Acórdão nº 474/22.9T8MDL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11-05-2023

Data de Julgamento11 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão474/22.9T8MDL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

M..., Lda. instaurou contra P... – Produção e Comercialização de Azeite, Lda. o presente procedimento cautelar, pedindo que seja decretado o arresto do prédio urbano composto por um edifício de dois pisos, destinado a armazém e atividade industrial, sito na Estrada ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana no artigo ...29 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...22, da freguesia ..., bem como de todo o recheio composto por máquinas, maquinismos e outros que sejam encontrados no seu interior.
Para substanciar tal pretensão alega, em síntese, que no âmbito das relações comerciais que estabeleceu com a requerida resultou um crédito sobre esta no montante global de €168.000,00 (cento e sessenta e oito mil euros).
Acrescenta ainda que é voz corrente, na freguesia ... (...) e nos meios ligados à produção e comercialização de azeite, que a requerida pretende desfazer-se daquele seu imóvel e por todos os meios quer conseguir furtar-se das suas obrigações e não satisfazer o crédito da requerente.
Foi proferido despacho a determinar a citação da requerida, a qual deduziu oposição, negando a existência do crédito de que a requerente se arroga ser titular.
Conclusos os autos veio a ser proferida a seguinte decisão: «Não julgo necessário a produção de qualquer prova conforme artigo 367 nº 1 do CPC.
Cumpre apreciar e decidir, a cobro do que dispõe o Art.º 234º, n.º 4, alínea b) e Art.º 234º-A, n.º 1, ambos, do Código de Processo Civil.
Os procedimentos cautelares são um instrumento processual para protecção de direitos subjectivos ou outros interesses juridicamente relevantes, representando uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado de um processo principal e assentam numa análise sumária - summaria cognitio - da situação de facto que permita afirmar a provável existência de um direito - fumus boni juris - e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar - periculum in mora.
Calamandrei, in Introduzzione allo studio sistemático dei provvedimenti cautelari, pág. 20, escrevia que “as providências cautelares representam uma conciliação entre as duas exigências que estão frequentemente em conflito: a da celeridade e a da ponderação.
Entre o fazer depressa e o fazer bem, mas tardiamente, as providências cautelares visam, antes de tudo, a fazer depressa, permitindo que o problema do bem e do mal, isto é, da justiça intrínseca da decisão, seja resolvido ulteriormente […]”
Assim, os procedimentos cautelares não se perfilam como instrumento apto à resolução ou composição em definitivo de interesses, antes se destinando a antecipar determinados efeitos das decisões judiciais, a prevenir prejuízos ou a manter determinado status quo, enquanto tardar a decisão definitiva do conflito.
Não efectivam, assim, direitos, mas apenas os asseguram, realizando, por conseguinte, uma função instrumental face à tutela declarativa.
Ensina José Alberto dos Reis, in C.P.C. anotado, Volume I, 3ª Edição, pág. 623, que “a providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior; prepara o terreno e abre o caminho para uma providência final”.
“A providência”, continua, “não é um fim, mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia de uma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material”.
No que concerne à escolha da providência adequada à tutela do direito concreto, decorre do disposto no Art.º 381º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que havendo uma providência especificada para o caso concreto, não se lance mão de uma não especificada.
No caso vertente, através da presente providência visa a requerente o arresto de um direito de crédito de que é titular a requerida, de molde a garantir a cobrança do crédito que detém sobre esta.
Consubstanciando o arresto um meio de conservação da garantia patrimonial dos credores, traduzindo-se numa apreensão judicial de bens destinados a assegurar o cumprimento da obrigação, enquanto medida de carácter preventivo tendente a evitar a insatisfação do direito de um credor, por se recear, fundadamente, a perda de garantia patrimonial do seu crédito, importa concluir pelo acerto da providência proposta.
Da interpretação conjugada dos arts. 406º, nº 1 e 407º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, decorre que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, deduzindo os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devam ser apreendidos, assim como todos os elementos necessários à realização da diligência.
Assim, o decretar do arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: por um lado, a verosimilhança – por oposição a certeza – do crédito do requerente, por outro, o justo receio de perda da garantia patrimonial, impendendo sobre o requerente o ónus de alegar e provar – ainda que de forma perfunctória - não só os factos que tornam provável a existência do seu crédito, como também aqueles que revelem o receio justificado de ver frustrado o pagamento do mesmo.
Ora, revertendo ao caso dos autos, estribados no breve excurso pelo regime legal aplicável que acima se ensaiou e ante a matéria alegada – a admitir a demonstração indiciária e integral da mesma – é de concluir que deve a presente providência ser de indeferir in limine.
Isto porque, se relativamente ao direito da requerente – por virtude da apreciação sumária que ora se impõe – se pode conceder que, provavelmente, o crédito exista, já não assim no que se atém o perigo de insatisfação do crédito ou justificado receio de perda da sua garantia.
Se não, vejamos.
Ensina Antunes Varela que “para que se prove o justo receio (como quem diz o receio justificado e não apenas receio) da perda da garantia patrimonial, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular” – in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª Ed., Almedina, pág. 465, nota 1. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 2ª Edição, pág. 186, postula que o justo receio da perda de garantia patrimonial “pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”
Ora, no caso sub judice, a Requerente alega apenas que só conhece aquele imóvel como património à Requerida e que é voz corrente, na freguesia ... (...) e nos meios ligados à produção e comercialização de azeite que a requerida pretende desfazer-se daquele seu imóvel e por todos os meios que conseguir furtar-se das suas obrigações e nada devolver à requerente.
Acontece, porém, que não decorrem dos autos factos concretos, para além da suposta intenção da alienação do imóvel, que a própria requerente pretendeu adquirir num negócio no valor de cerca de 820.000,00 € (oitocentos e vinte mil euros), que levem a temer pela delapidação do património da requerida ou pela intenção de não cumprir a obrigação para com a requerente, a existir, nomeadamente a Requerente não alega outras dívidas por pagar, não especifica mais nenhuma para além da dos autos que será manifestamente inferior ao valor de referido negócio de cessão de quotas.
A este respeito, pode ver-se ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de maio de 2008 (in www.dgsi.pt) de acordo com o qual "o justo receio de perda da garantia patrimonial...

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