Acórdão nº 52/23.5BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 27-04-2023

Data de Julgamento27 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão52/23.5BCLSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. A Federação Portuguesa de Futebol, inconformada com a decisão arbitral proferida pelo TAD, que julgou procedente o recurso apresentado pelos demandantes F. M. e C. C. 2.. no âmbito do processo nº 48/2022 (Arbitragem Necessária), veio, ao abrigo do disposto no artigo 8º, nºs 1, 2 e 5 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, e interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 30 de Dezembro de 2022, que julgou procedente o recurso apresentado pelos ora recorridos, que correu termos sob o nº 48/2022, que decidiu absolver o recorrido F. M., da sanção de 10 (dez) meses e 15 (quinze) de suspensão, correspondentes ao total de 315 (trezentos e quinze) dias de suspensão, por força do disposto no artigo 14º, nº 2, do RDFPF e, cumulativamente, da sanção de multa de 35 UC, correspondente a € 3,570,00, pela prática de 7 (sete) infracções disciplinares ao artigo 137º, nº 1, do RDFPF, por altura da realização dos jogos oficiais melhor identificados no presente recurso e na matéria de facto dada como provada – pontos nºs 7), 9), 11), 13), 15), 17), 19) e 21 – jogos aos quais assistiu, nas bancadas ou camarotes dos recintos desportivos onde os mesmos se realizaram, estando naquelas datas ainda a cumprira sanção de 135 (cento e trinta e cinco) dias de suspensão que lhe haviam sido aplicada no processo disciplinar nº 133 – 2020/2021;
2. O presente recurso versa também sobre a decisão do Colégio Arbitral em absolver o recorrido C. C. 2.., da sanção de 100 UC de multa, correspondente a 10.200,00 € (dez mil e duzentos euros), pela prática de 4 (quatro) infracções disciplinares ao artigo 104º do RDFPF, praticadas por altura da realização dos jogos oficiais melhor identificados no presente recurso e na matéria de facto dada como provada – pontos nºs 9, 13, 15 e 17 –, todos disputados no seu Estádio, na qualidade de equipa visitada, a contar para a Liga 3, da corrente época desportiva 2021/2022, por não ter feito cumprir a deliberação emanada pelo CD da recorrente, praticando assim a infracção disciplinar p. e p. no artigo 104º, nº 5 do RDFPF;
3. A decisão que ora se impugna é passível de censura porquanto existe um erro na matéria de facto dada como provada e não provada, e bem assim, erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, conforme se passa a demonstrar;
4. Entendeu o Tribunal a quo que o recorrido F. M. não podia ser punido, porquanto, à data dos factos em crise nos autos – a presença em recinto desportivo, no decorrer de sete jogos do recorrido C. C. 2.. – não era agente desportivo, porque havia apresentado a demissão do cargo que exercia no recorrido C. 2.. e nessa medida, não podia ter sido sancionado disciplinarmente;
Sem razão, senão vejamos,
5. Dispõe o artigo 3º, nº 1 do RDFPF que "O presente Regulamento é aplicável a todas as entidades desportivas, incluindo aos clubes, e a todos os agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções no âmbito das competições de futebol, por qualquer forma nelas intervenham ou desenvolvam actividade compreendida no objecto estatutário da Federação";
6. Acresce que dispõe o artigo 4º, alínea b) do RDFPF que se considera Agente Desportivo: "os titulares de órgão social da FPF ou de sócio ordinário da FPF, de comissão permanente ou não permanente da FPF ou de sócio ordinário da FPF, os dirigentes de clube e demais funcionários, trabalhadores e colaboradores de clubes, os jogadores, treinadores, auxiliares-técnicos, elementos da equipa de arbitragem, observadores dos árbitros, delegados da FPF, intermediários desportivos, agentes das forças de segurança pública, coordenadores de segurança, assistentes de recinto desportivo, médicos, massagistas, maqueiros dos serviços de emergência e assistência médicas, bombeiros, representantes da protecção civil, apanha-bolas, repórteres e fotógrafos de campo e, em geral, todos os sujeitos que desempenhem funções ou exerçam cargos no decurso das competições organizadas pela FPF e nessa qualidade estejam acreditados, bem como todos os que, estando autorizados a participar nas competições organizadas pela FPF, pela LPFP ou pelas associações distritais e regionais, nomeadamente mediante inscrição, se encontrem presentes em complexo desportivo por ocasião de jogo oficial, ou ainda outro responsável pelos assuntos técnicos, médicos e administrativos perante a FIFA, uma confederação, federação, associação, liga, clube ou sociedade desportiva" – sublinhados nossos;
7. O recorrido F. M. tinha inscrição em vigor na FPF, enquanto dirigente, com licença desportiva nº 8…, encontrando-se inscrito com a função de S. F. do C. 2.., desde 13.08.2021, não tendo a mesma sido cancelada ou cessada, permanecendo activa e válida até 30.06.2022 – cfr. facto nº 4 dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo;
