Acórdão nº 4878/22.9T8VNG-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 08-05-2023

Data de Julgamento08 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão4878/22.9T8VNG-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 4878/22.9T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Juízo Local Cível, Juiz 3
Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
2ª Adjunta Desª. Eugénia Marinho da Cunha
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

Construções A... Unipessoal, Ldª intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (i) Condomínio ..., ..., em ..., ... Vila Nova de Gaia, (ii) AA e esposa BB, residentes na Travessa ..., em ..., ... Vila Nova de Gaia, (iii) CC, solteira, maior, residente na Travessa ..., em ..., ... Vila Nova de Gaia, (iv) Arrendamento Mais-FIAAH (Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional) e (v) B...-Gestão de Condomínios, Ldª,
concluindo pedindo:
a) seja declarada a nulidade da assembleia de condóminos de 22 de abril de 2021 e de 19 de outubro de 2021 e respetivas atas e as deliberações constantes das mesmas;
b) seja declarada a nulidade da assembleia de condóminos de 19 de abril de 2022 e respetiva ata nº 4 e as deliberações constantes da mesma, por violação dos arts. 1430º, 1431º e 1432º do Cód. Civil;
c) seja declarada a nulidade da assembleia de condóminos de 19 de abril de 2022 e respetiva ata nº 4 e as deliberações constantes da mesma, por violação dos princípios da igualdade e informação;
Mas mesmo que assim não se entenda deverá então
d) serem declaradas nulas as deliberações dos pontos 5 e 6 constantes da ata assembleia geral de 19 de abril de 2022 e respetiva ata (nº4), por violação da lei, da ordem pública e dos bons costumes, declarando-se que atuam em abuso de direito;
e) se assim Vª Exª não o entender, deverá então serem consideradas anuláveis e ineficazes as deliberações dos pontos 5 e 6 constantes da ata assembleia geral de 19 de abril de 2022 e respetiva ata (nº4), por violação da força obrigatória da decisão judicial e do artigo 619º do CPC;
Cumulativamente e sempre com quaisquer dos pedidos supra indicados deve também
f) ser declarada nula a eleição para administradora de condomínio da ora 3ª Ré, devendo esta restituir ao condomínio o acesso às contas bancárias e todos os documentos propriedade do condomínio, nomeadamente livros de atas e livros de recibos, e tudo quanto seja propriedade do condomínio e esteja em posse daquela.
Citados os réus apresentaram contestação, na qual, para além do mais, se defenderam por exceção, invocando carecerem os réus AA, BB, CC, Arrendamento Mais-FIAAH e B..., Ldª. de legitimidade passiva para a lide, advogando ainda que caducou o direito da autora propor a ação de anulação das deliberações tomadas nas assembleias de condóminos realizadas em 22 de abril e de 19 de outubro do ano de 2021.
Respondeu a autora pugnando pela improcedência das suscitadas exceções.
Foi, então, proferido despacho saneador que julgou procedentes a invocada exceção dilatória da ilegitimidade passiva dos réus AA, BB, CC, Arrendamento Mais-FIAAH e B..., Ldª e a exceção da caducidade do direito da autora propor a ação de anulação das deliberações da assembleia de condóminos que teve lugar em 22 de abril de 2021.
Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

