Acórdão nº 5199/23.3T8VNG-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-16

Data de Julgamento16 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão5199/23.3T8VNG-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 5199/23.5T8VNG-B.P1
*
Relator: João Diogo Rodrigues;
Adjuntos: João Proença;
Fernando Vilares Ferreira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto,

I- Relatório
1- AA, apresentou-se à insolvência no dia 21/06/2023 e, em simultâneo, requereu a exoneração do passivo restante.
2- A declaração da sua insolvência teve lugar por sentença datada de 29/06/2023 e, por despacho proferido no dia 13/09/2023, foi decidido admitir liminarmente o seu pedido de exoneração do passivo restante e determinado que a Insolvente entregue à Fiduciária os montantes que anualmente receba e que excedam 12 vezes o salário mínimo nacional.
3- Inconformada com esta decisão, dela interpõe recurso a Insolvente, rematando-o com as seguintes conclusões:
“A- A Apelante foi declarada Insolvente a 29-06-2023.
B- O presente Recurso tem por objecto o despacho inicial de exoneração do passivo restante, que fixou 1 (um) salário mínimo nacional, como montante necessário ao sustento digno da Insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.º 2 e 3, al. b) e i) do art. 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (adiante abreviado de C.I.R.E).
C- Assim, no referido despacho, consignou-se expressamente que a devedora tem a obrigação de entregar à Sr.ª Fiduciária os montantes que anualmente receba e que excedam 12 vezes o valor acima fixado (itálico e negrito nosso), durante os 3 (três) anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, sendo o rendimento disponível que a devedora venha a auferir cedido à Fiduciária ora nomeada.
D- Estatui o n.º 3 do art. 239.º do C.I.R.E que “integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão a) dos créditos a que se refere o art. 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) de que seja razoavelmente necessário para: (i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (ii) o exercício pelo devedor da sua actividade profissional; (iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.”
E- O rendimento excluído da cessão, igualmente denominado de “rendimento indisponível” é caracterizado como a parte suficiente e indispensável para suportar economicamente a existência do devedor.
F- Assim, o mínimo legal concretiza-se na ideia de sustento minimamente condigno e um máximo legal correspondente a 3 vezes o salário mínimo nacional.
G- Consagra-se, assim, uma cláusula aberta de “sustento digno”, com a fixação prévia de um tecto máximo.
H- Tem-se entendido que o “sustento minimamente digno” convoca a ideia de “dignidade da pessoa humana” consagrada, entre outros afloramentos, nos artigos 1.º, 2.º, 13.º, n.º 1, 59.º, e n.º 1, 67.º da nossa Constituição da República Portuguesa, normas que esta, relativamente a direitos fundamentais, manda interpretar e integrar de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em cujo art. 25.º se proclama “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários”.
I- O valor do rendimento indisponível terá de ser fixado, assegurando o sustento mínimo indispensável para uma sobrevivência com dignidade e atendendo às circunstâncias de cada caso concreto, encargos e despesas do devedor, passivo e bens apreendidos, mas sempre sem perder de vista que se trata de um período de contenção e sacrifício, a fim de se atingir o referido equilíbrio com os interesses dos credores.
J- No caso sub iudice, o valor fixado como indisponível para o período de cessão é, s.m.o, inferior ao razoavelmente necessário para a dignidade a Insolvente.
K- Dos factos considerados relevantes, pelo tribunal “a quo” para fixar o rendimento indisponível da Insolvente, por um lado, ficaram por concretizar todas as suas despesas, devidamente comprovadas nos autos e que adiante escortinar-se-á e por outro ficaram mesmo omitidas a idade da Insolvente, o seu estado de saúde e despesa mensal com telecomunicações.
L- Devem prevalecer e ser garantidas previamente as necessidades de sobrevivência do devedor com dignidade sobre a possibilidade de ressarcimento dos credores.
M- Refira-se, que a Insolvente tem um passivo que ascende a € 11.799,00, relativo unicamente a um crédito automóvel (aquisição de um veículo automóvel por contrato de compra e venda a prestações).
N- Vive só, é viúva, reformada, necessitando de toma diária de medicação e de acompanhamento médico mensal.
O- Recebe pensão de velhice na quantia de € 417,77 e pensão de sobrevivência, pelo falecimento do seu marido, no valor de € 401,48.
P- Sucede que, a Insolvente paga mensalmente renda social no valor de € 121,79, quota de condomínio no valor de € 8,00, suporta ainda, despesas médicas e medicamentosas no valor mensal de € 80,00, passe mensal no valor de€ 30,00, columbário onde se encontra a urna do marido, no valor de € 30,00.
Q- Porém, o despacho é omisso na seguinte factualidade, igualmente relevante e que deverá dar-se por provada, atenta a toda a prova junta aos autos.
R- A saber, a Insolvente tem 70 anos de idade (nascida a .../.../1953), conforme certidão de nascimento junto ao requerimento inicial, sob Doc. 1;
S- Apresentou prova documental das despesas com água, luz, gás e telecomunicações.
T- Assim, a Insolvente despende mensalmente aproximadamente € 60,00 na fatura de energia, € 25,00 em água, € 30,00 em gás de botija e € 57,13 pelo serviço de TV, telefone e internet, o montante global de € 172,13, conforme resulta demonstrado pelas faturas juntas aos autos sob Doc. 15 a 17, no requerimento inicial da Insolvente.
U- Sem prescindir, mal andou o tribunal “a quo” em desconsiderar o facto igualmente relevante da Insolvente sofrer de cardiopatia isquémica e arrítmica, hipertensão e glaucoma que a obrigam a toma diária de medicação e acompanhamento médico frequente, conforme Relatório Médico junto sob Doc. 6 ao requerimento inicial da Insolvente.
V- A Insolvente, como proprietária de um veículo automóvel, cuja aquisição em 2006 originou o único crédito da presente insolvência, acarreta
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