Acórdão nº 4721/17.0T8LSB.L2-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-07-06

Ano2023
Número Acordão4721/17.0T8LSB.L2-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:



IRELATÓRIO



1C Finance, S.A, com sede na República do Panamá, instaurou a presente acção declarativa com processo comum, contra Z. Insurance, PLC UK, com sede no Reino Unido, pedindo a sua condenação no pagamento de:
a)-USD 1.683.000 e juros, a título de indemnização por danos patrimoniais;
b)-€150.000,00 como indemnização de danos não patrimoniais;
c)-juros de mora sobre as referidas quantias, e
d)-uma sanção pecuniária compulsória de 5% desde o trânsito da sentença de condenação.

Alegou, em síntese que, em Março de 2014 era titular de activos depositados no Espírito Santo Bankers Dubai (ESBD), tendo esta, na pessoa de HC, seu director e membro da comissão executiva, lhe proposto a gestão discricionária dos mesmos, que permitiria uma diversificação dos investimentos. Este mesmo director transmitiu-lhe que iria vender de imediato as obrigações do GES (Grupo Espírito Santo) existentes em carteira da autora, ficando assente entre as partes que tal seria feito de imediato. Sucede que, em finais de Junho de 2014 a autora veio a ter conhecimento de que o ESBD não tinha cumprido integralmente as ordens de venda e que só vendera parte das aplicações do GES, mas não vendera outras no montante de USD 1.683.000. Posteriormente, já com as empresas do universo GES em liquidação, HC sugeriu que reclamasse junto dos liquidatários do BPES (Banco Privée Espírito Santo), sendo que, por seu turno, o ESBD terá reclamado junto do processo de insolvência do Espírito Santo International os créditos da autora, derivados do não pagamento das obrigações vencidas. Como estes procedimentos estão condenados ao insucesso, a autora apresentou no processo de liquidação do ESBD reclamação por cada aplicação não liquidada, tendo tais créditos sido graduados como subordinados. Entende que cabia ao director HC da ESBD proceder à venda dos activos como havia sido ordenado pela autora, o que este não fez. A responsabilidade civil profissional dos funcionários dos Bancos detidos pelo ESBD, entre os quais HC, enquanto director da ESBD estava, no ano de 2014, transferida para a Ré, titulada pela apólice FD1410488, e também a própria ESBD havia transferido a sua responsabilidade civil para a Ré.

2Citada, a Ré Z. Insurance, PLC UK contestou.
Invoca, além do mais a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses para a acção, fundamentado que a relação material controvertida ocorreu fora do território português, envolveu uma sociedade com sede no Dubai, sendo a autora uma sociedade com sede na República do Panamá e a ré uma seguradora com sede no Reino Unido. Nos termos do Regulamento Europeu nº 1215/2012 de 12/12, o segurador domiciliado num Estado Membro pode ser demandado noutro Estado-membro apenas em acções intentadas pelo tomador, segurado ou beneficiário, ora a acção foi intentada por um terceiro face ao contrato de seguro. Não existe qualquer elemento de conexão com Portugal e ainda que se equacione a ocorrência de pacto atributivo de jurisdição no contrato de seguro, a Autora não é parte no mesmo.

3A autora notificada para o efeito respondeu à excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses invocando estarmos perante um seguro de responsabilidade civil no interesse de terceiros clientes dos Bancos controlados pela ESFG, como era a ESBD, sendo beneficiários os clientes dos Bancos do GES e não propriamente a ESFG. Compreende-se que o pacto de jurisdição não possa ser imposto ao terceiro beneficiário contra a sua vontade, mas já não assim se o terceiro vier aceitar as estipulações dessa convenção de competência. As tomadoras do contrato e a seguradora ré elegeram a lei portuguesa como lei reguladora do negócio jurídico em causa o que teve em conta o facto de a generalidade dos clientes do Bancos do GES serem cidadãos portugueses ou entidades interessadas em investir em empresas portuguesas, e o mesmo se passa quanto à eleição do tribunal português como competente. Defende que a competência internacional do Tribunal português decorre do pacto atributivo de jurisdição e da adesão mesmo manifestada pela entidade lesada. O seguro dos autos é um daqueles casos relativamente aos quais o Regulamento (EU) nº 1215/2012 admite a celebração de um pacto de jurisdição e o tribunal português foi o escolhido pela própria ré no condicionalismo específico da relação negocial em causa.

4Após vicissitudes processuais várias, com anulação de uma primeira sentença e acórdão da Relação que sobre ela recaiu, foi ordenada a citação da ré.