A) Vem o presente recurso interposto da douta decisão da Mma Juiz a quo, que julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade e absolveu da instância os Réus AA e esposa BB; CC; Arrendamento Mais-FIAAH; e B...-Gestão de Condomínios, Lda., por omissão de pronúncia sobre os pedidos formulado pela Autora, pela preterição de formalidades legais e por estarmos perante nulidade do despacho saneador sentença por violação da lei.
B) O douto tribunal a quo decidiu mal ao determinar a absolvição da instância por ilegitimidade passiva dos Réus.
C) O entendimento do douto tribunal a quo sobre aquela que é a natureza de uma deliberação no contexto de um condomínio, nomeadamente que a mesma “é a vontade do condomínio e não a vontade de cada um dos condóminos” é errada, estreita e reducionista e não tem respaldo na realidade factice.
D) Em oposição ao entendimento do douto tribunal a quo sobre aquela que é a natureza de uma deliberação, entende a Autora que a mesma deve ser caracterizada tendo em conta todas as suas propriedades - o que inclui, naturalmente, os condóminos – pelo que, ao invés de ser entendida como uma realidade “além-condóminos”, deve ser vista como “uma vontade colectiva emergente das vontades singulares que para ela contribuíram, configurando-se com uma dimensão e um sentido autónomo e que, na sua interpretação e compreensão intelectual, deve ser assumida como uma realidade participada” - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 42/16.4 T8VLN.G1, (…)”.
E) Além da errada noção de deliberação, também andou mal o douto tribunal a quo ao expressar o entendimento de que no artigo 12º do CPC- a personalidade judiciária ao condomínio” e que, nessa medida “[o] condomínio é a parte, legítima, assumindo o administrador o papel de representante (…)”.
F) Este entendimento é errado e colide directamente com a própria letra da lei que, na al. e) do art.º 12.º do CPC, de maneira muito clara e sem qualquer tipo de ambiguidade, dispõe que tem personalidade judiciária “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
G) Nesta medida, parece que o douto tribunal a quo confunde personalidade judiciária com capacidade judiciária, pois que não atentou com atenção o disposto na al. e) do art.º 12.º do CPC, que literalmente refere que pese embora seja atribuída legitimidade processual ao condomínio, existem casos – como o presente – em que lhe falta capacidade processual, ou seja, falta-lhe a susceptibilidade de estar, pessoal e livremente em juízo – razão pela qual a legitimidade processual passiva recai sobre os condóminos em litisconsórcio com o condomínio.
H) Andou mal também o douto tribunal a quo ao não ter sequer aplicado o disposto no art.º 30.º do CPC, que é a norma que versa especificamente sobre legitimidade processual e que dispõe que é considerada parte legítima quem, do lado activo, “tem interesse directo em demandar” e, do lado passivo, “tem interesse directo em contradizer”, sendo que nos termos do seu n.º 2 “o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”.
I) E se tivesse aplicado a referida norma certamente que a decisão do Douto Tribunal a quo seria diferente, pois que nunca se poderia defender que quem tem interesse directo em contradizer é o condomínio, uma vez que o que subjaz à acção de impugnação de deliberação de condomínio é, de um lado, um ou vários condóminos que pretendem destruir uma deliberação e, do outro lado, outros condóminos que pretendem que a deliberação se mantenha, em consonância com as suas vontades, pelo que, sendo pretensão dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que a mesma permaneça na ordem jurídica, óbvio é que são eles que têm o interesse directo em contradizer, e não o condomínio que até pode ter um interesse em não contradizer, o que choca directamente com as referidas normas previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 30.º do CPC.
J) Andou mal porque bastou-se a concluir que o referido n.º 6 do art.º 1433.º do CC teria de ser interpretado actualisticamente, mas não se dignou a apresentar as justificações e fundamentos que suportam tal tomada de posição, não sendo de todo autoevidente que tal norma requer uma interpretação actualista, pelo que, não tendo o douto tribunal a quo cumprido com o dever de fundamentação é a sentença nula nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC;.
K) Além da ausência de fundamentação, andou também mal o douto tribunal a quo ao aplicar a referida teoria actualista, já que esta é uma teoria inválida, não só por ser desnecessária à luz do nosso regime jurídico que já é completo e coerente, mas também por se encontrar enfermada por duas falácias argumentativas graves que inquinam a lógica que lhe subjaz.
L) Uma interpretação actualista do n.º 6 do art.º 1433.º do CC é inútil e desnecessária, já que da conjugação do n.º 6 do art.º 1433.º do CC, da al. e) do art.º 12.º do CPC e do o n.º 2 do art.º 1437.º do CC, resulta um regime jurídico coerente, que delimita sem qualquer sobreposição, nem necessidade de interpretações aliterais, as dimensões em que o condomínio tem legitimidade processual passiva e aquelas em que, contrariamente, é aos próprios condóminos que tal legitimidade assiste.
M) No acórdão do TRL proferido no processo 27383/19.6T8LSB.L1-8, em 23.04.2020: “1- A acção de impugnação da(s) deliberação(s) tomada(s) em Assembleia de Condóminos, deve ser intentada contra todos os condóminos que nela participaram e que votaram favoravelmente a deliberação(s). (…)”; - acórdão do TRL proferido no processo nº 9441.17.3T8LSB.L1-2 em 11.07.2019
N) O Supremo Tribunal de Justiça no recurso excepcional de revista por contradição de julgados entre acórdãos das Relações do Porto e de Guimarães, tendo decidido que (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 22/11.6TBEPS.S1.G1 - 1.ª Secção, in Boletim Anual – 2014 – Assessoria Cível - Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Cíveis, páginas 478 e 479, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarioscivel-2014.pdf), já decidiu o dissenso entre as Relações e determinado que nas acções de impugnação de deliberação de condomínio é aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que assiste a legitimidade processual passiva,
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