Acórdão nº 51/17.6GAPPS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 11-10-2023

Data de Julgamento11 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão51/17.6GAPPS.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 1)

Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

… foi indeferida a constituição como assistente de MAAVIM – Movimentos Associativos de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões, por falta de legitimidade por não configurar a qualidade de ofendido.

1.2.O recurso

1.2.1. Das conclusões da requerente

… MAAVIM – Movimentos Associativos de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. Face à pretensão da recorrente em se constituir assistente, foi proferido pela douta instância a quo, despacho de indeferimento, com fundamento no artigo 68º à contrario do CPP.

2. Com efeito, o indeferimento supra versou sobre a não consideração da MAAVIM como a vítima ou como a proprietária dos bens visados pelos danos materiais.

3. A par do indeferimento fundado no artigo 68º do CPP, pronunciou-se a douta instância a quo, pelo facto dos crimes imputados não se encontrarem comtemplados na categoria dos crimes ditos de acção popular o que seria, igualmente, causa e rejeição da constituição de assistente por parte da MAAVIM.

4. Sucede, porém, que a faculdade de constituição de assistente não se esgota nos termos definidos no artigo 68º do CPP exaltando-se que, contrariamente ao entendimento aqui recorrido, o crime de incêndio pode ser subsumível ao direito de acção popular constitucionalmente reconhecido no âmbito da perseguição judicial das infracções contra a preservação do ambiente.

5. A acção popular pode ser exercida pessoalmente ou por meio de uma associação, em conformidade com o legalmente preceituado.

6. Dos interesses defensáveis ao abrigo de uma acção popular destacam-se, nomeadamente, os interesses individuais homogéneos que são interesses passíveis de individualização autónoma, mas que surgem em situações de massa e em termos de perfeita identidade de natureza.

7. Assim, face ao direito a um ambiente de vida humano o qual comporta, necessariamente, um equilíbrio ecológico, a violação deste com incidência criminal legitima que a MAAVIM, enquanto associação sem fins lucrativos que visa a defesa dos direitos dos lesados e vítimas de Midões dos incêndios de Outubro de 2017 não só apresente queixa como se constitua assistente.



1.2.2 Da resposta do Ministério Público

Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, defendendo a improcedência do recurso …

1.2.3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação teve vista do processo, defendendo não merecer censura a decisão impugnada …

II. OBJECTO DO RECURSO

Assim, examinadas as conclusões de recurso, importa conhecer e decidir da legitimidade da recorrente em constituir-se assistente.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido na primeira instância (transcrição):



A constituição de assistente têm de ser sempre vista no contexto da factualidade e crimes imputados e no caso concreto e em face do despacho de arquivamento proferido pelo MP , tem de se ter em conta o teor do respectivo Requerimento de abertura da instrução que define o objecto do processo e por arrastamento o caso julgado material .

No caso a Requerente imputa às entidades referidas no art.º 14º do RAI , … factos que qualifica com a prática dos crimes de incêndio , omissão de auxilio , homicídio por negligência , ofensa à integridade física qualificada e crime de dano .
Da factualidade alegada não se evidencia a existência de qualquer dano material em bens de que a requerente seja proprietária .
Do estatuto da Requerente consta no seu art.º 2º que defende os interesses e os direitos dos lesados pelos incêndios ocorridos na freguesia de Midões e que tem legitimidade para recorrer nos tribunais para defesa dos direitos nestes incêndios bem como em situações em que ocorram futuramente .

Dos factos descritos a Requerente não imputa qualquer crime dito de acção popular .



A definição da legitimidade em questões de constituição como assistente em sede de criminalidade constitui matéria de direito público e como tal com relevância que assume especial os contornos definidos pelo legislador pelo que apesar de os estatutos da Requerente mencionarem que representa em tribunal as vitimas mesmo para efeito de recurso , em sede de Processo Penal , tal declaração é juridicamente inoperante em face do tipo de interesses em causa para lhe conferir legitimidade em causa .
Pelo exposto , e uma vez que a Requerente não configura a qualidade de ofendido com os contornos definidos pela lei e em face dos factos e crimes imputados , não dispõe de legitimidade para a constituição como assistente , pelo que se indefere a sua constituição nos termos requeridos e consequentemente por falta de legitimidade não admito a abertura de instrução por inadmissibilidade legal ;

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A recorrente defende dever ser admitida a sua constituição como assistente, por o crime de incêndio poder ser subsumível ao direito de acção popular, que pode ser exercido por meio de uma associação, como a recorrente, que visa a defesa dos direitos...

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