Acórdão nº 4855/22.0T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-20

Data de Julgamento20 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão4855/22.0T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 4855/22.0T8PRT.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Alexandra Pelayo
Ana Lucinda Cabral

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Apelante (ré): AA.

Apelados (autores): BB e CC (representados, em razão da menoridade, pelos progenitores, DD e EE).

Juízo local cível do Porto (lugar de provimento de Juiz 8) - T. J. da Comarca do Porto.


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Invocando serem os actuais plenos proprietários de fracções autónomas dadas de arrendamento à ré, em 2006, pelo então usufrutuário delas, e alegando factos tendentes a demonstrar terem-se oposto à renovação do contrato em vista da sua cessação com efeitos para 30/07/2020 e, bem assim, a falta de pagamento das rendas correspondentes aos meses de Janeiro de 2019 e seguintes, afirmando estar em dívida, a esse título, à data da propositura da acção (Julho de 2020), a quantia de 14.250,00€, pediram os autores a condenação da ré:

a) a entregar-lhes as fracções dadas de arrendamento, livres de pessoas e bens e no estado de conservação em que as recebeu,

b) a pagar-lhes a quantia de 14.250,00€ (catorze mil, duzentos e cinquenta euros), a título de rendas vencidas correspondentes aos meses de Janeiro de 2019 a Julho de 2020,

c) a pagar-lhes a quantia mensal de 750,00€, a título de indemnização pelo uso e ocupação da coisa locada, desde a data da cessação do contrato até efectiva entrega, o que, até à presente data, perfaz o montante de 27.000,00€, por força da aplicação do n.º 2 do art. 1045.º do Cód. Civil,

d) a pagar-lhes, a título de sanção pecuniária compulsória, da quantia de 100,00€ por cada dia de atraso na entrega do local arrendando.

Contestou a ré, concluindo pela improcedência da acção, invocando, na síntese que releva, que contra o pagamento das rendas que fazia (pagamento em dinheiro, por exigência da representante dos senhorios) nunca foi emitido qualquer recibo de renda, apesar de solicitado por si (artigos 13º, 14º e 24º da contestação) e, bem assim, serem ineficazes as comunicações que lhe foram enviadas para operar a oposição à renovação do contrato, pois além de não respeitarem a antecedência legalmente prevista, foram enviadas por quem não tinha a qualidade/posição de senhorio.

Observada a legal tramitação, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência:

- considerou extinto o contrato de arrendamento e condenou a ré a entregar aos autores as fracções dele objecto, livres de pessoas e bens, e no estado de conservação em que as recebera,

- condenou a ré a pagar aos autores a quantia de 14.250,00€ (catorze mil, duzentos e cinquenta euros), a título de rendas vencidas correspondentes aos meses de Janeiro de 2019 a Julho de 2020 e a quantia mensal de 750,00€ pelo ‘uso e ocupação da coisa locada desde a data da cessação do contrato - ocorrida em 30.07.2020 -, sendo essa quantia elevada ao dobro a partir da data da notificação’ da sentença e ‘até efectiva desocupação do locado, nos termos do n.º 2 do art. 1045.º do Cód. Civil’.

Inconformada, apelou a ré, pretendendo a revogação da sentença e sua substituição por outra que julgue a acção improcedente, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª- A sentença recorrida decretou o despejo da ora recorrente, julgando extinto o contrato de arrendamento «por via da oposição à sua renovação»; paralelamente, condenou-a a pagar o montante das rendas de Janeiro de 2019 a Julho de 2020 e, também, a quantia mensal correspondente à renda desde a data em que considerou cessado o contrato, 2020.07.30, elevada para o dobro a partir da data da notificação da sentença.

2ª- Principiando-se por analisar a questão da alegada falta de pagamento das rendas, sobressai que o contrato de arrendamento em causa tem a característica de, apesar da respectiva duração, jamais ter sido emitido um único recibo de rendas – fosse quem fosse o senhorio.

3ª- A respeitável sentença recorrida não atribuiu a este facto a relevância que tem, tendo-o ignorado em absoluto, quando se impunha, de todo, considerar o art. 787º do Código Civil, quando consigna que «Quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita» e que «O autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada».

