Acórdão nº 486/22.2T8STS-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-05-22

Ano2023
Número Acordão486/22.2T8STS-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Habilitação-Sócio-486/22.2T8STS-B.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
No presente incidente de habilitação instaurado ao abrigo do art. 351º/3 CPC, por extinção de sociedade, em que figuram como:
- REQUERENTE: AA, residente na Rua ..., ... – 2.º B, ... Maia; e
- REQUERIDOS: A..., LDA; e
B... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., peticiona o requerente a sua habilitação na qualidade de sócio da A..., LDA, assumindo a posição processual da mesma nos autos principais.
Alegou para o efeito que a 1.ª Ré encontra-se extinta desde 28/08/2018, de acordo com a decisão proferida no âmbito do procedimento administrativo oficioso de liquidação n.º ..., conforme melhor resulta da AP. ... da certidão permanente junta aos autos.
Por douto despacho proferido em sede de audiência de julgamento, após a junção oficiosa da certidão permanente da 1.ª Ré, o Mmº. Juiz decretou a suspensão da instância, em virtude da extinção da mesma, uma vez que não possui personalidade jurídica e judiciária.
Com o registo do encerramento da liquidação obtém-se a efetiva extinção da
personalidade coletiva, porque durante todo o demais processo conducente à liquidação, a sociedade mantém a sua personalidade jurídica, constituindo uma realidade jurídica distinta dos seus sócios.
Registado o encerramento da liquidação da sociedade, nos termos do n.º2 do art. 160.º do CSC, esta deixa de ter personalidade jurídica e, em consequência, não pode ser parte em processo judicial (art. 11.º do CPC).
Mais alegou que aquando da outorga do mandato forense, o mandatário do requerente, que figura na ação como mandatário da sociedade extinta desconhecia o encerramento da liquidação da 1.ª Ré, motivo pelo qual o referido mandato, bem como a ação declarativa, foi instaurada em nome da 1.ª Ré, mas enquanto entidade em liquidação, já que, durante todo o processo de liquidação, a sociedade mantém a sua personalidade jurídica e, em consequência, personalidade judiciária.
Além do mais, aquando do referido evento danoso discutido nos autos principais, a 1.ª Ré ainda se encontrava em atividade, pelo que a propriedade da viatura estava registada em seu nome. E, nesse sentido, a queixa-crime foi apresentada pela 1.ª Ré, bem como a reabertura do inquérito foi requerida por aquela, uma vez que a mesma, enquanto proprietária da viatura, é quem teria interesse e legitimidade para agir.
Os autos principais foram instaurados por quem, na aparência formal do registo de propriedade, teria legitimidade ativa para o efeito.
O mandatário do requerente conseguiu apurar junto do constituinte, a referida sociedade ainda se encontrava em processo de liquidação, pelo que a ação declarativa teria que ser instaurada em seu nome.
A extinção da pessoa coletiva, através do seu encerramento, a mesma deixa de dispor de personalidade jurídica e judiciária. Contudo, tal não determina a consequente extinção do direito de crédito de que a 1.ª Ré se arroga. A consequência da extinção da sociedade é que a superveniência do reconhecimento desse crédito determina a constatação de que existe um ativo dessa pessoa coletiva societária extinta, que não foi objeto de liquidação e partilha. A liquidação deveria ser o último ato relevante da vida duma sociedade, que culmina com o seu encerramento.
Na prática, a liquidação consiste no apuramento da situação patrimonial da sociedade dissolvida, o que pressupõe a realização dos ativos e a satisfação do passivo e determinação do destino a dar ao saldo líquido. Com efeito, a liquidação da 1.ª Ré foi feita no pressuposto da inexistência de ativos ou passivos a partilhar, até porque, àquela data, ainda não tinham sido instaurados os autos principais, existindo tão-só o processo-crime, que se encontrava em fase de inquérito, o qual se revelou infrutífero.
Desse modo, a sociedade foi dissolvida, liquidada e encerrada, quando ainda não tinham sido instaurados os presentes autos.
Alegou, ainda, que no caso concreto estamos no domínio das posições jurídicas ativas, relativas ao exercício do direito de ação, por referência a um direito de crédito que não foi obviamente sujeito a partilha entre os sócios da sociedade, no quadro da sua liquidação. Trata-se de um direito de crédito superveniente ao encerramento da liquidação e extinção da sociedade, previsto no art. 164.º do CSC e, sendo certo que o n.º1 desse preceito estabelece que, se se verificar a existência de bens não partilhados, competirá
aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios.
Os presentes autos não dizem respeito a um processo de partilha, mas sim ao exercício do direito de ação, pretendendo o reconhecimento judicial do direito de crédito de que se arroga a 1.ª Ré. Considera que atendendo ao estipulado pelo art. 164.º do CSC, os presentes autos devem ser instaurados pelos próprios sócios, a título individual, porquanto a sociedade, enquanto extinta, não tem personalidade judiciária.
