Acórdão nº 51/06.1 BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-01-20

Ano2022
Número Acordão51/06.1 BEFUN
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
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Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
A... intentou ação administrativa especial contra a Região Autónoma da Madeira, com vista à impugnação da Resolução n.º 1654/2005, do Conselho do Governo Regional da Madeira, datada de 17/11/2005, que determinou a sua exoneração do cargo de representante da Região Autónoma da Madeira na Comissão Técnica do Registo Internacional de Navios da Madeira – MAR, peticionando se declare nula ou se anule tal Resolução e a condenação do réu ao restabelecimento da situação que existiria se o ato de exoneração não tivesse sido praticado, com a reintegração do autor no cargo ou, em alternativa, a condenação do réu no pagamento de indemnização.
Por sentença de 11/05/2020, o TAF do Funchal julgou procedente a ação, anulou a Resolução n.º 1654/2005, do Conselho do Governo Regional da Madeira, e condenou a entidade demandada na reconstituição da situação que existiria se o mencionado ato não tivesse sido praticado.
Inconformada, a ré interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1) A douta sentença ora sob recurso não se pronunciou sobre a questão essencial alegada nos artigos 17.° a 25.° da sua Contestação pela Ré, em que considera que o cargo que o Autor ocupava era de livre nomeação e de livre exoneração, por se tratar de cargo de confiança política;
2) A douta sentença é completamente omissa sobre esta questão jurídica essencial para o desfecho da presente demanda, sobre a qual deveria obrigatoriamente se ter pronunciado ou apreciado, violando o estabelecido no artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do CPC;
3) Consequentemente, por aqui, a douta sentença é nula nos termos do artigo 615.°. n. 1, alínea d) do CPC, o que deve ser declarado;
4) Por outro lado, salvo o devido respeito, andou mal a douta sentença em anular a Resolução do Conselho do Governo ora sub judice. qualificando-a pressupostamente como um ato administrativo e tratando-a juridicamente como tal;
5) A Ré entende que o ato de exoneração do representante da Região Autónoma da Madeira na Comissão Técnica do Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) é um ato puramente político (e não um ato administrativo), praticado no exercício da função política, e como tal excluído do âmbito da jurisdição administrativa nos termos do artigo 4.°, n.° 2, alínea a) do ETAF, na versão em vigor à data da interposição da presente ação dada pela Lei n.° 13/2002, de 19 de fevereiro (atualmente art. 4.°, n.° 3, alínea a) do ETAF);
Senão vejamos:
6) A lei não estabelece a definição de ato político;
7) A nossa doutrina dominante e assente pelo Supremo Tribunal Administrativo, define ato político como os atos praticados no exercício da função política e que tem por objeto direto e imediato a definição e prossecução dos interesses essenciais da coletividade, mediante a livre escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis, exprimindo tais atos as opções do poder político, não podendo por isso ser sujeitas a controlo jurisdicional. E uma definição em que se recorre ao critério material, e não a um critério orgânico, formal ou outro, clarificado nalgumas passagens do texto constitucional (por ex. arts. 133.°, 134.°, 135.°, 141.°, 145.°, 161.°, 163.°, 197.°, 201.°, mas também no Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira - cfr. art. 69.° da Lei n.° 130/99, de 21-08, alterada pela Lei n.° 12/2000, de 21-06). Neste sentido o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.°12/92, de 30-03, e a doutrina dos professores Freitas do Amaral, Scrvulo Correia, Vieira de Andrade, Marcelo Rebelo de Sousa, Jorge Miranda, Gomes Canotilho, entre outros, nas obras referenciadas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-12-2007, Proc. 01214/05, do relator Santos Botelho, que vão, entre outros do mesmo Tribunal, expressamente no mesmo sentido;
8) A Comissão Técnica do Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) foi criada pelo Decreto-Lei n.° 96/89, de 28 de março.