4ª- No depoimento que EE prestou, esta, tendo admitido que era ela quem recebia as rendas, mais reconheceu que nunca tinham sido emitidos recibos pelos respectivos pagamentos (cfr. depoimento de 2023.05.15, minutos 06:05 a 06:30).

5ª- E a Ré deixou alegado no art. 24º da contestação que sempre lhe fora recusada a emissão dos recibos das rendas que foi pagando – e das que viesse a pagar – o que os Autores não impugnaram.

6ª- Deverá, pois, ser aditado um facto aos «Factos Provados» com a seguinte redacção (ou semelhante):

«Nunca foram emitidos recibos à Ré pelas rendas por esta efectivamente pagas»

7ª- Com este aditamento à matéria de facto, conclui-se que, tão-só com este fundamento a Ré estava desobrigada do pagamento das rendas que lhe estão a ser exigidas e em cujo pagamento foi condenada.

8ª- A propósito, cfr. os seguintes Acórdãos, parcialmente citados na presente alegação: da Rel. Lxa. de 2018.07.12 (Proc. nº 1296/16. 1T8LRS.L1-6),

«III- A falta de entrega do recibo comprovativo do pagamento da renda constitui fundamento para suspender o pagamento das rendas, ao abrigo do disposto no art.º 787.º n.º2 do Código Civil».

Da Rel. de Évora de 2004.01.22 (Proc. nº 2414/03-3):

«III- Um senhorio constitui-se em mora quando, sem justificação não aceita a prestação oferecida em termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.

IV- O locatário pode recusar-se a pagar a renda se não lhe for dada a respectiva quitação».

Por outro lado:

9ª- A Ré, nas suas declarações, alegou que deixara de pagar a renda também por lhe terem «cortado» o fornecimento de água e de electricidade; mas que fizera pagamentos de rendas em numerário, o que, antes, já ocasionalmente fizera;

10ª- foi para o demonstrar que a juntou à sua contestação documentos comprovativos de depósitos ou transferências das rendas ao longo dos anos de 2007 a 2019 (documentos 1-C a 121): embora não esteja em causa a exigência de quaisquer rendas vencidas nesses anos, constatar-se-á que nem todos os depósitos/transferências correspondem aos doze meses do ano: ano de 2007: está documentalmente comprovado o pagamento de nove meses; no de 2008, oito meses; no de 2010, dez meses; no de 2011, onze meses; e por aí adiante;

11ª- O que traduz que já nesses anos houve pagamentos de rendas em dinheiro, que não se tratou de uma alteração da forma de proceder o ter de pagar todas as rendas em numerário; aliás,

12ª- no documento nºs 122 a 124, a mãe dos Autores menores afirma, já em 2016: «vou aí levantar o dinheiro» (e, durante as suas declarações, não deu qualquer explicação para o uso dessa expressão – cfr. minutos 08:57 a 10:00 do mesmo; e nos minutos 10:53 «escapou-lhe» a expressão «era sempre em dinheiro»).

13ª- O que a Ré corroborou nas declarações prestadas no mesmo dia atrás referido, de minutos 06:30 a 09:00 – devendo, por isso, ser aditado um facto aos «Factos Provados» com a seguinte redacção (ou semelhante):

«Ao longo dos anos, houve rendas que a Ré pagou em numerário».

14ª- Com este aditamento, e sempre sem prejuízo da mora do credor atrás focada, não é possível determinar quais as rendas, de que meses, estarão efectivamente em dívida, pelo que, a não ser mediante um juízo de equidade que fixe um valor como sendo devido, não se justifica a condenação no pagamento de todas as rendas que os Autores dizem estar em dívida.

Por outro lado, ainda:

15ª- Foi o avô dos Autores, quem remeteu as cartas opondo-se à renovação do prazo contratual, cartas essas datadas de 2019.01.29 e 2020.02.21; ora, tendo o usufruto de que esse senhor era titular caducado em 2006.09.26 (doc. 1-A junto à contestação, Ap. ...) ele nada era relativamente às fracções, pelo que as comunicações veiculadas pelas cartas dele não são susceptíveis de produzir qualquer efeito.

16ª- Salvo o devido respeito – que é muito – crê-se não poder aceitar-se a «construção feita na sentença recorrida de que as comunicações feitas pelo avô dos Autores o foram na qualidade deste de «senhorio», pois que já não o era há anos!

17ª- E...

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