Acórdão nº 5019/20.2T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-19

Ano2022
Número Acordão5019/20.2T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2022:5019/20.2T8PRT.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., ... Porto, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua ..., ..., 3.º Direito Traseiras, ... ..., onde concluiu pedindo que:
- seja declarada a anulabilidade do negócio jurídico celebrado entre as partes e consequente condenação da ré à restituição do preço, acrescido de todas as despesas inerentes com o negócio anulado, nomeadamente, impostos, honorários de notário e emolumentos de registo predial.
- após a declaração da invalidade, seja ordenado junto da conservatória do registo predial competente o cancelamento de registos efetuados relativos ao negócio que lhe subjazem.
Alegou, em síntese, ter adquirido à ré, por escritura pública de compra e venda de 04.03.2019, a fracção autónoma «EL», sita na Rua ..., freguesia ..., correspondente a um estacionamento coberto e fechado com noventa metros quadrados.
Acrescentou que a concretização do negócio pelo autor assentou no facto de se tratar de uma garagem fechada e coberta para guardar os seus carros clássicos e alguns bens.
Alegou, ainda, que em momento posterior à aquisição da garagem, o autor tomou conhecimento que a mesma originalmente não era coberta, mas sim descoberta, sem arrumos, tal como constaria nas plantas existentes da Câmara Municipal ... e que terá sido fechada em momento posterior.
Mais alegou que, pelo facto de terem fechado posteriormente a garagem, esta estaria a criar infiltrações no prédio e que a eliminação das referidas infiltrações passaria pela reposição da estrutura conforme constava nas plantas entregues e licenciadas pela Câmara Municipal ....
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Citada, a ré contestou, invocando a incompetência territorial do tribunal.
Impugnou, ainda, a versão dos factos apresentada pelo autor, alegando que vendeu a referida garagem ao autor, através de uma empresa imobiliária, tendo sido o representante dessa empresa que encontrou um comprador interessado e que nunca soube qual era a intenção do autor ao querer adquiri-la.
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Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
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Por sentença proferida a 15 de novembro de 2021, o Tribunal a quo julgou a acção parcialmente procedente e decidiu:
a) Declarar anulado o negócio (contrato de compra e venda de imóvel) celebrado em 12.03.2019, mencionado no ponto 13. dos factos provados;
b) Condenar o autor a restituir à ré a fracção autónoma designada pelas letras «EL» correspondente a um aparcamento na subcave, com acesso pelo n.º ... da Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., concelho do Porto;
c) Condenar a ré a restituir ao autor a quantia de € 25.000,00, recebida a título de preço;
d) Absolver a ré do pagamento das despesas suportadas pelo autor com o negócio declaro anulado;
e) Ordenar o cancelamento na Conservatória do Registo Predial do Porto do registo que incide sobre a fracção autónoma designada pelas letras «EL» correspondente a um aparcamento na subcave, com acesso pelo n.º ... da Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., concelho do Porto, descrita sobre o número ..., relativo à aquisição pelo autor, feita pela apresentação ... de 2019/03/12.
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Não se conformando com a sentença proferida, a recorrente BB veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I) Vem o presente Recurso interposto da decisão do Tribunal a quo, a qual, tendo julgado parcialmente procedente a ação, decidiu condenar a Ré, ora Apelante, nos pedidos formulados pelo Autor, nomeadamente: i) Declarar anulado o negócio (contrato de compra e venda de imóvel) celebrado em 12-03-2019, mencionado no ponto 13 dos factos provados; ii) condenar a Ré a restituir ao autor a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), recebida a título de preço; iii) Ordenar o cancelamento na Conservatória do Registro Predial do Porto do registo que incide sobre a fração autónoma designada pelas letras «EL» correspondente a um aparcamento na subcave, com acesso pelo n.º ... da Rua ... e Rua ..., na freguesia ..., concelho do Porto, descrita sobre o número ..., relativo à aquisição pelo autor, feita pela apresentação ... de 2019/03/12.

II) A Recorrente não se conforma com a interpretação, tanto no plano fáctico como de
jure, preconizada pela Sentença recorrida, impetrando por uma análise criteriosa dos factos e do Direito que, seguramente, conduzirá a uma solução diversa da ora sindicada, nomeadamente mediante um juízo que, a final, conduzirá à absolvição da Recorrente.

III) Na sentença recorrida, foi dado como provado no ponto 22 dos factos que o autor/recorrido esteve numa reunião na Câmara Municipal ... tendo verificado que a garagem constava como sendo a “céu aberto” e não coberta.

IV) Salvo o muito e merecido respeito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto dada como provada no ponto 22 da sentença.