9) As razões da criação do Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) encontram-se expressas no preâmbulo daquele diploma legal, designadamente a forte competição internacional no setor da marinha de comércio, os fatores de custo com relevância determinante na viabilização da atividade, a criação por outros países dos seus próprios segundos registos, o que tem permitido a estes o estancamento de saída de navios para registos de conveniência, assim como atrair novos armadores, o caráter verdadeiro e inteiramente internacional da marinha de comércio, a conveniência da constituição também em Portugal de um segundo registo com inerentes vantagens com vista, por um lado, a ajudar a solucionar os problemas da marinha de comercio nacional e por outro, da existência de uma zona franca na Região Autónoma da Madeira, decidindo-se assim pela criação do MAR. Entre outras razões expressas para a criação do MAR foi, além de vir a funcionar como elemento de dinamização da marinha de comércio nacional e fator de estancagem da passagem de navios portugueses para bandeira de conveniência, “será também um importante factor de dinamização económica da Região Autónoma da Madeira c do País, quer criando emprego neste setor, quer permitindo o crescimento de atividades direta e indiretamente relacionadas com o MAR, tanto no campo económico como da educação e da investigação." Mais expressa “que o presente diploma é uma peça indispensável para que Portugal possa cumprir a sua vocação também como país marítimo...”;
10) Todo o contexto da criação do MAR e, consequentemente, da Comissão Técnica do mesmo, visa a prossecução da defesa dos interesses essenciais da nossa coletividade, quer a nível internacional e nacional, quer a nível regional da RAM;
11) Na constituição da Comissão Técnica do MAR, foi pelo estabelecido no artigo 4.°, n.° 1, alínea b) do mesmo diploma legal, atribuída inequivocamente à Região Autónoma da Madeira o poder, a competência própria, para nomear um seu representante (representante da RAM) para integrar aquela Comissão;
12) Esta lei não condicionou a sua nomeação pela RAM a qualquer requisito legal ou regulamentar, nem tão pouco quanto a quaisquer qualificações profissionais ou habilitações literárias, nem a procedimento de recrutamento, consubstanciando-se como um ato puramente político;
13) O elemento a designar pela RAM para a Comissão Técnica do MAR ao abrigo daquele normativo legal visa defender os interesses coletivos, nacionais e regionais, expressos no preâmbulo do diploma e no próprio diploma, dependendo unicamente da livre escolha da RAM; - Neste sentido o Ac. do STA de 17-11-2016, Proc. 01357/15, que conclui e ensina: “Inexiste qualquer norma legal ou constitucional que balize os critérios norteadores quer da nomeação quer da exoneração, o que igualmente patenteia a natureza política de tais atos, tudo levando à conclusão de que se trata de critérios de oportunidade e de estratégia política externa e, portanto, excluídos da sindicância jurisdicional.”;
14) A nomeação e exoneração do Autor são atos praticados no âmbito da função política da RAM, expressa através das competentes Resoluções do Conselho do Governo Regional da Madeira;
15) Tanto o ato de nomeação como o ato de exoneração do Autor, foram atos praticados no exercício das funções políticas do Governo Regional e da RAM, e integrados nestas funções assumem natureza política pura, corporizando uma estratégia meramente política por parte da Região, independentemente da repercussão que possa vir a ter na vida pessoal ou profissional do nomeado ou exonerado do cargo de representante da RAM na Comissão Técnica do MAR. São em suma, atos políticos;
16) Como é típico dos atos políticos, os mesmos não têm que ser fundamentados, não tem que obedecer aos requisitos de formação e de fundamentação previstos nos artigos 100.° e seguintes e 124.° do CPA e no artigo 268.°, n.° 3 da CRP, por não se tratar de atos administrativos, não podendo assim os mesmos padecerem de vícios de violação de lei ou de vício de forma;
17) Só as decisões administrativas são suscetíveis de controlo judicial, de sindicância jurisdicional;
18) Conclui-se “...que o ato impugnado não é um ato administrativo, inexiste o dever de fundamentação previsto nos artigos 151.°, n.° 1, alínea d), 152.° e 153.° do CPA (antes art.s 123.°. n.° 1, alínea d). 124.° e 125.° do CPA. aprovado pelo D.L. n.° 442/91. de 5-11). não aplicável aos atos políticos. - Cfr. Ac. do STA de 17-11-2016; Proc. 01357/15;
19) Deve o ato impugnado (Resolução n.° 1654/2005. do Conselho do Governo da Região Autónoma da Madeira, de 17-11-2005) ser declarado como tendo natureza exclusivamente política, qualificado como ato político, decretando-se a revogação da sentença que o anulou, por estar, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, alínea a) do ETAF, na versão em vigor à data da interposição da presente ação dada pela Lei n.° 13/2002, de 19 de fevereiro (atualmente art. 4.°. n.° 3. alínea a) do ETAF), excluído do âmbito da jurisdição administrativa;
Sem prescindir, caso seja outro o entendimento, o que só se admite por mera hipótese académica.
20) Na douta sentença sub judice, foi dado por provado a matéria constante do Ponto 10 dos Factos Provados, a qual se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos legais;
21) A douta sentença sub judice não atendeu a este facto dado por provado ou fez uma errada interpretação dos factos e da aplicação da lei aos factos dados por provados;
22) Na douta sentença sub judice, na fundamentação de direito, invoca-se, conclui-se e decide-se que: "Destarte, uma vez que o ato impugnado funda a decisão de exoneração do Autor no facto de o mesmo ter requerido a reforma e de, nos termos do artigo 78.° e 79.° do Decreto- Lei n.° 498/72, de 9 de dezembro, na redação conferida pelo...

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