Acórdão nº 482/17.1BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-07-13

Ano2023
Número Acordão482/17.1BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por V......, com referência ao processo de execução fiscal nº ……81 e apensos, instaurado à devedora originária “E......, Lda.”, referentes a dívidas de retenções na fonte de IRS e de imposto de selo, IVA e IRC de 2010 a 2014 no montante total de € 1.493.718,67.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a ação procedente, por provada, e determinou a extinção do processo de execução fiscal nº ……81 e apensos, instaurado ao oponente por reversão.

b) Para assim decidir, o douto tribunal a quo considerou que “não é imputável ao Oponente a falta de pagamento dos tributos subjacentes às dívidas em execução fiscal, pois, no termo final dos prazos legais para o efeito, a sociedade Originária Devedora não dispunha de fundos necessários para esse efeito e por motivos que, objectivamente, não lhe são imputáveis.”.

c) Consentindo que “o Oponente nunca esteve em posição de escolher pagar ou não pagar as dívidas subjacentes ao PEF n.º ……81 e Apensos, pois a sociedade não dispunha dos fundos necessários a tal desiderato e por motivos que o Oponente, manifestamente, não podia dominar. De tal sorte que, na sequência do pedido de adesão ao SIREVE, todos os credores concordaram que Originária Devedora era uma empresa que tinha património, que não era insolvente e que era viável, tendo colaborado e acreditado que empresa iria vingar (aliás, igual posição sempre adoptou a AT, fosse no âmbito dos pedidos de pagamento em prestações que a Originária Devedora lhe dirigiu, fosse no âmbito do PEC ou do SIREVE).
Neste quadro, a posterior insuficiência do património societário para a satisfação das dívidas em execução fiscal ficou a dever-se, unicamente, ao facto de, na pendência do procedimento de adesão ao SIREVE, a Segurança Social, diga-se, de forma muito pouco curial, ter, a destempo, tomado atitudes que tiveram como inelutável consequência a paralisação total da actividade da Originária Devedora e, por conseguinte, a apresentação desta à insolvência.

d) E bem assim que “(…) o não pagamento das dívidas em execução fiscal e a insolvência da Originária devedora ficaram-se a dever a causas externas à actuação dos respectivos gerentes, nestes incluído o Oponente, causas essas que os mesmos não podiam dominar, pois nenhum gerente pode ser responsável pela falta de pagamento se não houver fundos para pagar e se a falta desses fundos se dever a causas externas a sua actuação, que não possa dominar.”

e) Concluindo que “o Oponente conseguiu ilidir a presunção legal da sua culpa na falta de pagamento das dívidas em execução fiscal, pressuposto “sine qua non” da responsabilidade tributária subsidiária dos gerentes de sociedades comerciais, que, no caso concreto, não pode ter-se por verificado.”

f) E determina a procedência da oposição, por provada.

g) Com a devida vénia, a Fazenda Pública não se pode conformar com tal sentido decisório, considerando existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequente, erro na aplicação do disposto nos artigos 74º da Lei Geral Tributário (LGT) e 342º do Código Civil (CC).

h) Entende a Fazenda Pública que o douto tribunal a quo considerou provados factos que, não decorrem da prova produzida nos autos, assim como não deu como provados factos que decorrem da prova produzida, incorrendo em erro de julgamento de facto e de direito ao concluir que o oponente afastou a presunção de culpa que sobre si impõe a alínea b) n.º 1 do artigo 24.º da LGT.

i) Salvo o devido respeito, considera a Fazenda Pública que o douto tribunal integrou na matéria assente o facto constante do ponto 31, o qual é meramente conclusivo, pelo que, salvo o devido respeito, deve tal facto ser eliminado do elenco factual constante do probatório, o que se requer.

j) Acresce que, e em face dos elementos carreados para os autos, designadamente o documento nº 2 junto com a contestação, constituído por sentença do Tribunal da Comarca de Lisboa no Processo nº 771/2014.7IDSLB, o probatório deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC, devendo ser aditado à matéria assente o seguinte facto:
“ Em 19-09-2016, o Tribunal da Comarca de Lisboa proferiu sentença no processo n° 771/2014.7IDLSB, transitada em julgado, em que foram arguidos a sociedade E......, Lda., e bem assim A......, L......, N...... e V......, condenando-os pela prática, em autoria material e na forma continuada de crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105 n° 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção introduzida pela Lei n° 105/01, de 05.06, por ter sido comprovado que os arguidos receberam as importâncias que incluíram nas referidas declarações periódicas como correspondente ao IVA por si liquidado nos períodos de 2013/07, 2013/08, 2013/09 e 2013/12.”.

