Acórdão nº 5025/21.0T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-07-10

Ano2023
Número Acordão5025/21.0T8VNF.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

AA intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra F..., S.A., na qual pede que seja condenada a ré a:

a) pagar ao autor o montante necessário para a total reparação do seu veículo automóvel de matrícula ..-..-JZ, em valor nunca inferior a €5.152,80;
b) pagar ao autor o montante inerente à imobilização e privação do uso do veículo, valor este a computar numa taxa diária de € 10,00, contada desde a data do acidente (que ocorreu a 21.09.2018) até à data em que a ré lhe pague o valor supra referido e que, neste momento, ascende ao valor de € 10.950,00;
c) pagar ao autor os juros sobre o montante referido em a), à taxa legal, a contar da data do acidente ou, subsidiariamente, a contar da data da citação.

Alega, em síntese, que, no dia 21 de Setembro de 2018, pelas 21h15m, num troço da Rua ..., ocorreu um acidente de viação que consistiu no embate do seu veículo, marca ..., modelo ..., de matrícula ..-..-JZ, por si tripulado num amontoado de lixo proveniente dos coletores de saneamento público e numa tampa de saneamento público que se encontrava escondida naquele amontoado de lixo, acidente que ocorreu porque o Município ..., entidade responsável pela manutenção da rede de saneamento público e da rede viária municipal, não cuidou de, atempadamente, recolocar no seu devido lugar a tampa de saneamento que havia saltado do seu lugar em virtude de entupimento no sistema de esgotos e de limpar todo o lixo que, entretanto, havia brotado abundantemente de tal caixa de saneamento sem tampa.
Mais alega que, do choque ocorrido resultaram danos no veículo automóvel do Autor cuja reparação ascende ao valor de € 5.152,80, encontrando-se o mesmo imobilizado desde a data do acidente, com o consequente dano da privação de uso, que estima em € 10,00, dado que se tratava do veículo que utilizava todos os dias nas suas deslocações para o trabalho, médicos, bancos, mercados e lojas comerciais, bem como, ao fim de semana, em lazer, com a família.
Por fim, alega que a ré é uma próspera companhia seguradora, que aufere largos lucros ao fim de cada ano de exercício e para ela, mercê do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...90, do ramo responsabilidade civil geral, se encontra transferida a responsabilidade civil emergente de sinistros ocorridos na rede viária do Município ....

Citada veio a ré contestar, impugnando a matéria alegada, apenas quanto aos danos invocados, mais alegando, a título de defesa por excepção, que, de acordo com as condições gerais do contrato de seguro celebrado com o Município ..., estão excluídos da garantia do seguro os danos indirectos de qualquer natureza, ou seja, os danos que não sejam consequência imediata e directa do acto ou omissão do segurado, aí se incluindo os danos reclamados pelo Autor a título de privação de uso do veículo.

Saneado o processo procedeu-se á realização da audiência de discussão e julgamento tendo sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência:
a)condenou a ré, “F..., S.A.”, a pagar ao autor, AA, a quantia de € 5.152,80, acrescida de juros vencidos desde a data da citação e vincendos até efectivo e integral pagamento, sobre o capital de € 5.152,80, à taxa legal de 4%;
b)condenou a ré, “F..., S.A.”, a pagar ao autor, AA, a quantia diária de € 10,00, desde a data do acidente e até 21.05.2020, bem como desde a data da propositura da acção até ao efectivo e integral pagamento da quantia referida na alínea anterior.

Inconformada com a sentença veio da mesma recorrer a ré formulando as seguintes conclusões:

1.Face ao teor do depoimento gravado da testemunha BB e ainda ao teor das declarações de parte gravadas do Autor, nunca o Tribunal recorrido podia dar como provados os factos constantes dos nº 21 (pare final), 26, 28 dos factos provados constantes da douta sentença recorrida nos termos que da mesma constam.
2.Nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 640º do CPC, entende e defende a Ré que os factos constantes dos nº 21 (parte final, desde “pois que” até final), 26 e 28 dos factos dados como provados e constantes da douta sentença recorrida devem ser dados como não provados.
3.Face ao teor do depoimento gravado da testemunha BB e ainda ao teor das declarações de parte gravadas do Autor, nunca o Tribunal recorrido podia dar como provado o facto constante do nº 33 dos factos provados constantes da douta sentença recorrida nos termos que da mesma constam.
4.Nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 640º do CPC, entende e defende a Ré que o facto constante do nº 33 dos factos dados como provados e constantes da douta sentença recorrida deve ser dado provado nos termos seguintes: “Encontrando-se o Autor impossibilitado de uso de veículo automóvel a até Setembro de 2019, pois que nessa data adquiriu um veículo Citroen C4”.
5.Nesta conformidade, deve revogar-se a douta sentença recorrida nesta parte e quanto à matéria de facto nos termos que constam das conclusões que antecedem – é o que se requer nos termos do art. 662º do CPC.
6.Face aos factos provados e tendo também em consideração a alteração da matéria de facto que ora se alega, nunca a Ré podia –e pode –ser condenada nos termos que constam da douta sentença recorrida
7.Face aos factos provados resulta que a situação do ... do Autor após o acidente é de perda total, de acordo com o estabelecido na lei, tanto mais que o Autor não pede a condenação da Ré na reparação “in natura”, pelo que,
8.Atento o valor da estimativa de reparação e ainda o valor do veículo do Autor antes do acidente, o valor do salvado e a idade do referido veículo, a indemnização devida pela Ré ao Autor era de 1,600,00 €.
9.Assim, ao oferecer ao Autor a quantia de 1.850,00 €, em 21 de Novembro de 2018, a Ré cumpriu a sua obrigação, pelo que só o Autor deu causa à acção e, portanto, tem de ser condenado nas custas do processo.
10.Ao condenar a Ré no pagamento ao Autor de quantia superior à que foi oferecida ao Autor e ainda nas custas do processo, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 41º do DL nº 291/2007, 562º e 566º do Cod. Civil e 535º do CPC.
11.Face aos factos provados e ainda aos que resultam da reclamação da Ré, não existe fundamento para a condenação no pagamento da quantia diária de 10,00 € ao Autor por paralisação do seu veículo.
12.Desde logo, porque a situação do veículo do Autor após o acidente é de perda total e, nesse caso, não há paralisação indemnizável.
13.Mesmo que assim se não entenda, sempre a indemnização por paralisação cessa com o pagamento da indemnização por perda total.
14.E “in casu” o Autor comprou um outro veículo para substituição do veículo sinistrado, pelo que a indemnização por paralisação constitui manifesto abuso de direito.
15.Foram violados os arts. 563º, 564º, 782º e 334º do Cod. Civil, pelo que, salvo melhor entendimento, deve ser revogada a douta sentença recorrida em conformidade com o exposto.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V.Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido e a final deve ser julgado provado e procedente, nos termos expostos, como é de lei e de JUSTIÇA!

Em sede de contra alegações veio o recorrido formular as seguintes conclusões:

1. Percorrida a alegação apresentada pela Recorrente verifica-se que, não existe nos meios probatórios constantes do processo (registo ou gravação nele realizada) nada que imponha diferente decisão, sobre cada dos concretos pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida.
2. A alteração da decisão da matéria de facto pela Relação só deve ser usada quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
3. Deve, assim, prevalecer a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
4. A douta sentença recorrida justificou a sua motivação quanto à decisão que profere no que diz respeito à matéria de facto.
5. Não há, da alegação da Recorrente, qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do Tribunal Recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, que se mostra assim inalterável, face à prova produzida.
6. E, dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, na sua totalidade, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, mas que, como se refere, deve manter-se inalterada, soçobra, também, qualquer alteração sobre a decisão de mérito proferida.
7. De qualquer forma, a douta sentença faz constar, na parte que destina à fundamentação de direito, todas as razões que conduzem, inelutavelmente, à decisão que veio a ser proferida.
8. Não ocorreu, na douta decisão recorrida, a violação de qualquer normativo legal ao caso aplicável e naquela se fez a correta e adequada aplicação do quadro legal vigente.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicável, deve ser proferido, aliás douto, acórdão que contemple as conclusões aqui expressas, mantendo a douta decisão recorrida nos seus exatos termos, pois que assim será feita INTEIRA JUSTIÇA.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
*

II – OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim...

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