Acórdão nº 4890/22.8T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04-01-2023
Data de Julgamento | 04 Janeiro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 4890/22.8T8BRG-A.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Decisão Sumária [1]
Relator: José Fernando Cardoso Amaral
I. RELATÓRIO [2]
AA apresentou, em 22-11-2022, no processo nº 4890/22...., do Tribunal de Família e Menores ... – Juiz ..., onde foi, na acção ali pendente, por sentença de 26-09-2022, decretada a dissolução, por divórcio convertido em consensual, do seu casamento com BB, requerimento, autuado por apenso àquele, alegando que existem bens comuns do ex-casal e requerendo o respectivo inventário e partilha.
Sobre ele, foi proferido, em 24 imediato, o seguinte despacho:
“Os presentes autos de inventário foram instaurados por apenso ao processo de divórcio.
No entanto, não existe norma expressa que determine tal apensação (o antigo artigo 1404º, nº 3 do CPCivil não tem correspondência no atual diploma legal e não se vislumbra qualquer razão para distinguir o processo de inventário que corre termos no Tribunal do processo de inventário que corre termos no Cartório Notarial) pelo que determino a remessa dos presentes autos à distribuição.
Notifique.”.
Tempestivamente, apelou a requerente para esta Relação, batendo-se por que tal decisão seja revogada e determinado que a tramitação do inventário corra por apenso ao processo de divórcio, apresentando como conclusões um texto que mais não é do que copy past do das alegações e que, no mais, nem se transcreve, por inútil e revel ao disposto no nº 1, do artº 639º, CPC, bastando as nºs I e XIX para se compreender a síntese da respectiva pretensão e fundamentos que delimitam o objecto ou thema decidendum:
“I. O presente recurso restringe-se à reapreciação da questão de saber se os presentes autos de inventário, de competência exclusiva, devem correr por apenso ao processo principal de divórcio, ao contrário do entendimento da douta decisão sub judice, a qual determinou a desapensação e ordenou remessa do inventário à distribuição.
[…]
XIX. Face ao exposto, concluímos que processo de inventário deverá ser autuado e tramitado por apenso ao processo principal de divórcio, nos termos dos arts. 206.º, n.º 2, 1133.º ambos do Código de Processo Civil e 122.º, n.º 2 da LOSJ.” [[3]]
Foi o recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Nada obsta ao seu conhecimento, o que vai fazer-se singular e sumariamente, nos termos dos artºs 652º, nº 1, alínea c), e 656º, CPC, dada a simplicidade e pacificidade da questão.
II. QUESTÕES A RESOLVER
O processo de inventário para partilha de bens comuns do ex-casal, requerido subsequentemente ao divórcio respectivo decretado em processo judicial, deve ser autuado e tramitado por apenso a este (tese da recorrente) ou distribuído (tese do Tribunal a quo)?
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Relevam os factos supra relatados.
IV. APRECIAÇÃO
É verdade que, uma vez revogado, pela Lei nº 29/2009, de 29 de Junho, o artº 1404º, do CPC – em cujo nº 3, com a clareza e a precisão que cada vez mais falha ao legislador, se estabelecia que o inventário consequente a divórcio corria por apenso ao processo respectivo –, inexiste, agora, norma reguladora expressa que lhe corresponda. [[4]]
Isso não quer dizer, porém, que solução diversa tenha sido cogitada e decidida pelo legislador, que no sistema se haja optado por outra e que tenham desaparecido as razões justificativas da primitiva.
Na versão, actual na matéria, do Código de Processo Civil, a introduzida pela Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro, continua estabelecido que o inventário cumpre a função de partilhar os bens comuns do casal – alínea d), do novo artº 1082º.
Com efeito, decretado o divórcio, qualquer dos cônjuges pode requerer o inventário para partilha dos bens comuns – artº 1133º, nº 1.
Determinou-se que o processo é da competência exclusiva dos tribunais judiciais, designadamente sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial, nos demais casos, podendo ser escolhidos o foro judicial ou o cartório notarial – artº 1083º, nºs 1, alínea b), e 2.
Até nos casos especiais de separação (penhora de bens comuns do casal ou insolvência de um dos seus membros), em que manda aplicar-se – artº 1135º, nº 1 – o regime do processo de inventário consequente a divórcio, nada se regula quanto à apensação ou distribuição do processo, como sucede no artº 1133º.
Ora, o processo de inventário destinado a partilhar os bens do património comum do casal dissolvido serve de instrumento adjectivo para concretizar ou executar, em última análise, um efeito da decisão judicial que decretou o divórcio – artºs 1688º e 1788º, do CC. É nesta que radica a causa ou fundamento jurídicos do direito a partilhá-los.
Embora tendo-se quebrado a ligação familiar entre os cônjuges, na partilha dos bens que constituíam o património comum e que por ambos eram titulados em comunhão, subsistem ainda, dada a particular origem, natureza e função dos mesmos e a não desprezível nem de todo inconsequente e perdida relação que uniu ambos os interessados, alguns revérberos conotáveis, de facto e de direito, com os laços próprios daquela.
No processo de separação por mútuo consentimento, aliás, deve o requerimento inicial ser instruído com a relação especificada dos bens comuns – artº 994º, nº 1, alínea b).
De resto, basta pensar nas especificidades da partilha consideradas no regime dos artºs 1689º, 1697º, 1790º e 1791º, bem como o peso que questões como as da reparação por danos, da utilização da casa de morada de família, dos alimentos entre cônjuges e da regulamentação do poder paternal e da prestação de alimentos aos filhos, previstas nos artºs 1792º, 1793º, 1905º, e 2016º, todos do CC, podem ter na composição do litígio, maxime na divisão e na composição dos quinhões.
Não admira, pois, que, subjacente à regra de competência vertida no artº 122º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, atinentes à relação conjugal e ao divórcio, e à sua extensão prevista no nº 2, estejam subjacentes tais interesses e, portanto, que implicitamente nos mesmos se tenha pressuposto a conveniência na conexão de processos.
Neste, com efeito, se estabelece que “As secções de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em...
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