Acórdão nº 480/20.8BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-11-23

Ano2023
Número Acordão480/20.8BEALM
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
E… Portugal- SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., Ld.ª (Recorrente) vem, na presente ação urgente de contencioso pré-contratual proposta contra o Município do Montijo (Recorrido), interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 03/03/2021 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, nos termos da qual foi julgada totalmente improcedente a vertente ação e absolvido o Recorrido dos pedidos.
Inconformada, a Recorrente veio interpôr recurso jurisdicional, que culmina com as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso tem por objeto a douta decisão recorrida do TAC de Lisboa – Juízo de Contratos Públicos, que deve ser revogada, considerando-se totalmente procedente a ação administrativa.
II. Todo o procedimento pré-contratual corre em plataforma eletrónica, sendo que o procedimento em análise nos autos revestiu a forma de consulta prévia, nos termos do disposto nos artigos 259.º, n.º 1 e 252.º, n.º 1, al. b), ambos do Código dos Contratos Públicos (CCP), aberto ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML.
III. Por conseguinte, todos os convidados, independentemente do endereço de email, sabiam que estavam a ser convidados para apresentar propostas abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML.
IV. A sentença recorrida explana sabiamente o enquadramento do procedimento e as regras dos acordos-quadro, nas suas páginas 12 a 14, mas depois não retira daí, com o máximo respeito e s.m.o., as respetivas ilações.
V. É precisamente pela doutrina aí explanada, que a decisão deveria, se se permite a ousadia, com o máximo respeito, ser inversa.
VI. O procedimento de consulta prévia em questão visava a celebração de um contrato ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML, pelo que, todos os concorrentes sabiam, até pela vasta experiência de contratação pública, que o convite recebido era para apresentar proposta ao abrigo desse AcordoQuadro , conforme expressamente dele constava (e do Caderno de Encargos que com ele foi notificado).
VII. A empresa I… foi convidada, pois é inegável que o endereço de email é dessa empresa (domínio ...@i....pt), pelo que, estando no Acordo Quadro, legalmente só poderia estar a receber tal convite, como nele expressamente constava, em nome e como líder do consórcio que constituiu com a N... e que integrava o Acordo Quadro.
VIII. Ao enviar o convite para a I…, embora mencionando o ACE (do qual fez parte com a N... e que foi, até então, o fornecedor do Município) em vez do Consórcio (com a mesma N... e que é, então, o adjudicatário no Acordo Quadro n.º 001/CP/2017), é absolutamente evidente o lapso, pois o convite foi endereçado à ICA ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML, pelo que sabia que o rececionava como líder do consórcio.
IX. Não é o “email” (endereço eletrónico) que constitui a personalidade jurídica ou identidade da entidade para onde foi remetido o convite: por um email ou por outro, a entidade em causa era a I… (parceira da N... no Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML), e foi esta ICA que foi notificada.
X. A explanação da douta sentença, na página 19, não pode colher, sob pena de um endereço eletrónico se substituir à entidade em causa, que recebeu o convite (o email é a forma de envio; a entidade é a ICA; e esta foi convidada como integrante do Acordo-Quadro).
XI. Razão evidente do desacerto da douta sentença, que não atendeu à total identidade e semelhança existente entre as entidades que compõem o Consórcio e ACE (mesma sede, mesma administração, mesmo domínio de correio eletrónico e mesma pessoa indicada como utilizador autorizado na plataforma eletrónica de contratação pública), que faz obviamente cair o véu da “personalidade” daqueles, sendo evidente que a I…, ao receber o convite ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, teria de saber, obviamente, que o rececionava enquanto líder desse consórcio, entidade que está dentro (adjudicatária) do Acordo Quadro.
XII. Não é seguramente um NIF errado que altera esta evidência, e muito menos um endereço de email que se torna decisivo, desde logo face ao disposto no artigo 249.º do Código Civil.
XIII. A ICA dispõe de larga experiência como agente económico na área do fornecimento de refeições escolares a entidades públicas (só no BASE GOV, é identificada como adjudicatária em 375 contratos), pelo que, muito mais do que qualquer destinatário normal, percebeu que o convite recebido era para apresentar proposta ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4.
XIV. Por outro lado, e sem prescindir, sempre terá de admitir-se, uma vez mais ao invés do decidido na sentença recorrida, que o efeito anulatório administrativo (produzido pelo ato impugnado) não deveria verificar-se, nos termos e para os efeitos do disposto na n.º 5, al. b) do artigo 163.º do CPA, pois é inegável que a I… recebeu o convite para apresentar proposta no procedimento aqui em causa, ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML, o que só poderia acontecer através do Consórcio com a N....
XV. Forçoso é concluir que a I… sabia que estava a rececionar o convite enquanto líder do consórcio adjudicatário do Acordo Quadro.
XVI. Resulta, assim, manifesto que, uma vez mais ao invés do referido na douta sentença recorrida, o fim visado com o envio do convite foi alcançado.
XVII. Para além do mais, o Município e, em particular, o despacho impugnado, viola o princípio da boa administração e eficiência da Administração, bem como o princípio da imparcialidade, favorecendo um dos participantes – o consórcio constituído pelas contrainteressadas.
XVIII. O facto de as contrainteressadas (precisamente sob a forma, então, de ACE) serem as anteriores habituais fornecedoras do Réu, exigia outra atuação por parte do Município, que, com esta “confusão anulatória”, não deixa de por em causa o princípio da imparcialidade.
XIX. Por fim, é evidente também que há violação do princípio da participação e da audiência prévia, pois a dispensa de audiência dos interessados tem de ser fundamentada na decisão final, conforme imposição expressa do n.º 2 do artigo 124.º do CPA, o que não acontece in casu.
XX. Deve a sentença ser revogada, por errada interpretação dos factos e aplicação do Direito.
Nestes termos e nos demais de Direito, que certamente os Venerandos Senhores Desembargadores suprirão mui doutamente, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, revogando-se a douta decisão recorrida e, em consequência, considerar-se a ação totalmente procedente, fazendo, dessa forma, a tão acostumada Justiça.».

O Recorrido contra-alegou, impugnado o aduzido pela Recorrente no seu recurso.
*
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificado para tanto, não emitiu parecer.
*
Foram dispensados os vistos dos Venerandos Adjuntos, atenta a natureza urgente dos presentes autos.


II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, bem como pelas contra-alegações do Recorrido Município, atento o disposto no n.º 4 do art.º 635.º e nos n.ºs 1 a 3 do art.º 639.º, do CPC ex vi n.º 3 do art.º 140.º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença padece de erros de julgamento no tocante a ter considerado que o despacho impugnado- proferido em 28/07/2020, e nos termos do qual o Recorrido anulou administrativamente «todos os atos praticados até então no procedimento concursal após o envio do convite à apresentação da proposta, bem como determinou proceder ao envio de novo convite a todos os adjudicatários do Acordo-Quadro com fixação de um novo prazo para a apresentação de propostas»- não padece de ilegalidade por (i) a repetição do convite ser legalmente devida em virtude da insusceptibilidade da aplicação do art.º 249.º do Código Civil, (ii) não ocorrer violação do princípio da imparcialidade e (iii) não ocorrer violação do direito de audiência prévia.


III. MATÉRIA DE FACTO CONSIDERADA PROVADA NA SENTENÇA RECORRIDA
A sentença recorrida considerou provados os factos que, ipsis verbis, se enumeram de seguida:
«A) Por deliberação aprovada por unanimidade na reunião de 8 de julho de 2020, a Câmara Municipal do Montijo determinou a abertura de um procedimento de consulta prévia, para a celebração do contrato de aquisição do serviço de fornecimento de matérias primas alimentares e não alimentares e prestação de serviços relacionados com o fornecimento de refeições escolares para o concelho do Montijo, ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela Área Metropolitana de Lisboa – cfr. doc. nº 1, junto com a p.i..
B) Os cocontratantes selecionados no lote 4 do Acordo-Quadro acima referido foram os seguintes:
- 1º - U…. – Sociedade de Restaurantes P..., S.A.;
- 2º - O agrupamento constituído por I…. Indústria e Comércio Alimentar, S.A. e N... – Indústria de Transformação Alimentar, S.A., representado por I…. – Indústria e Comércio Alimentar, S.A.;
- 3º - E… (PORTUGAL) – SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., LDA.;
- 4º - O agrupamento constituído por I…. – ….., S.A., G…. –, S.A. e S…. –, Lda., representado por I…. –, S.A.– acordo/cfr. doc. nº 4, junto com a p.i..
C) O convite do procedimento de consulta prévia foi remetido em 10 de julho de 2020, via plataforma eletrónica de contratação pública, às seguintes entidades:
- Agrupamento Complementar de Empresas I… e N... | 510…
- E… (Portugal) Sociedade Eu…, Lda. | 500…
- I…, S.A. | 500…
- U…. – Sociedade de Restaurantes P….., S.A. | 501…. - cfr. fls. 297-300, do PA.
D) O referido Agrupamento Complementar de Empresas I…. e N... tem o NIPC: 510….., o endereço de e-mail de notificações registado na plataforma eletrónica de contratação pública é: secretariado@i.....pt, e apresenta como...

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