Acórdão nº 5210/21.4T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15-06-2023

Data de Julgamento15 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão5210/21.4T8STB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. AA, instaurou acção de processo comum contra BB e mulher, CC, DD e EE, pedindo a declaração de ineficácia em relação a si dos negócios jurídicos de doação indicados nos artigos 16º e 18º da petição inicial, declarando-se que qualquer crédito do A. sobre os primeiros RR. possa ser satisfeito à custa do imóvel objecto da doação (descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob a ficha n.º ...31...), e, bem assim, à custa do quinhão hereditário”.

2. Para tanto, alegou, em síntese:
- Que os RR. BB e mulher, CC, são devedores da quantia de € 91.875,00, em resultado de uma condenação no processo n.º 4509/18.1T8STB, que correu seus termos no Juízo Central Cível, juiz 1 de Setúbal;
- Que procederam à doação dos bens de que eram proprietários, através dos quais o A. se poderia fazer pagar;
- Que as doações foram realizadas com o objectivo de deixarem de ter no seu património bens suficientes para o efeito; e
- Que, por força desses factos, não foram encontrados bens penhoráveis para satisfazer integralmente o seu crédito.

3. Citados, vieram os RR. apresentar contestação conjunta, defendendo-se por excepção – invocam a ineptidão da petição inicial, nos termos do artigo 186º, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, alegando que o A. não formula um pedido consequente com a causa de pedir e que, em face do alegado os RR. ficam sem saber quais os créditos que o A. pretende que sejam satisfeitos pelos bens cujas transmissões pretende impugnar – e, por impugnação, alegando que não entendem de que forma o facto de o 1º R. concorrer a uma herança da sua mãe com 9 interessados dificulta a cobrança do crédito, e que não se conhecendo qual, ou quais, os créditos, não se pode concluir pela insuficiência do património dos 1ºs RR..

4. Foi proferido despacho convocando a realização da audiência prévia, com vista à conciliação das partes e, não sendo esta possível, para se conhecer do mérito da causa, “tendo em conta os documentos juntos e as posições assumidas pelas partes nos articulados”.
Na audiência prévia, o A. foi notificado para se pronunciar sobre a matéria da excepção, o qual pugnou pela sua improcedência. Foi dada a palavra aos I. Mandatários para proferirem alegações finais, posto que se pretendia conhecer de mérito, tendo as partes prescindiram da continuação da audiência prévia para a prolação da decisão.
Após, veio a ser proferido saneador-sentença, no qual se julgou improcedente a invocada excepção de ineptidão da petição inicial e, conhecendo-se de mérito, decidiu-se julgar a acção procedente e, em consequência: «a) Condenar os Réus a ver declarada a ineficácia em relação ao Autor das doações mencionadas em 10 e 12 dos factos provados, podendo executar os bens doados no património das Rés DD e EE para pagamento do credito resultante da condenação no proc. nº. 4509/18.1T8STB, que detém sobre os Réus BB e CC».

5. Inconformados, recorreram os RR., nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
A) Vem o presente recurso interposto da D. Sentença (Saneador) proferida nos autos à margem supra referidos, a qual decidiu julgar a Acção de Impugnação Pauliana proposta pelo ora recorrido contra os Apelantes, procedente, por provada e, em consequência, condenou os Réus a ver declarada a ineficácia em relação ao autor das doações mencionadas em 10 e 12 dos factos provados, podendo executar os bens doados no património das Rés DD e EE para pagamento do crédito resultante da condenação no Proc.º n.º 4509/18.1T8STB.E1, que detém sobre os Réus BB e CC.
B) Em sede de Motivação da D. Sentença e “Aplicando aos Factos o Direito”, veio o Tribunal a quo a considerar que “(...) Atenta a factualidade alegada na contestação verificamos que os réus nada articularam - (para provarem) - quanto aos bens ou rendimentos penhoráveis ainda existentes no património dos devedores de igual ou maior valor do que o crédito do autor, não obstante a desafectação patrimonial ocorrida, não tendo, portanto, cumprido o ónus que a Lei coloca a seu cargo.
C) Desta conclusão discordam os Apelantes.
D) Considerada a contestação, ou antes, a defesa considerada no seu conjunto, demonstra-se que os Réus alegaram matéria susceptível de configurar excepção à pretensão do autor,
E) Mormente, no que diz respeito à suficiência do seu património para cobrança do crédito do autor.
F) Considerada, precisamente, a defesa no seu conjunto, deverá concluir-se, quando muito, pela insuficiência, deficiência ou imprecisão da matéria de facto alegada, motivo pelo qual,
G) O Tribunal a quo, deveria ter formulado convite ao aperfeiçoamento, o qual configura um “poder-dever” funcional,
H) Cuja omissão configura violação do disposto no art.º 590, n.º 2, al. b), e 4 do CPC, e consequentemente, porque o Tribunal omitiu a pratica de um acto que deveria ter praticado e que influi na decisão da causa, a D. Sentença é nula, ainda por violação do art.º 195, n.º 1, do CPC.
I) O facto de os Réus terem impugnado que o património que os Réus BB e mulher têm na sua esfera jurídica é insuficiente para a cobrança do crédito do autor, implica que deveria ter sido, então, formulado tal convite, no caso de se considerar que a matéria era insuficiente ou imprecisa,
J) A fim de permitir aos Réus fazerem a prova do valor dos bens que lhe permanecem, após as doações impugnadas nos autos.
K) Tais omissões, para além das violações já arguida, violam ainda o Direito Constitucional de Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efectiva, previsto no art.º 20.º da CRP.
L) Nestes termos a D. Sentença ora colocada em crise é nula e de nenhum efeito, devendo os autos ser remetidos à 1.ª Instância para formulação do convite de aperfeiçoamento da contestação, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais.
Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, Requerem os Apelantes que o presente recurso seja recebido, conhecido e declarado procedente, declarando-se a nulidade da Sentença por violação do disposto nos art.ºs 590.º, n.º 2, al. b) e n.º 4, e art.º 195.º todos do CPC e, bem assim, por violação do art.º 20.º da CRP e, consequentemente, determinar-se que sejam os autos remetidos à Primeira Instância para formulação do convite de aperfeiçoamento da contestação, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais, assim se fazendo costumada JUSTIÇA!

6. Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se ocorre a nulidade da decisão por falta da formulação do convite ao aperfeiçoamento do articulado da contestação, com as legais consequências.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1 - O Autor instaurou contra os Réus BB e mulher CC a acção de processo comum n.º 4509/18.1T8STB, que correu seus termos no Juízo Central Cível, juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal formulando os seguintes pedidos:
a) Se reconheça o A. como dono e legítimo possuidor da fracção autónoma, destinada a habitação,
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