada GS, S.A., alegando, em síntese, que no dia 22 de setembro de 2019, pelas 3 horas, na Rua ____, em ____, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, da marca M, modelo E, com a matrícula TH, pertença da autora, então conduzido pelo seu sócio-gerente, SS, no seu interesse próprio, e sob a sua direção efetiva.
O acidente consistiu no embate do TH contra um muro.
Naquela data, a responsabilidade civil decorrente da circulação do TH encontrava-se transferida para a companhia de seguros L, detida pela ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ____, que contemplava a cobertura de danos próprios do veículo.
Na sequência do acidente a autora sofreu prejuízos, que a ré se recusa a ressarcir e pelos quais pretende ser indemnizada através desta ação.
A autora conclui assim a petição inicial:
«Termos em que, nos melhores de direito (...), deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de €29.579,91 (vinte e nove mil quinhentos e setenta e nove euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, até integral e efetivo pagamento. Condenada ainda a pagar à Autora a quantia que se vier a vencer, desde a presente data até efetivo e integral pagamento, a título de paralisação e privação de uso da viatura acidentada, na quantia diária de € 20,00 (vinte euros).»
*
A ré contestou[1], começando por invocar uma denominada «Exceção perentória inominada, de direito material, de manifesta improcedência dos pedidos deduzidos pela Autora», alegando, para o efeito, a este propósito, que «entre SS e a Ré foi celebrado um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º ____, o qual se regia pelas suas condições particulares, gerais e especiais (...).
O objeto desse contrato de seguro era o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula TH, de marca M, modelo E.
Para além da cobertura obrigatória de responsabilidade civil, o SS subscreveu ainda, no âmbito do indicado contrato de seguro, a cobertura facultativa de “choque, colisão e capotamento” sofridos pelo TH.
O referido contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ____, tinha como único tomador e segurado o SS.
Ora, a Ré não celebrou com a autora qualquer contrato de seguro que lhe garantisse o ressarcimento de danos sofridos pelo TH em consequência de choque, colisão e capotamento que sofresse.
Por outro lado, aquando da celebração do contrato de seguro, o SS não declarou à Ré que o contratava por conta ou no interesse de terceiro, pelo que o seguro se considera contratado por conta própria (cfr artigo 47º n.º 2 do RJCS).
Ademais, nos termos da cláusula 2ª do clausulado da condição especial de “choque, colisão e capotamento”, a Ré apenas se comprometeu a garantir “ao Segurado o ressarcimento dos danos que resultem para o veículo seguro em virtude de choque, colisão ou capotamento”.
Por fim, os danos invocados na PI, mesmo que tivessem ocorrido nos termos descritos, estariam excluídos da garantia da cobertura obrigatória de responsabilidade civil automóvel do acima mencionado contrato de seguro, em face do que estabelece a cláusula 5ª, n.º 4, alínea a) das Condições Gerais da Apólice (cfr, ainda, art.º 14.º n.º 4, alínea a) do DL 291/2007), já que se tratam de danos sofridos pelo próprio veículo seguro por essa apólice.
Assim, a Ré não se comprometeu, através do contrato de seguro em apreço ou qualquer outro negócio, a garantir à A o pagamento de qualquer indemnização por danos por esta sofridos em consequência da danificação do TH, fosse porque motivo fosse.
Pelo que, independentemente de ter ou não ocorrido o “acidente” descrito na PI, a Ré nunca estaria legal ou contratualmente obrigada a pagar à autora qualquer indemnização, pelo que é manifesta e improcedência das pretensões que deduz nesta ação, devendo a Ré ser absolvida dos pedidos, L no douto despacho saneador.»
Além disso:
- argui a nulidade do contrato de seguro;
- impugna a factualidade alegada pela autora na petição inicial.
Por outro lado, dando por reproduzido o alegado nos art.ºs 1.º a 165.º da contestação, deduz reconvenção, pedindo que seja declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de seguro acima identificado.
Para assegurar a legitimidade passiva em sede de instância reconvencional, requereu a intervenção principal provocada de SS.