A 1.ª Ré, Autora nos autos principais, já não é titular de qualquer interesse, sendo claro que o que é pretendido pelo ora Requerente é substituir-se na posição de Autor a uma entidade que deixou de ter existência jurídica, por ser aos sócios que a lei atribui legitimidade ativa para instaurar os presentes autos, não em substituição da sociedade extinta, mas por direito próprio, por serem as únicas pessoas jurídicas a quem assiste o poder de reclamar o crédito (art. 30.º do CPC conjugado com o art. 164.º, n.º2 do CSC).
Considera, ainda, que atendendo ao estatuído aos seus n.º2 e 3 do mencionado preceito, o suprimento da legitimidade ativa deverá operar-se pelo incidente de habilitação previsto pelo art. 351.º do CPC, uma vez que o mesmo permite o efeito jurídico-processual de substituição subjetiva de uma parte por outra, que assumirá no processo o seu lugar.
Atendendo que o mandatário teve conhecimento da extinção da aqui 1.ª Ré posteriormente à instauração dos autos principais, será de aplicar o preceituado ao art. 351.º, n.º3 do CPC.
Acrescenta que a substituição da Autora não passa pela aplicação das regras de direito sucessório, mas pelas regras de “sucessão ex lege” dos créditos de sociedades extintas para os respetivos sócios. As razões de economia processual que justificam a possibilidade de aproveitamento do processado através da solução prevista no Art. 351.º n.º 3 do C.P.C., devem considerar-se extensivas ao caso da extinção das pessoas coletivas, atento o paralelismo com que a lei trata o caso do falecimento das partes e a extinção das pessoas coletivas (Art. 269.º n.º 1 al. a) e 270.º do C.P.C.).
Termina, por considerar que o incidente adequado a esse efeito é claramente o incidente de habilitação, porque a situação é em tudo semelhante à prevista no Art. 351.º n.º 3 do C.P.C, prosseguindo a ação em substituição da autora pelo único sócio, previamente à dissolução, o aqui requerente.
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Proferiu-se despacho liminar com a decisão que se transcreve:
“Pelo supra exposto, indefere-se liminarmente o requerido.
Custas imputadas ao Requerente”.
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O requerente veio interpor recurso do despacho.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
1.- Afigura-se ao Recorrente que a decisão recorrida está em desconformidade com
uma boa decisão de Direito, como adiante se demonstrará.
QUESTÃO PRÉVIA:
2.- Após ter sido proferida sentença no presente incidente, o Tribunal a quo, de imediato, proferiu decisão de mérito nos autos principais, absolvendo a Seguradora Ré da instância, por falta de personalidade jurídica e judiciária da Sociedade Autora, a qual se encontra extinta.
3.- Ora, tendo sido proferida sentença no presente incidente, a qual indeferiu liminarmente o mesmo, sempre o Julgador a quo deveria ter aguardado pelo trânsito em julgado da mesma para, posteriormente, se debruçar sobre o mérito dos autos principais.
4.- Atendendo ao disposto nos arts. 269.º, n.º1, alínea a) e 276.º, n.º1, alínea a), CPC, a cessação da suspensão da instância apenas ocorre verificado o trânsito em julgado da sentença proferida no incidente processado por apenso.
5.- Motivo pelo qual, tal sentença proferida nos autos principais é intempestiva, não podendo a mesma produzir qualquer efeito jurídico, enquanto a decisão proferida neste incidente não se achar cristalizada, até mesmo por questões de segurança e certeza jurídica.
6.- O que deverá ser decretado por Venerando Tribunal da Relação, o que se requer.
Isto dito,
DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO:
7.- Entendeu o Tribunal a quo que o ora Recorrente não poderia ser habilitado no lugar da Autora Sociedade e, dessa feita, prosseguir na sua posição com a lide, porquanto o direito de crédito discutido nos autos principais não respeita a um ativo superveniente, não se aplicando os normativos previstos aos arts. 162.º e 164.º do CSC.
8.- Salvo o devido respeito por melhor opinião, tal decisão enferma em erro, violando os referidos preceitos legais.
Vejamos,
9.- É evidente que, com a extinção da pessoa coletiva, através do seu encerramento, a mesma deixa de dispor de personalidade jurídica e judiciária. Contudo, tal não determina a consequente extinção do direito de crédito de que a Sociedade Autora se arroga.
10.- A consequência da extinção da sociedade é que a superveniência do reconhecimento desse crédito determina a constatação de que existe um ativo dessa pessoa coletiva societária extinta, que não foi objeto de liquidação e partilha.
11.- No caso em apreço, estamos no domínio das posições jurídicas ativas, relativas ao exercício do direito de ação, por referência a um direito de crédito que não foi obviamente sujeito a partilha entre os sócios da sociedade, no quadro da sua liquidação.
12.- Estamos, assim, perante um direito de crédito superveniente ao encerramento da liquidação e extinção da sociedade.
13.- Tal
...

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