k) Sendo que de tais elementos probatórios sempre o tribunal poderia extrair que a gerência deixou de entregar o IVA referente aos períodos de 2013 e 2014 [IVA que se encontra em cobrança coerciva nos autos de execução em presença], utilizando-o em proveito da sociedade, dando-lhe, assim, destino diverso daquele a que estava legalmente destinado, facto de per si indiciador da culpa do oponente no não pagamento daquelas dívidas tributárias.
Escrutinemos a fundamentação da sentença.

l) Salienta-se, desde logo, que o oponente/recorrido não põe em causa que tenha exercido a gerência da devedora originária, nem o tribunal a pôs em causa.

m) A reversão, recorda-se, pois, foi efetuada ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, recaindo assim sobre o opoente/recorrido, o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento das dívidas da sua gerida se não efetuou.

n) Diz a sentença que “Como se retira dos artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, n.º 2, do Código Civil, a presunção legal da culpa dos gerentes de facto pela falta de pagamentos dos tributos subjacentes às dívidas em execução fiscal tem como consequência a inversão do ónus da prova, sobre estes passando a pesar o ónus de demonstrar ou provar que não foi por sua culpa que tais tributos não foram pagos.”.

o) E acrescenta: “O ónus da demonstração ou prova da inexistência de culpa dos gerentes de facto pela falta de pagamento dos tributos subjacentes às dívidas em execução fiscal não se mostra satisfeito com a mera alegação de lugares comuns, como sejam as recorrentes dificuldades de um sector de actividade, a conjuntura económica desfavorável ou a crise.”.

p) Concluindo “Assim, da análise crítica da prova produzida tem que resultar a convicção de que a falta de pagamento dos tributos subjacentes às dívidas em execução fiscal se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos, que o gerente de facto, pese embora a sua actuação diligente e criteriosa, não podia dominar.”.

q) Apesar de tal raciocínio, a douta sentença suportada em prova documental e testemunhal claramente insuficiente, concluiu, erroneamente, de que o oponente satisfez o ónus legal que sobre si impendia de provar a não imputabilidade da falta de pagamento dos impostos em causa-IVA, IRS (retenções na fonte), IRC e imposto do selo.

r) A Fazenda Pública abre aqui um parêntesis para fazer notar o douto tribunal de recurso que, apesar do tribunal a quo afirmar que a sua convicção quanto aos factos considerados provados resultou da análise critica dos documentos, não impugnados, e da prova testemunhal, o que efetivamente se retira da sentença, e da sua fundamentação, é que a convicção daquele tribunal quanto ao juízo de culpa do oponente fundou-se essencialmente na prova testemunhal e pontualmente nas circunstâncias que foram descritas pela devedora originária no requerimento de declaração de insolvência e que constam da matéria de facto da sentença que declarou a insolvência, nos exatos termos.

s) Na verdade, a sentença considerou provados os factos constantes dos pontos 8. a 20., 22. a 26., 29. a 34., exclusivamente com base nos depoimentos das testemunhas NL...... e C......, e o facto constante do ponto 35 exclusivamente na sentença de insolvência, concluindo que a sociedade, devido a fatores externos, nomeadamente ao contexto de recessão dos sectores de atividade [com destaque para o setor da construção civil] em que laborava, aos atrasos/incumprimento dos clientes, às restrições ao crédito, à chegada de novas empresas ao mercado, passou a ter dificuldades em cumprir com as suas obrigações fiscais tendo sempre como prioridade o pagamento dos trabalhadores e sempre que havia disponibilidade o pagamento ao Estado.

t) Ora, na perspetiva da Fazenda Pública, não se colocando em causa a clareza dos referidos depoimentos, coloca-se em causa a aptidão do declarado pelas referidas testemunhas para dar como provada a ausência de culpa da oponente, sendo que também não se vislumbra pela prova documental carreada para os autos que ao oponente não lhe pudesse ser assacada a culpa no não pagamento dos tributos em questão.

u) A recorrente, com a devida vénia, considera que não foi devidamente valorada a prova produzida nos presentes autos, nem devidamente considerado o facto de não ter sido produzida prova para determinada factualidade que carecia irremediavelmente de prova documental a sustentá-la, e não apenas e só os considerandos e constatações retiradas da prova testemunhal produzida nos presentes autos.

v) Cotejando os factos assentes, não se alcança...

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