Acórdão nº 482/11.5TYVNG-X.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 13-06-2023

Data de Julgamento13 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão482/11.5TYVNG-X.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 482/11.5TYVNG-X.P1- APELAÇÃO
Origem: Juizo de Comércio de Vila Nova de Gaia- Juiz 1

Recorrentes: AA
BB
Recorridos: Massa Insolvente de A..., Lda
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. AA intentou Ação para Separação da Massa Insolvente de fração autónoma, por apenso aos autos de Insolvência de A..., Lda, contra a devedora A..., Lda, a Massa Insolvente de A..., Lda e os credores da devedora, peticionando que seja o Autor reconhecido como proprietário da fração identificada no art. 2º da PI por a ter adquirido por usucapião antes da insolvência e a reconhecer-se que a posse que alicerça a usucapião teve o seu início em 13/3/1990, pelo que a aquisição do direito de propriedade se reporta a essa data e, em consequência, que seja ordenada a sua separação da massa insolvente.
Como fundamento da referida pretensão, alegou em síntese que, no dia 18/2/2019 foi apreendida para a massa insolvente uma fração autónoma, que identifica, que lhe pertence, uma vez que a insolvente celebrou contrato escrito de promessa de venda em Março de 1990 à sociedade B..., Lda, tendo-se tratado não de uma promessa de venda, mas de uma dação em pagamento, através da qual a insolvente deu em pagamento parcial da empreitada de electricidade que aquela sociedade fez no edifício construído pela insolvente, entregando-lhe a posse efectiva de tal fração para que a utilizasse como coisa sua em 1991, quando ficou pronta, sem que fosse celebrada escritura de dação em pagamento, passando a comportar-se como proprietária, até que negociou com o Autor em Dezembro de 1996 contrato de cessão de posição contratual , tendo-lhe o Autor pago o preço e recebido a fração em causa, que passou a possuir como coisa sua, dando-a de arrendamento, habitando-a noutro período de tempo e recentemente cedendo-a em comodato, pagando todas as despesas, bem como as contribuições de condomínio, fazendo obras de reparação, tendo a posse há mais de 20 anos, apesar de não ter sido formalizada a escritura de compra e venda.

2. A Ré Massa Insolvente deduziu contestação, suscitando a excepção da ilegitimidade do Autor e, impugnando os factos alegados na petição inicial

3. Dispensada a realização da audiência prévia, foi posteriormente proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi relegado o conhecimento da excepção da ilegitimidade para decisão final, foi fixado o objecto do litígio, os factos assentes, bem como os temas de prova, que não foi objecto de reclamação.

4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, nos seguintes termos:
“Em consequência do exposto e atento o direito indicado, julga-se a presente acção improcedente por ilegitimidade do A. para propor a presente acção.
Custas a cargo do Autor (cfr. art. 148º do CIRE).
Registe e notifique, designadamente o Sr. Administrador de Insolvência.”

