Acórdão nº 4800/22.2T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18-01-2024

Data de Julgamento18 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão4800/22.2T8VNF.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
ACÓRDÃO[1]
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1. RELATÓRIO
1.1. Da Decisão Impugnada

Nos presentes autos, na data de 25/07/2022, EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda veio, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 17º-C/3a) do C.I.R.E., instaurar Processo Especial de Revitalização (PER), pedindo que «seja recebido o presente requerimento, solicitando a nomeação de administrador judicial provisório tendo em conta a proposta apresentada, prosseguindo o processo especial de revitalização da empresa os seus ulteriores termos» e «a nomeação do Administrador Judicial Provisório, Dr. AA, com domicílio profissional na Largo ..., ..., ..., ... Guimarães».

Alegou, essencialmente, que: «encontra-se comprovadamente, em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente; consciente das dificuldades que transporta, a requerente resolveu apresentar-se ao processo especial de revitalização, por forma a encetar negociações com os seus credores e assim reestruturar a sua divida, pois entende ter ainda um modelo de negócio sustentável e que permite a sua recuperação; o gerente contactou credores com o intuito de obter deles a manifestação de vontade; os contactos acabaram por se tornar, na sua generalidade, infrutíferos pois colocavam como condição para a assinatura dos referidos documentos que a sociedade prestasse uma garantia real; pelos referidos motivos, na presente data a requerente apenas conseguiu obter a declaração de aceitação de encetar negociações tendo em vista a revitalização da requerente de credores detentores de cerca 10,27% do passivo». E juntou documentos.
Na data de 03/08/2022, foi proferido despacho liminar e nomeado administrador judicial provisório.
Na data de 08/09/2022, o administrador judicial provisório apresentou a lista provisória de créditos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Na data de 22/09/2022, foi proferido o seguinte despacho: “Não tendo sido impugnada, a lista provisória de créditos converte-se em definitiva, nada havendo a decidir sobre a conformidade da formação das categorias de créditos nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17º-C do CIRE, porquanto não é aplicável (art. 17º-D, n,º 6 do CIRE)”.
Na data de 16/12/2022, a Requerente veio juntar aos autos o Plano de Recuperação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Na data de 27/01/2023, o administrador judicial provisório apresentou requerimento através do qual, para além do mais, juntou aos autos:
1) «quadro de votação e os votos emitidos pelos credores, tudo nos termos do art.º 17 º Fº, n.º 3 do CIRE», consignado que «os resultados foram os seguintes: Total dos credores 229.318,38 €; Total dos credores com voto 229.318,38 €; Total dos credores votantes 181.448,64 €; % credores votantes 79,13%; Votos a favor 100,00%; Votos contra 0,00%; Abstenções 20,87%; Pelo que o PER se encontra aprovado»;
2) e «PARECER art.º 17º F n.º 4 e 6», no qual consignou: «A empresa continua com todos os seus clientes alvo bem identificados e localizados. Analisando os resultados históricos, a empresa sempre apresentou resultados positivos. A empresa tem um curriculum empresarial notável e abrangente, tendo ao longo dos tempos sido reconhecida pelas entidades de certificação. Assim, a Requerente tem sido reconhecida como uma empresa de extrema qualidade em tudo aquilo que faz. Acresce que a Revitalizanda é credora em cerca de € 100.000,00, montante que naturalmente receberá e que com a faturação corrente, i, e., de cerca de € 40.000,00 em vendas e serviços prestados (ainda dados do IES 2020) não terá dificuldades no pagamento e execução do presente plano de pagamentos proposto infra. Assim, a requerente tem ainda um resultado líquido do exercício de cerca de € 64.000,00. (ibidem IES). Nestes termos, e com aprovação do plano a empresa tem neste momento uma perspetiva e condições razoáveis de recuperação».

Na data de 07/02/2023, o Tribunal a quo proferiu a sentença com o seguinte decisório:
“Assim sendo, e em conformidade com o disposto no artigo 17.º-F, n.ºs 5 e 7, do CIRE, homologo por sentença o plano de recuperação da sociedade EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda (…)
A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, conforme determinado pelo artigo 17.º-F, n.º 11 do CIRE (…)”.
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1.2. Da Recurso da Credora
Inconformada com a referida decisão, invocando ser credora da Requerente/Devedora, a sociedade EMP02..., LDA interpôs recurso de apelação, requerendo que “o presente recurso seja julgado procedente, por provado, revogando-se a sentença homologatória proferida e substituindo por decisão que recuse a homologação do Plano de Recuperação e, em consequência, devem todos os atos subsequentes à apresentação da lista provisória de credores, esta inclusive, ser anulados concedendo-se prazo para que possa a Recorrente intervir no processo, a fim de reclamar o seu crédito, nos termos do art. 17º-D, n.º 2 do CIRE”, e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:
“1. No exercício da sua atividade comercial, desde 2010, a Recorrente forneceu à Devedora, aqui Apelada, a pedido desta, os produtos e serviços constantes das faturas n.ºs ...16, ...15, ...56, ...27, ...38, ...17, ...91, ...71, ...66, ...70 e ...06.
2. Não obstante as diversas interpelações, a Devedora nunca procedeu ao pagamento das faturas, sendo devedora da Recorrente na quantia total de €7.882,60 (Sete Mil, Oitocentos e Oitenta e Dois Euros e Sessenta Cêntimos),
3. Motivando a Recorrente a instaurar ação executiva contra a Apelada, a 11 de abril de 2022, com base em requerimento injuntivo ao qual foi aposta fórmula executória no dia 28 de janeiro de 2022, e que corre termos no Juízo de Execução ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., com o n.º de processo 1208/22.....
4. No âmbito deste processo executivo, todas as diligências de execução de que o Agente de Execução nomeado lançou mão revelaram-se frustradas e infrutíferas.
5. Em novembro de 2022, veio a Recorrente a tomar conhecimento de que corria termos um Processo Especial de Revitalização relativo à Devedora, desde 25 de julho de 2022.
6. Sem embargo, qualquer reclamação de crédito promovida pela Recorrente revelar-se-ia intempestiva, porquanto essa prerrogativa havia cessado em setembro daquele ano.
7. Compete à empresa devedora a entrega de cópia da Relação dos Credores, com indicação dos respetivos créditos, bem como da Relação e Identificação de todas as ações e execuções que contra si estejam pendentes, ao abrigo dos artigos 17º-C, n.º3, ambos do CIRE.
8. Ademais, é lhe imposto, ainda, que comunique aos credores que não hajam subscrito a petição inicial que se instaurou o respetivo processo, convidando-os a participar, em conformidade com o art. 17º-D, n.º 1 do CIRE.
9. A Devedora preteriu o cumprimento de tais deveres, omitindo a indicação daquele débito e respetiva ação executiva ao Tribunal a quo e a comunicação à aqui Apelante.
10. Tanto assim é que esta só veio a conhecer do ajuizado PER em novembro de 2022, por notificação do Agente de Execução nomeado na ação executiva sob o n.º1208/22.....
11. Tais comportamentos omissivos feriram toda a tramitação àqueles subsequente, mormente a não citação da Recorrente enquanto credora e, por conseguinte, a não reclamação do seu crédito e a não participação no processo de negociação, que veio a culminar no Plano de Revitalização Homologado, que ora se impugna.
12. Observou-se, por isso, a flagrante violação dos preceitos legais referidos, bem como dos princípios da transparência, confiança e boa-fé, que regem as relações entre devedores e credores no âmbito da Recuperação Extrajudicial de Devedores.
13. Além do mais, por força do art. 215º ex vi art. 17º-F, n.º 7, ambos do CIRE, o Juiz deverá recusar, mesmo oficiosamente, a homologação do plano, sempre que se verifique, entre outras, a violação não negligenciável de regras procedimentais.
14. A sentença recorrida viola, entre outros, o disposto nos artigos 17º-C, n.º 3, 24º, n.º1, 17º-D, n.º 1 e 215º, todos do CIRE, bem como os princípios da legalidade, transparência, boa-fé e equidade.
15. Ainda que não haja sido parte no processo até então, a Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso por ser direta e efetivamente prejudicada por tal decisão, nos termos do art. 631º, n.º 2 do Cód. Processo Civil.
16. Por todo o supra exposto, deverá a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revista e, em consequente, revogada e substituída por decisão que recuse a homologação do Plano de Revitalização”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”[2] (pela sua...

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