5Por despacho de 10/10/2022, foi proferido saneador/sentença que decidiu:
Assim, não podendo a Autora prevalecer-se da escolha de jurisdição constante do contrato de seguro, nos termos das disposições citadas e do art. 99º nº 1 do C.P.C., julga-se verificada a incompetência absoluta deste tribunal para conhecer da acção e procedente a excepção invocada, absolvendo-se a Ré da instância.

Fixa-se à acção o valor indicado pela Autora por se mostrar conforme ao critério legal (arts. 297º e 306º do C.P.C.). * (1 757 053,71€)

Custas pela Autora (não é devida taxa remanescente – cfr. art. 6º nº 8 do R.C.P.).”

6Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I-Com a presente acção, a A. pretende exercer contra a Ré Z. Insurance, na sua qualidade de garante da primitiva responsável, a responsabilidade civil por danos sofridos em resultados de actos e omissões praticados pelo Dr. HC, na qualidade de director e membro da Comissão Executiva do Espírito Santo Bankers Dubai, no âmbito de um contrato de gestão discricionária celebrado com A.;
II-Invocou a A., para tanto, os factos relatados na petição inicial (pi), designadamente o contrato de seguro celebrado ente a ESFG (como tomadora) e a ora Ré (como seguradora), segundo o qual tinha sido transferida para esta última a responsabilidade civil de directores e administradores da ESFG, do BES e outros bancos controlados pela mesma ESFG, por actos praticados no exercício das suas funções;
III-Tal seguro (dito de “responsabilidade de administradores e dirigentes”) estava titulado pela apólice n.º FD 1410488, junta pela A. aos autos;
IV-Nesse documento, as outorgantes estipularam que o contrato em causa seria “interpretado de acordo com o regulado somente pela lei portuguesa”;
V-E ainda que qualquer litígio resultante de ou relativo ao mesmo “está sujeito à jurisdição exclusiva dos tribunais portugueses”;
VI-Com a propositura da presente acção em tribunal português, a A. aceitou tacitamente o pacto de jurisdição firmado inicialmente entre as tomadoras e a seguradora;
VII-Pacto esse inteiramente válido, quer face ao disposto no nº 1 do artigo 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012 (parcialmente transcrito no ponto 2 do capítulo B) da presente alegação (fls. 6));
VIII-Quer perante a lei portuguesa;
IX-Sendo certo que o referido Regulamento (UE) n.º 1215/2012 – que continua a aplicar-se ao caso “sub-judice”, não obstante o Reino Unido ter saído da União Europeia – prevalece sobre as regras de competência internacional previstas no CPC (como tudo vem reconhecido, aliás, no douto saneado recorrido);
X-Ora, o artigo 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, estabelece que as partes (de um contrato), “independentemente do seu domicílio”, podem convencionar “que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada relação jurídica (. . .)” – salvo as excepções previstas naquele preceito, como a da nulidade substancial do pacto, e as do nº 4 do mesmo artigo 25º (que nenhumas se verificam no caso “sub-judice”; nem sequer foram invocadas pela Ré e ora recorrida);
XI-E, por outro lado, a situação dos autos é uma daquelas em que as partes podem derrogar a competência jurisdicional em matéria de seguro, nos termos do artigo 15º, 5) do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 – por se tratar de acordo que diz respeito a um contrato de seguro que cobre um ou mais dos riscos enumerados no artigo 16º;
XII-Entre os quais os “grandes riscos” definidos na Directiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2009;
XIII-Como seguro de responsabilidade civil (assim qualificado expressamente na respectiva apólice) o contrato dos autos inclui-se nos “grandes riscos” definidos por aquela Directiva – número 13 do respectivo anexo I);
XIV –A responsabilidade civil, como fonte de obrigações, “ocorre quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outrem” (Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12º ed., Almedina, págs. 517 e 518) – correspondendo, por conseguinte, à
“obrigação de indemnizar” a que se refere o artigo 483º do Código Civil;
XV- No caso “sub-judice”, o contrato de seguro em causa visava precisamente garantir a responsabilidade civil emergente de actos danosos praticados por directores e administradores da ESFG, e de bancos controlados por esta (“subsidiárias”), no exercício das respectivas funções;
XVI-No interesse de terceiros, clientes desses bancos controlados pela ESFG (como era o caso do ESBD);
XVII-É esse o sentido que qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a A., poderia deduzir do texto da apólice e comportamento das respectivas outorgantes (o que se alega tendo em vista o disposto nos artigos 236º, 237º e 238º do Código Civil);
XVIII-Assim, carece de fundamento a alegação constante do douto saneador recorrido de que “as beneficiárias do contrato de seguro em causa são as tomadoras (pois são elas que respondem pelos actos dos administradores perante terceiros/clientes dos Bancos (. . .)”.
Efectivamente:
XIX-As tomadoras do seguro em causa (Espírito Santo Finantial Group,
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT