Acórdão nº 49/21.0JAEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23-04-2024
Data de Julgamento | 23 Abril 2024 |
Número Acordão | 49/21.0JAEVR.E1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
a) No º Juízo (1) Central Civil e Criminal de …, procedeu-se a julgamento em processo comum e competência do tribunal coletivo de
AA, nascido a … de … de 2003, com os demais sinais dos autos, aos quais se imputou, a autoria de:
- Seis crimes de pornografia de menores agravados, previstos nos artigos 176.º, § 1.º, als c) e d), e § 8.º, e 177.º, § 1.º, al. c) e § 7.º, do Código Penal (CP);
- Seis crimes de abuso sexual de crianças, previstos nos artigos 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido BB);
- Três crimes de abuso sexual de crianças, previstos no artigo 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido CC);
- Um crime de aliciamento para fins sexuais, previsto no artigo 176.º- A, § 1.º CP (sendo ofendido DD);
- Um crime de abuso sexual de crianças, previsto no artigo 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido EE);
- Um crime de importunação sexual, previsto nos artigos 170.º e 178.º, § 1.º CP (sendo ofendido EE);
- Um crime de aliciamento para fins sexuais, previsto no artigo 176.º- A, § 1.º CP (sendo ofendido FF);
- Dois crimes de importunação sexual, previstos nos artigos 170.º e 178.º, § 1.º CP (sendo ofendido GG);
- Trinta e dois crimes de importunação sexual, previstos nos artigos 170.º e 178.º, § 1.º CP 8sendo ofendido HH);
- Dois crimes de importunação sexual, previstos nos artigos 170.º e 178.º, § 1.º CP (sendo ofendido II);
- Três crimes de abuso sexual de crianças, previstos no artigo 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido JJ);
- Cinco crimes de abuso sexual de crianças, previstos no artigo 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido KK);
- Dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos no artigo 171.º, § 3.º, als a) e b) CP (sendo ofendido LL).
No decurso da audiência foi comunicada ao arguido, a possibilidade de alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, nomeadamente quanto à eventual aplicação da pena acessória prevista no § 2.º do artigo 69.º-B do CP. Nada tendo requerido.
Foram também comunicados ao arguido novos factos que podendo consubstanciar uma alteração substancial dos factos, em face do objeto do processo delimitado pela acusação, suscetíveis aqueles de integrarem a prática, pelo mesmo, em autoria material e na forma consumada, de dois outros crimes de pornografia de menores agravados, previstos nos artigos 176.º, § 1.º, al. b), § 8.º e 177.º, § 1.º, al. c) e § 7.º CP.
Neste conspecto, no âmbito do incidente previsto no artigo 359.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido declarou opor-se a tais alterações, pelo que tais factos não passaram a integrar o objeto do presente processo, tendo-se feito a comunicação ao Ministério Público, para as finalidades previstas no § 2.º do artigo 359.º CPP.
A final, o Tribunal coletivo proferiu acórdão, no qual, requalificando juridicamente os factos narrados na acusação, veio a condenar o arguido pela prática dos seguintes crimes e nas respetivas penas:
- um crime de pornografia de menores agravado, previsto no artigo 176.º, § 1.º, al. c), § 8.º e 177.º, § 1.º, al. c) e § 7.º CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- um crime de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de BB, na pena de 7 meses de prisão;
- três crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de BB, na pena 8 meses de prisão por cada um deles;
- três crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de CC, na pena de 9 meses de prisão por cada um deles;
- um crime de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de EE, na pena de 7 meses de prisão;
- três crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de JJ, na pena de 9 meses de prisão por cada um deles;
- um crime de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de KK, na pena de 10 meses de prisão;
- quatro crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de KK, na pena 11 meses de prisão por cada um deles;
- dois crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º, § 3, al. c) CP), na pessoa de LL, na pena de 5 meses de prisão por cada um deles.
Operando o cúmulo jurídico (artigo 77.º CP), condenou o arguido na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.
Mais o condenando na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no artigo 69.º-B, § 2.º CP, pelo período de 10 anos.
E arbitrou oficiosamente, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A CPP, em conexão com o artigo 16.º, § 1.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de dezembro, as seguintes indemnizações, condenando o arguido a pagá-las, respetivamente de:
- 1 500€ a favor de BB;
- 1 200€ a favor de CC;
- 1 000€ a EE;
- 1 200€ a favor de JJ;
- 2 500€ a favor de KK;
- 1 100€ a favor de LL.
b) Inconformado com esta decisão, dela recorre o arguido, finalizando a motivação do seu recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O Acórdão recorrido deu como provado que o recorrente tinha na pasta enviados do WhatsApp, no seu disco externo, ficheiros de vídeo com dois menores a manipularem o pénis, materiais a que alude a al. b), do art.º 176.º do Cód. Penal e que por estarem os vídeos na pasta “sent” os teria necessariamente e de modo intencional enviado a terceiros, bem sabendo que os vídeos diziam respeito a KK e a outro menor na mesma faixa etária que o primeiro.