5. Inconformado, o Autor/Apelante interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
Quanto à matéria de facto:
1ª Não pode aceitar-se que se dê como não provado na sua totalidade que “A sociedade B..., Lda. tenha negociado com o A., em Dezembro de 1996, contrato de cessão de posição contratual, pelo qual este lhe pagou o valor convencionado de 5.000.000$00, e recebeu a fracção em causa”.
2ª Isto, porque o A., desde então, passou a ter a posse da fracção, com conhecimento da sociedade, sem oposição desta, que abriu mão da posse definitivamente, deixando de a dar de arrendamento, como fazia antes, e foi compensada por isso pelo A., assim resolvendo os seus problemas financeiros. Só não ficou esclarecido o valor exacto da compensação o que é irrelevante para o que aqui interessa.
3ª Por conseguinte, deve anular-se o conteúdo do item “não provado que” e deve aditar-se à matéria provada que, em 1996, a sociedade B..., Lda., por contrato oneroso, cujo preço e exacta natureza se desconhecem, transferiu para o A. a posse e a propriedade da fracção que aqui se discute, sendo este quem passou a possuí-la até ao presente, quer habitando-a, quer disponibilizando-a por contrato de comodato, com absoluto conhecimento pela dita sociedade.
4ª Deve também aditar-se à matéria de facto todo o conteúdo do contrato de comodato, cuja validade não foi impugnada, antes foi expressamente aceite pela contestante,
5ª E aditar-se também que o A., depois de lhe ser transferida a posse, habitou na fracção que se discute antes de celebrar o contrato de comodato atrás referido.
6ª E, ainda, que os actos de habitação própria, bem como de habitação pelo comodatário são por sua natureza actos públicos, com mais que evidente publicidade.
7ª Ficou também provado que o A. é sócio-gerente da sociedade B..., Lda.
Quanto ao direito:
8ª Dos factos provados resulta que, desde os princípios de 1991, a insolvente abdicou da posse da fracção que aqui se discute, por tê-la dado em pagamento à sociedade B..., Lda.,
9ª Tendo esta sociedade passado a possuí-la em nome próprio, incluindo dando-a de arrendamento,
10ªE tendo instaurado acção de despejo de um inquilino, que foi procedente, por falta de pagamento de renda.
11ªPor acordo entre a sociedade referida e o aqui A. ocorrido em 1996, este recebeu dela a posse da fracção.
12ªE passou a possuí-la até ao presente, quer habitando-a, quer dando-a em comodato.
13ªE fê-lo com o animus de exercer um direito próprio - o de proprietário – como claramente resulta do contrato de comodato junto aos autos.
14ªOs actos que praticou são por natureza públicos,
15ªE deve considerar-se que são de boa fé, por ignorar o A. lesar a sociedade B..., Lda.
16ªE pela forma como foi produzida a prova, evidenciando-se que a posse não foi conseguida nem mantida com recurso à violência.
17ªAssistindo ao A. o direito de juntar à sua posse a da sociedade B..., Lda. de quem a adquiriu.
18ªDaí que já tenha decorrido há muito o prazo necessário para a aquisição do direito de propriedade sobre a fracção pelo A., por usucapião. Aliás mesmo que se considere apenas o prazo da posse do A. (26 anos), tal é bastante para o mesmo efeito.
19ªEm todo o caso, ainda que não se considere ter ocorrido a usucapião, o A., sendo indiscutivelmente o actual possuidor, goza da presunção da titularidade do direito de propriedade, nos termos do art. 1268º do C. Civil, visto que a contestante não logrou elidir tal presunção.
20ªO argumento constante da sentença de que a posse actual do A. de nada vale, visto que não se provou que o A. adquiriu por contrato de cessão da posição contratual a posse da fracção é absolutamente inócuo, visto que, por um lado, a transmissão da posse é relevante independentemente de haver ou não um contrato (cf. art. 1263º, b), do C. Civil),
21ªE, por outro lado, no caso concreto, o A. não precisa sequer de juntar à sua posse a da sociedade B..., Lda., visto que já possui a fracção desde 1996, ou seja, há mais de vinte anos sendo esse prazo bastante para a usucapião (art. 1296º do C. Civil).
Concluiu, pedindo que sejam aditados à matéria de facto fixada pelo tribunal a quo os factos provados apontados nas alegações, e, em consequência, dando-se provimento ao recurso, julgar-se esta acção procedente e provada, considerando-se o A. parte legítima e reconhecendo-o como proprietário da fracção autónoma que nos autos está identificada.

6. Quer a massa insolvente, quer a Presidente da Comissão de Credores ofereceu contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado.

7. Não tendo sido paga a taxa de justiça pela Presidente da Comissão de credores e emitida guia para o efeito, que com a multa totalizava o montante de €612,00, veio esta, por requerimento de 23.11.2022 requerer a dispensa de tal pagamento, sustentando não ser devida qualquer taxa de justiça por serem da responsabilidade da massa insolvente as despesas da comissão de credores, beneficiando aquela de apoio judiciário, estando ambos isentos.

8. Sobre tal requerimento recaiu despacho proferido a 3.01.2023, Ref.ª Citius 443562153, com o seguinte teor (transcrição):
“Requerimento refª 43960832 de 23.11.2022:
Salvo melhor opinião, atento o disposto nos arts. 4º e 6º do RCP, entendemos que, quer a massa insolvente quer a comissão de credores, não estão isentas do pagamento de taxa de justiça no caso em apreço, pelo que, se indefere ao requerido, devendo proceder em conformidade com o ordenado.
Notifique.
D.N.”

9. Inconformada, a Presidente da Comissão de Credores interpôs recurso de apelação do despacho referido no ponto que antecede, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
A) O recurso em causa no qual a Presidente da Comissão de Credores, em representação da mesma, apresentou Contra-Alegações e requerimento/reclamação deduzida, diz respeito e enquadra-se nas funções de fiscalização da Comissão de Credores nos termos do art.º 68.º do CIRE;
B) São dívidas da Massa Insolvente as custas do próprio processo de insolvência, a remuneração do administrador de insolvência, assim como todas as despesas deste e da Comissão de Credores no âmbito do processo de insolvência;
C) Os membros da Comissão de Credores exercem a sua função sem qualquer remuneração ao contrário dos Srs. A.I.’s, apenas tendo direito ao reembolso das despesas estritamente efectuadas por causa do exercício dessas funções, art.º 71.º do CIRE;
D) As taxas de justiça e custas processualmente devidas não se incluem no conceito de despesas a que alude o art.º 71.º;
E) A al. u) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP prevê exacta e precisamente a isenção de taxas de justiça e custas para os processos de insolvência e de recuperação;
F) Isenção que tem vindo a ser jurisprudencialmente reconhecida por todos os Tribunais da Relação como resulta dos acórdãos (acórdãos da Relação de Lisboa datados de 11/02/2010 e 16/06/2011, Proc. 1242/09.9TYLSB-L1-2 e Proc. 1640/10.5TYLSB- A.L1-8, respectivamente; acórdão da Relação do Porto datado de 23/03/2015,
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