V) No que concerne à matéria de facto dada como provada no ponto 22 da sentença, considera a Apelante existir uma má valoração porque, da audição da testemunha CC (ficheiro áudio 20211108160833_15830806_2871555, aos minutos 02.08 a 05.10) , afere-se que o Recorrido, na reunião em que esteve na Câmara Municipal ..., em 20.05.2019, não verificou que a garagem constava como sendo a “céu aberto “e não coberta.

VI) Pelo que, devia decisão recorrida - quanto ao ponto 22 da matéria de facto como provada - dar, ao invés, como não provado, na parte: “não verificou que a garagem constava como sendo a céu aberto e não coberta”

VII) A douta Sentença ora em crise padece, ainda, de uma flagrante fragilidade, qual seja a precipitada subsunção dos factos ao vício da vontade previsto no artigo 251.º, número 1 do Código Civil, sobretudo quando é evidente que não se encontram observados os requisitos de que depende a respectiva aplicação.

VIII) A anulação do negócio em resultado da existência de um vício na formação da vontade, concretamente o erro a que se refere o artigo 251.º, número 1 e 247.º, todos do Código Civil, encontra-se dependente da reunião de dois requisitos axiais: (i) a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o qual incidiu o erro; (ii) o conhecimento, por parte do declaratário, de que o elemento sobre o qual incidiu o erro era essencial para o declarante.

IX) A anulação de um negócio jurídico em virtude da existência de um erro-vício implica a conjugação simultânea de dois elementos, normalmente conhecidos como a essencialidade e a cognoscibilidade do erro.

X) O douto Tribunal a quo fez uma imprecisa e errónea aplicação do instituto do erro- vício ao desconsiderar integralmente o requisito da cognoscibilidade do erro, isto é, a necessidade do declaratário conhecer (ou não dever ignorar) o elemento essencial sobre o qual incidiu o erro do declarante.

XI) Em momento algum, se pode afirmar que a Recorrente conhecia (ou devia conhecer) a essencialidade daquele circunstancialismo, ou seja, que a circunstância de o Recorrido pretender um espaço “fechado” era determinante para a realização do negócio.

XII) A Recorrente nunca teve qualquer contacto com o Recorrido, pois o negócio de
aquisição foi realizado, unicamente, através de uma sociedade de mediação imobiliária;

XIII) A Recorrente nunca acompanhou ou, sequer, esteve presente nas visitas ao imóvel realizados pelo Recorrido;

XIV) A Recorrente adquiriu a garagem no âmbito de um processo de insolvência;

XV) A Recorrente não sabia (e, em rigor, nem sequer podia saber) que o Recorrido tencionava adquirir um espaço “coberto” para guardar os seus automóveis, na medida em que aquela nunca contactou directamente com o Recorrido, não lhe sendo possível imputar o conhecimento de qualquer particular “exigência” imposta ou prevista pelo Recorrido.

XVI) A questão, em concreto, consiste em saber se era exigível que a Recorrente soubesse que aquele concreto elemento - existência de uma garagem “fechada” - era determinante para a formação da vontade de contratar por parte do Recorrido.

XVII) Pelo que a decisão em crise - atendendo ao elenco da matéria de facto dada como provada - subsumiu erradamente a factualidade no instituto do erro-vício, nomeadamente quando é inquestionável que não se encontra preenchido o requisito da (re)cognoscibilidade previsto pela norma dos artigos 247.º e 251.º, todos do Código Civil.

XIII) Considerando as concretas circunstâncias do negócio, é evidente que não se encontram preenchidos os requisitos de que depende o efeito anulatório decorrente de erro-vício, na medida em que a essencialidade do erro não era reconhecida (ou, sequer, reconhecível) por parte da ora Recorrente.

XIX) A Sentença em crise violou, ou fez errada interpretação, das normas, designadamente, dos artigos 247.º e 251.º do Código Civil.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos Provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
- Da Petição Inicial:
1. O autor, no início do ano 2019, começou a procurar uma garagem, individual, fechada e coberta para guardar três carros clássicos e outros objetos.
2. Em fevereiro de 2019, quando pesquisava na internet, encontrou um anúncio de venda de uma garagem coberta e fechada com 90m2 de área, com entrada pela Rua ..., na freguesia ....
3. O autor entrou em contacto com a imobiliária que tinha colocado o anúncio (V...), tendo sido atendido pelo Sr. Eng. DD e agendou uma vista com o mesmo à garagem.
4. Nessa visita, o autor acompanhado pelo seu pai, esteve com o Sr. Eng. DD e o Sr. EE que tinha a chave de acesso à garagem.
5. Foi mostrada a garagem fechada situado no patamar - 2 do edifício que tinha umas escadas que davam
...

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