8. Tal factualidade encontra-se demonstrada nos autos, designadamente por análise do detalhe de inscrições do recorrido F. M., a fls. 33 e 38, do seu Player Passport, a fls. 35 e 36, e da listagem dos seus sancionamentos disciplinares, a fls. 37;
9. Mantendo a sua inscrição activa junto da FPF, aqui recorrente, até 30.06.2022, último dia da época desportiva 2021/2022, uma vez que em momento algum foi solicitado o seu cancelamento ou sequer comunicada a cessação do seu mandato ou funções no clube, pelo próprio ou pelo C. 2.., o recorrente F. M. mantinha todas as prerrogativas inerentes a tal estatuto, como a possibilidade de, caso não existisse outro impedimento (nomeadamente disciplinar), ser inscrito nas Fichas Técnicas e exercer funções no quadro das competições organizadas pela FPF;
10. Nesse sentido, o recorrido F. M. é considerado «agente desportivo», nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4º, alínea b), do RDFPF – que adopta uma definição ampla de agente desportivo – estando, como tal, sujeito ao exercício do poder disciplinar por parte da FPF, ao abrigo do preceituado no artigo 3º, nº 1, do mesmo Regulamento;
11. Em suma, subsumindo os factos dados como provados pelo próprio Colégio Arbitral à norma prevista no artigo 4º, alínea b) do RDFPF, constatamos que o recorrido era/foi agente desportivo até 30.06.2022, porquanto: (i) estava inscrito na FPF como dirigente do recorrido C. 2..; (ii) estava, nessa qualidade, autorizado a participar nas competições organizadas pela FPF; (iii) nomeadamente mediante inscrição; (iv) estava presente no recinto desportivo por ocasião de jogo oficial – no caso, sete jogos oficiais;
12. Ora, recordemos que o RDFPF, no seu artigo 4º, alínea b), considera Agentes Desportivos, " (...) os dirigentes de clube e demais funcionários, trabalhadores e colaboradores de clubes (...) bem como todos os que, estando autorizados a participar nas competições organizadas pela FPF (...) nomeadamente mediante inscrição, se encontrem presentes em complexo desportivo por ocasião de jogo oficial;
13. Neste conspecto, conclui-se que o recorrido F. M., se encontrava inscrito como Dirigente do recorrido C. 2…, até 30.06.2022, estando nessa medida autorizado a participar em competições organizadas pela aqui recorrente, "nomeadamente mediante inscrição", encontrando-se presente nos complexos desportivos por ocasião dos sete jogos oficiais a que aludem os factos provados nºs 7), 9), 11), 13), 15), 17), 19) e 21);
14. Impendia sobre os recorridos o dever de actualização de tal factualidade junto da recorrente, o que, conforme resulta dos autos, não sucedeu, como aliás, o próprio Tribunal a quo dá como provado, não colhendo o argumento de que o recorrido F. M. deixou de exercer funções no C. 2.. em 15 de Janeiro de 2022, porquanto, reitere-se, nenhum dos recorridos cuidou de prestar e registar para os devidos efeitos, tal informação;
15. Ter-se-á como relevante in casu, não a vida interna de cada clube, designadamente as eleições internas e os pedidos de demissão, mas sim a comunicação e inscrição que os clubes e agentes desportivos fazem junto da FPF, a cada época desportiva, sendo que a mesma será válida até o clube ou o dirigente informar a FPF de que tal inscrição deve ser dada sem efeito, ou, na ausência de tal comunicação, no fim de cada época desportiva, como sucedeu no caso concreto, só assim se garantindo, a segurança e certeza jurídica quanto aos efeitos das sanções disciplinares aplicadas e dos respectivos sujeitos;
16. Nesse sentido, considerando que o recorrido F. M., era à data dos factos, agente desportivo, como bem sabia que era, porquanto nunca tinha assegurado que assim não se encontrava registado junto da FPF, tinha de saber que ao agir como agiu – marcar presença nos recintos desportivos dos jogos em crise nos autos – estava a incumprir a sanção de suspensão que lhe havia sido aplicada;
17. Pelo exposto, dever-se-á considerar provado o facto que o Tribunal à quo deu como não provado, aditando-se à factualidade dada como provada o seguinte segmento:
"O demandante F. M. assistiu a todos os jogos oficiais supramencionados, nos respectivos recintos desportivos, o que fez e quis fazer, com a intenção de violar a decisão de suspensão que lhe havia sido aplicada, sabendo ainda, e não podendo ignorar, que a sua conduta constituía a prática de infracção disciplinar prevista e sancionada pelo RDFPF e, ainda assim, não se absteve de a adoptar";
Em suma, não se verifica qualquer violação do princípio da tipicidade, incorrendo o Tribunal à quo em erro na interpretação e aplicação do artigo 4º, alínea b) do RDFPF, havendo que concluir que andou bem o CD da recorrente ao sancionar o recorrido F. M. por prática de sete infracções...

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