Acórdão nº 4910/19.3T8LSB-A.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-15

Data de Julgamento15 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão4910/19.3T8LSB-A.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO[1]
P…, com os sinais dos autos, instaurou a execução de que estes embargos são apenso contra A.., também com os sinais dos autos, para pagamento da quantia de €13.000,00, com base em documento particular autenticado, com a designação «confissão de dívida e acordo de pagamento», datado de 23/02/2018.
Alegou o Exequente no requerimento executivo:
i) o Exequente cedeu ao Executado um crédito no valor de €8.000,00 que detinha sobre uma sociedade (L..) cujas quotas o Executado adquiriu ao Exequente e a outros;
ii) por documento particular, confissão de dívida com termo de autenticação, o Executado declarou-se devedor ao Exequente dessa mesma quantia, na qualidade e como empréstimo pessoal;
iii) o Executado comprometeu-se a pagar ao Exequente a quantia mencionada, impreterivelmente, até 30 de agosto de 2018, em seis prestações, mensais e sucessivas, sendo as cinco primeiras prestações cada uma no valor de 1.300,00€ (mil e trezentos euros) e a ultima no valor de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), com vencimento imediato das prestações em caso de não cumprimento pontual do acordado e, bem assim, de € 5.000,00€ a título de cláusula penal;
iv) apesar de interpelado, o Executado nada pagou.
O Embargante fundou a sua oposição à execução, em síntese, como segue:
i) o documento dado à execução não reúne os requisitos impostos por lei para valer como título executivo;
ii) contrariamente ao que consta desse documento, o embargado não lhe emprestou a quantia de €8.000,00, pelo que, estando em causa um contrato sinalagmático, não está obrigado a pagá-la ao embargante;
iii) nunca lhe foi lido ou explicado o teor desse mesmo documento, que lhe foi dado a assinar entre vários outros apenas com a indicação de que era necessário para comprar 30% das quotas da sociedade …, Lda., como pretendia - razão por que argui a falsidade do documento dado à execução, nos termos e para os efeitos do artigo 444.º do CPC, e o impugna, nos termos e para os efeitos do artigo 251.º e 252.º do Código Civil.
Recebidos os embargos, o Embargado contestou-os alegando, em síntese, na parte pertinente a este recurso, que não entregou a quantia a que se refere a declaração de dívida em virtude de o contratado ser, não um mútuo, mas, antes, uma cessão de um crédito de suprimentos que o Embargado detinha sobre uma sociedade cujas quotas foram na totalidade adquiridas pelo Embargante.
Houve audiência final após a qual foi proferida sentença julgando procedentes os embargos e determinando a extinção da execução.
O Embargado interpôs o presente recurso dessa sentença e, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
A. O Tribunal a quo julgou procedentes os embargos porque, no essencial, desconsiderou o contexto em que o documento autenticado dado à execução foi assinado bem como a relação subjacente, reduzindo a matéria a apenas a 4 factos/pontos (3 factos provados e 1 facto não provado) e sustentando toda a decisão num único ponto/facto: ob. cit.: “3. O embargado nunca entregou ao embargante a quantia de €8000,00 referida nas cláusulas 1.ª e 2.ª do documento dado à execução” e (erradamente) estimou isto como suficiente.
B. Resulta de decisão recorrida que a mesma se baseia numa única e errada questão: a entrega, ou não entrega em mão, de 8.000,00€ em numerário ou a existência ou não de uma transferência direta de 8.000,00€ para a conta do embargante, quando a questão dos embargos é saber se, na verdade, houve ou não negócio causal; ou seja, se existe ou não uma relação de fundo que desse origem ao documento dado à execução.
C. Contrariamente à prova produzida em sede de audiência de julgamento, o Tribunal recorrido não considerou que no caso ficou demonstrada a existência de uma relação fundamental (a aquisição de suprimentos no montante de 8.000,00€ por parte do executado) que deu origem à confissão de divida e acordo de pagamento.
D. O negócio que esteve na base do documento dado à execução surge pelo facto de executado/ recorrido querer adquirir a quota e os suprimentos da sociedade H.., LDA., pertença do exequente /apelante.
E. Porém, na altura, o executado/recorrido não tinha dinheiro para pagar os suprimentos.
F. Pretendendo assegurar a saída definitiva da H…, LDA da sociedade L…L, LDA., sem deixar nada pendente, o exequente/recorrente a pedido do executado procedeu ao pagamento dos suprimentos à , LDA., emitiu uma declaração de cedência dos suprimentos no montante de 8.000,00€ que tinha na Sociedade L.., LDA., a favor do executado/recorrido (v. documento anexo ao título dado à execução).
H. E é neste contexto, que o executado/recorrido assinou o documento “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento com termo de autenticação” a favor do exequente/recorrente.
I. Relativamente à decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto, o ora. Apelante não pode conformar-se com o facto dado como provado sob o n.ºs 3, pois no que concerne a este ponto a redação dada pelo Tribunal recorrido, inquinou, logo à partida, a decisão.
J. O Tribunal recorrido ao sanear o processo desconsiderou a matéria factual alegada pelo embargado na sua contestação, que não foi impugnada pelo embargante e foi objeto de prova em audiência de julgamento, nomeadamente, os factos constantes nos artigos 9º, 10.º, 11.º, 24.º e 27.º da contestação aos Embargos que, para além de terem sido discutidos em sede de audiência de julgamento, sobre eles, foi produzida prova.
K. Contrariamente ao referido na motivação da decisão de facto – embora indique como ponto 2 (admitimos tenha sido lapso e seja o ponto 3) o mesmo não foi admitido por acordo, pelo que não se percebe como é que o Tribunal recorrido chegou a essa conclusão.
L. Acresce que este facto 3 de teor conclusivo não se encontra suportado por quaisquer outros factos que deveriam constar da matéria de facto, que como referimos foram desconsiderados.
M. Com efeito, quanto ao concreto ponto 3 da matéria de facto selecionada na sentença, para dar a resposta há que atentar, por um lado à contestação e, por outro, ao depoimento de parte do recorrente/embargado e, com especial destaque ao depoimento das Testemunhas...
N. A prova da existência do negócio que esteve na base do documento dado à execução resulta da prova testemunhal (Veja-se o depoimento da testemunha .., registada em 18/01/2022 – das 15:29:46 às 15:38:02, registado ao minuto (00:03:52 até 00: 08: 03) mulher do embargante, reconheceu a existência da dívida e reconheceu que só não pagou por ter tido dificuldades económicas.
O. A existência da relação fundamental que subjaz ao reconhecimento/confissão de dívida e à avocação da obrigação do seu pagamento (registado no documento dado à execução) foi discutida na audiência de julgamento e a sua existência (a existência da divida na sequencia da aquisição de 8.000€ em suprimentos) matéria dos artigos 9º, 10.º, 11.º, 24.º e 27.º da contestação aos Embargos, ficou amplamente demostrada, encontrando a sua sustentação, não apenas no depoimento de parte, mas principalmente nos depoimentos acima transcritos das testemunhas ….
P. O Tribunal a quo decidiu desconsiderar o crédito do embargado sobre o embargante, desvirtuando o efeito, importância e a razão jurídica que a subscrição de um documento – Título Executivo implica.
Q. A desconsideração da matéria factual alegada pelo embargado, discutida na audiência de julgamento e amplamente provada, é geradora do vício da decisão da matéria de facto(v. art. 662º, nº 2, c), do CPC.)
R. Deve por isso ser dada resposta aos seguintes factos:
O embargado não entregou em mão 8.000,00 € em dinheiro ao embargante?
O embargado não transferiu 8.000,00 € para a conta do embargante?
O embargado pagou à sociedade ..Lda., em substituição do embargante a quantia de 8.000,00€ ?
O embargante adquiriu os suprimentos da sociedade , Lda., no montante de 8.000,00€?
O Embargante se confessou devedor desse montante de 8.000,00€?
O embargante não pagou qualquer quantia ao embargante ou a terceiros por conta dos suprimentos no valor de 8.000,00€?
O Embargado não devolveu os suprimentos no montante de 8.000,00 € à …O embargante se obrigou a pagar esse montante de 8000,00€ ao embargado até agosto de 2018, em prestações, mensais e sucessivas?
S. Sem prejuízo do que se disse quanto à matéria de facto fixada e julgada nos presentes autos, o que releva para efeitos de apreciação dos embargos é a existência ou não da relação substantiva que esteve na base da emissão do título executivo.
T. Com efeito e face a toda a prova produzida (documental e testemunhal que demostram os elementos do negócio que esteve na base do documento, designadamente sobre o fim ou o motivo do mesmo), a decisão do douto Tribunal recorrido só poderia ter sido uma: improcedência da oposição à execução/embargos deduzidos pelo executado, ora recorrido.
U. Só assim não foi porque, no entender do aqui Apelante a sentença enferma de uma errónea interpretação da matéria provada que conduziu a um erro na respetiva fundamentação de direito, acabando numa decisão final, a qual salvo o devido respeito, é injusta.
V. Ao longo da contestação o embargado foi sempre dizendo que pagou pelo embargante o montante de 8.000,00€ e que este recebeu o montante de 8.000,00 em suprimentos, conforme declaração anexa ao título executivo, que nunca foi impugnado pelo embargante, bem como nunca foi impugnado pelo embargante o facto alegado de este ter recebido os 8.000,00€ em suprimentos.
W. No caso, não existiu qualquer confissão na contestação, sendo que a convicção do Tribunal recorrido se baseia numa perceção errada, num simples considerando e num errado juízo de valor que não está minimamente fundamentado, tanto mais que a prova produzida levaria, exatamente, em sentido inverso.
X. Importa ainda esclarecer que o documento intitulado “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”,
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