Acórdão nº 482/09.5BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 07-04-2022

Data de Julgamento07 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão482/09.5BELLE
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. C..... veio recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou a oposição à execução fiscal (PEF) n.º 108…., Serviço de Finanças (SF) de Loulé-1, procedente quanto às dívidas exequendas por Coimais Fiscais e improcedente quanto às dívidas exequendas provenientes de IRS e IVA, relativas ao ano de 2008, no valor de €27.166,89.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«Em primeiro lugar, ao invés do que concluiu o Tribunal a quo, não ficou demonstrado nos autos o exercício efectivo da gerência de facto pela Recorrente, nem sequer por interposta pessoa, porquanto:

1.1 O Tribunal a quo fundamenta esta sua conclusão, exclusivamente, no depoimento da testemunha M......, olvidando por completo o que foi dito pelas restantes testemunhas, a quem reconheceu credibilidade, idoneidade e razão de ciência, e que reconheceu irem, todos eles, "no sentido do não exercício da gerência de facto da O.... pela Oponente”;

1.2 Se o Tribunal tivesse tomado em consideração o depoimento de todas as restantes testemunhas (todas lidam directamente com a devedora originária, porque são familiares, trabalhadoras, fornecedoras ou clientes, e todas elas conhecem o dia-a-dia e a realidade fáctica daquela sociedade), teria registado que todas elas confirmam, sem dúvidas ou hesitações, que:

1.2.1 Por um lado, a Recorrente:

1.2.1.1 Nunca praticou um único acto de gestão, sendo perfeitamente alheia à gestão da sociedade - certo é que não consta do processo um único documento ou cheque assinado por ela, pelo seu punho, uma decisão que tenha vinculado a sociedade, uma iniciativa que visasse a actividade comercial da sociedade. Nada!

1.2.1.2Raramente era vista na empresa e, quando o era, sempre em modo visita,

12.1.3É uma jovem que, desde momento anterior à constituição da sociedade, se encontrava a estudar em Lisboa, regressando ao Algarve apenas para visitas, e em 2007 foi viver para a Holanda, onde começou a trabalhar em Janeiro de 2008;

1.2.2 E, por outro lado, era a M......, que tomava todas as decisões, celebrava contratos com clientes e fornecedores, procedia a todos os pagamentos e recebimentos, contratava trabalhadores e procedia ao pagamento das respectivas remunerações, organizava mapas de férias, fazia encomendas, pagava impostos, assinava cheques pelo seu punho e tudo o mais.

1.3 Mas também do depoimento da testemunha M...... se não pode retirar que a mesma se limitaria a cumprir ou executar as determinações emanadas da Recorrente, ou ainda que pediria autorização ou daria conhecimento à ora Recorrente de cada acto de gestão que praticava na devedora originária.

1.4 Ao invés, o que resultou evidente das declarações da testemunha M...... foi o total alheamento da Recorrente face à vida societária e comercial / negociai da sociedade devedora originária.

1.5 Também não se vislumbra que tenha havido consentimento ou anuência da Recorrente face aos actos concretos de gestão que aquela M...... ia praticando.

1.6 O “consentimento" a que a testemunha M...... se refere no seu depoimento reporta-se ao consentimento inicial para a constituição da sociedade e para a inscrição do seu nome para gerente da sociedade,

1.7 E justifica-se também pelo receio evidenciado e pela tentativa de justificar o injustificável: a falsificação, que a própria testemunha foi consecutivamente operando, da assinatura da sua filha.

1.8 Não resulta daqui demonstrado o conhecimento, e muito menos o consentimento, da ora Recorrente face à conduta da sua mãe, a testemunha M.......

1.9 Também não colhe o argumento de que a Recorrente “enquanto única gerente tinha ao seu alcance fazer actuar os mecanismos que permitiam tomar a direcção efectiva dos negócios da O...., fazer cessar a sua actividade, ou desenvolvê-la e, mesmo, apresenta-la à insolvência, porque:

1.9.1 Sendo verdade que, no plano teórico, a Recorrente teria esses mecanismos ao seu alcance, também é verdade que em termos práticos, sendo a Recorrente perfeitamente alheia à vida da sociedade devedora originária, não estaria na sua disponibilidade real fazê-lo;

1.9.2 Este argumento inviabiliza e retira qualquer substracto à figura da mera gerência de direito, já que qualquer gerente de direito tem aqueles mecanismos na sua disponibilidade. Quererá isso dizer que todos os gerentes de direito exercem a gerência de facto por interposta pessoa? Naturalmente que não!

1.9.3 Não se alcança o conteúdo deste conceito de '‘gerência de facto por interposta pessoa”, uma vez que é inerente à própria natureza da figura da “gerência de facto" o exercício efectivo, diremos até físico ou material, das funções típicas da gerência. Diremos que, ou se exerce a gerência de facto, ou se exerce a gerência através de interposta pessoa, o que equivale à gerência de direito.

1.9.4 Pela mesma ordem de razões, a gerência de facto será materialmente incompatível com a figura do mandato geral (que não o mandato para determinado actos específicos e determinados), sendo certo que a verificação de um qualquer mandato da Recorrente a favor de terceiro nem sequer ficou alegado ou demonstrado no processo.

1.10 Assim, e uma vez que nada nos autos permite sustentar, com segurança, o exercício efectivo da gerência pela Recorrente (apontando toda a prova em sentido contrário), imperioso seria concluir que a prova produzida derrubou ou, pelo menos, abalou fortemente a presunção de que a Recorrente exerceu a gerência de facto da devedora originária que resulta do facto de ser gerente de direito.

1.11 E ficando uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência por parte da Recorrente, a referida dúvida teria de desfavorecer a Adminsitração Fiscal, posto que à mesma cabia o ónus da prova daquele exercício efectivo, como pressuposto do acionamento da responsabilidade subsidiária.

2. Em segundo lugar, e ao contrário do que concluiu o Tribunal a quo, existe abundante prova nos autos que demonstra que o não pagamento da dívida tributária não resultou de culpa da Recorrente, porquanto:

2.1 Todas as testemunhas foram unânimes ao referir, sumariamente:

2.1.1 Que a Recorrente nunca teve qualquer conexão material com a gerência da devedora originária, até porque vive no estrangeiro, onde tem a sua vida pessoal e profissional perfeitamente organizada e estabilizada;

2.1.2 Que a Recorrente é perfeitamente alheia aos negócios, actividade e vida da devedora originária;

2.1.3 Que nunca viram a Recorrente fazer absolutamente nada na devedora originária, nem praticar qualquer acto que vinculasse a sociedade.

2.2 Não consta dos autos um único documento ou indício de que a Recorrente tenha algum dia intervindo na vida societária e negócios da Devedora originária.

2.3 A responsabilidade subsidiária da Recorrente supunha, pelo menos, em face do regime legal plasmado na LGT, art. 24°, n.° 1, alínea b), e em face de todo o circunstancialismo fáctico apurado nos autos, a manutenção de uma dúvida fundada sobre a culpa da ora recorrente no não pagamento atempado das dívidas exequendas.

2.4 Inserindo-se o pagamento das dívidas fiscais na esfera de decisão exclusiva de quem exerce, de facto, a gerência de uma sociedade, isto é, de quem vive o dia-a-dia da sociedade, o não pagamento das mesmas dentro do respectivo prazo de pagamento voluntário, não poderia, nestas circunstâncias fácticas, ser imputado à Recorrente.

2.5 Deveria, assim, o Tribunal a quo ter concluído que existe abundante prova nos autos que demonstra que a falta de pagamento do imposto em causa nunca poderia ser imputável à recorrente.

2.6 Não o fazendo, a decisão recorrida viola o disposto no art. 24°, n.° 1, alínea b) da LGT.

3. Em terceiro lugar, a decisão recorrida equivoca-se ao não apurar a verificação do pressuposto legal da reversão contido no art. 24°, n.° 1, alínea a) da LGT: a culpa da Recorrente na insuficiência do património da sociedade devedora principal para a satisfação do imposto em cobrança, porquanto:

3.1 Estando em causa dívidas fiscais cujo facto constitutivo se verificou no período de exercício da gerência formal ou de direito da Recorrente, o Tribunal a quo não cuidou de apreciar, como impõe a lei, se ficou demonstrada a culpa da Recorrente na insuficiência do património da O.... para a satisfação das dívidas exequendas;

3.2 E a verdade é que, tal como decorre de tudo o que já se disse, nada nos autos permite concluir...

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