2. Mal andou o Tribunal recorrido, na formação da sua convicção assente em suposições, uma vez que resolveu interpretar literalmente a drive onde os ficheiros de vídeo se encontravam no disco externo do recorrente, não tendo tido a preocupação ou o interesse em descobrir a verdade material dos factos, contentando-se com a aplicação das regras da experiência comum, sempre balizada por deduções e induções da prova produzida.
3. O tribunal a quo não considerou assim as declarações do recorrente (Sessão 2023-10-30_14-32-43 do minuto 00.11 ao minuto 00.13 e Sessão 2023-10-30_14-32-58 do minuto 00.00 ao minuto 04.00), que de forma séria e credível, demonstrou que por o seu telemóvel se ter avariado, resolveu passar todas as suas informações, fotos, vídeos e ficheiros para o disco externo, para além de ter esclarecido (Sessão 2023-10-30_14-32-58 do minuto 04.00 ao minuto 05.49) que pertencia a um grupo de WhatsApp onde se enviavam ficheiros, admitindo que, muitas vezes, receberia conteúdos que nem visualizava ou via.
4. Como bem refere o Ac. do TRE de 23.06.2020 “ (…)o arguido ao ser membro de um grupo de conservação do WhatsApp, não tem qualquer controlo sobre o número de ficheiros transitados e, por defeito da aplicação, são automaticamente, guardados no seu equipamento;(…)”.
5. O recorrente admitido de modo voluntario a posse dos mesmos, posse que não está em causa no tipo legal do crime, mas sim a sua divulgação ou partilha, a qual não se encontra minimamente provada, e por isso mal andou o Tribunal a quo que, na ânsia de encontrar fundamentos para poder condenar o recorrente, não quis aprofundar a questão, nem quis admitir que quando uma pessoa recebe uma foto ou vídeo por WhatsApp, o mesmo é guardado automaticamente nesse mesmo telemóvel, que é de facto o que acontece e resulta da experiência comum, que é tida em conta para umas situações e olvidada para outras.
6. Não se entendem os motivos que levaram o Tribunal recorrido a formar a sua convicção pelo facto dos vídeos se encontrarem na pasta denominada “partilha”, sendo certo que existiu, para esse facto, explicação plausível para tal, até por que o facto de, no caso concreto, os vídeos em questão se encontrarem na pasta “sent”, mais uma vez se refere que tal não prova a intenção do envio dos mesmos a quem quer que seja.
7. E se se concluísse que os mesmo tivessem sido partilhados, o que não foi o caso, teria de se saber com quem tinham sido partilhados, pois tivessem sido partilhados com o próprio KK que seria o menor presente nesse vídeo, tal teria de ser excluído do tipo legal de crime, pois que a sua própria essência afasta a cedência ou exibição com quem tenha participado na produção desse vídeo e por isso, teria sempre que se aplicar o princípio do in dúbio pro reo e absolver-se o recorrente da condenação deste crime de pornografia infantil, por dúvida razoável.
8. Existe uma clara contradição no acórdão recorrido, pois não resultou provado que, apresar de o arguido ter recebido, guardado e enviado ficheiros de vídeo através da aplicação Whatsapp, tivesse mantido na sua posse os mesmos ficheiros com o propósito específico de os vir distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder (al. d), do n.º 1 do art.º 176.º do Cód. Penal.) e, posteriormente, ter decidido condená-lo nos termos da al. c), do n.º 1 do art.º 176.º do Cód. Penal. Não se entende como é que o Tribunal recorrido não considera provado essa vontade específica do recorrente em distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder e depois vem condená-lo pelo facto de considerar que este produziu, distribuiu, importou, exportou, divulgou, exibiu ou cedeu os ficheiros de vídeo.
9. Afinal, o recorrente estava na posse dos vídeos com o objetivo e intenção de os ceder e exibir ou não? Ou estamos perante uma partilha ou cedência dos vídeos, ou estamos perante uma detenção dos mesmos, sendo a cedência mais grave que a detenção, acabando esta sempre por ser absorvida por aquela, cfr. Ac. do TRE de 23.06.2020.
10. Estamos perante uma evidente falta de prova e apenas perante uma mera conclusão do tribunal a quo; assim e perante tal falta de prova inequívoca e irrefutável, nunca poderíamos estar perante o crime previsto na al. c) do nº 1 do artº 171, n.º 8 e art.º 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do Cód. Penal, antes sim com o nº 5 do artº 176, do referido Cód. Penal, havendo pois uma contradição insanável entre a fundamentação e a...
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