A ré conclui assim a contestação/reconvenção:
«Termos em que
a) Deve ser julgada procedente a exceção inominada de direito material de manifesta improcedência dos pedidos, absolvendo-se a Ré desses pedidos
Sem prescindir
b) Deve ser julgada procedente a exceção de nulidade do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ____, pelo menos no que toca à sua cobertura de “choque, colisão, capotamento”, declarando-se esse contrato de seguro, nessa parte, nulo e de nenhum efeito desde a data do seu início (07/03/2019) e absolvendo-se a Ré do pedido
Sem prescindir
c) A ação deve ser julgada improcedente, com as consequências legais;
d) A reconvenção deve ser julgada procedente e, por via disso deve ser declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ____, pelo menos no que toca à sua cobertura de “choque, colisão, capotamento”, desde a data do seu início (07/03/2019) os reconvindos condenados a reconhecerem a invalidade desse contrato de seguro nessa parte, paratodos os efeitos legais, com a consequente exoneração da Reconvinte do dever pagar qualquer prestação prevista nesse contrato.
e) Para que o pedido reconvencional possa produzir o seu efeito útil, deve ser admitida a intervir nesta ação, como parte principal, associada à Autora, a “SS, tudo com as consequências legais.»
*
Na sequência de uma nem sempre linear tramitação dos autos, por decisão datada de 20 de janeiro de 2022:
a) foi admitido o incidente de intervenção principal provocada de SS e ordenado o «cumprimento ao disposto no artigo 319.º do Código de Processo Civil»[2];
b) foi ordenada a notificação da «A. para, no prazo de dez dias, responder às excepções deduzidas pela R.»
*
Citado, o chamado SS não contestou, nem, por outra qualquer forma, interveio nos autos.
*
Na audiência prévia realizada no dia 13 outubro de 2022 e a que se reporta a ata com a Ref.ª 419614380 (assinada a 17 de outubro de 2022), a senhora juíza "a quo" proferiu a seguinte decisão:
«Veio a Ré suscitar a excepção peremptória inominada de direito material, alegando que o único tomador e segurado do contrato seguro em causa nos autos relativa à viatura segura não é a A , mas sim SS, não tendo a Ré celebrado com a A. qualquer contrato de seguro que lhe garantisse o ressarcimento de danos sofridos pelo veiculo TH em causa nos autos em consequência de choque, colisão e capotamento, não tendo o segurado SS, aquando da contratação, declarado que o fazia por conta ou no interesse de terceiro.
A A notificada, nada disse.
Cumpre apreciar:
Analisando o teor da contestação da Ré nos artigos 1 a 6, verifica-se dos mesmos que a excepção deduzida consubstancia não uma excepção peremptória inominada, tal como a Ré invoca, mas antes constitui uma ilegitimidade processual (o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes aos factos por si alegados – artigo 5º, n.º 3 do CPC).
De facto, da análise da apólice junta pela Ré consta como tomador do seguro e condutor habitual SS (documento junto 35v e seguintes) e não a A.
De facto, não tendo a Ré contratado com a A. o contrato de seguro em causa nos autos, não tem a Ré interesse em contradizer a acção contra si proposta, porque não há para si prejuízo que advenha da procedência desta acção (artigos 30º, n.º 1 e 2 do CPC).
A ilegitimidade constitui uma excepção dilatória, nos termos do artigo 577, al. a) do CPC que conduz absolvição da instância (artigo 576º do CPC).
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, por se verificar a excepção de ilegitimidade passiva por parte do R., absolve-se o R da instância.
Sendo a Ré parte ilegítima fica prejudicado o conhecimento pelo tribunal em sede de excepção da nulidade do contrato invocada pela Ré em sede de defesa, nos termos do artigo 608º, n.º 2 do CPC.
Custas pela A.»
Além disso, a senhora juíza "a quo" proferiu ainda a seguinte decisão:
«Uma vez que o Réu Reconvindo (interveniente) não apresentou contestação, declaro confessados os factos articulados pelo A (n.º 1 do artigo 567º do CPC).
Cumpra-se o disposto no n.º 2 do artigo 567º do CPC.»
*
Posteriormente, no dia 17 de fevereiro de 2023, foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, julga-se procedente, por provada, a presente reconvenção e, em consequência, determina-se a nulidade parcial do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ____, apenas na parte da cobertura de “choque, colisão, capotamento”, desde a data do seu início 07-03-2019, celebrado entre GS SA e SS e condeno os Reconvintes[3] DT Lda e SS a reconhecer essa nulidade parcial do referido contrato de seguro, com a subsequente absolvição da Reconvinte GS SA do dever de pagar qualquer prestação prevista nesse contrato e no que respeita apenas a tal cobertura.»
*
Foi da decisão proferida na audiência prévia realizada no dia 13 outubro de 2022, que julgou verificada «a excepção de ilegitimidade passiva por parte do R.» e absolveu «o R[4] da instância», que no dia 14 de novembro de 2022, a autora interpôs o presente recurso de apelação, ao abrigo do disposto no art.º 644.º, n.º 1, al. b), cujas alegações concluiu assim:
«1 – Veio a Recorrente dar entrada da presente ação declarativa, peticionando a condenação da
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