Acórdão nº 4689/20.6.2T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 12-04-2023

Data de Julgamento12 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão4689/20.6.2T8CBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA)

Relatora: Sílvia Pires
1.º Adjunto: Henrique Antunes
2.º Adjunto: Cristina Neves


Autora: AA

Rés: BB
CC
DD
EE – todas como herdeiras de FF


*

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Autora, pedindo o reconhecimento de que FF é seu pai intentou contra as Rés, como herdeiras daquele, a presente ação de investigação da paternidade, alegando, em síntese, ter nascido em resultado das relações sexuais ocorridas entre a sua mãe e o mesmo.

Contestaram as rés alegando que o direito da autora à propositura da ação já caducou porquanto, pelo menos desde 2008, sabe que o investigando é o seu pai.

Respondeu a autora alegando não ter caducado o seu direito à ação, uma vez que apenas e só a .../.../2020 teve suspeitas e o conhecimento que o falecido era o seu progenitor, ou seja, quando recebeu o resultado do teste de paternidade.

Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente por procedência da exceção da caducidade do exercício do direito da Autora.

*
A Autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. No entender da A. foram incorretamente julgados os pontos 7 e 8 dos factos provados, atendendo que da prova produzida e junta aos autos tal matéria não podia ser dada por provada, devendo sim a matéria de facto constante das al. a) b) c) e) e d) dos factos não provados.
2. Porquanto,
“É objeto do litígio a pretensão da autora de ver declarado que FF é seu pai.”
“É ainda objeto do litígio a caducidade do direito da autora à propositura da ação de investigação da paternidade.”
3. A fundamentação da decisão é apenas alicerçada no depoimento das RR., estando incorretamente julgados os pontos 7 e 8 dos factos provados, foram concatenadas com meios de prova ilegais.
4. E por sua vez, quanto às declarações da A., ora recorrente, considerou o Tribunal a quo que inexistiam quaisquer provas que as corroborasse, e quando corroboradas considera que “desafia as regras da experiência e da lógica”, ou por falta de credibilidade.
5. Não pode o Tribunal a quo dar como provados os pontos 7 e 8 alicerçando a sua convicção em métodos proibidos de prova – escritos do pai A. e carta em violação do sigilo profissional.
6. Salvo o devido respeito, o que desafia as regras da experiência e da lógica, ou peca falta de credibilidade é aquilo que as RR. pretendem fazer crer de que, o Dr. FF, pai da A., pessoa que se encontrava representado por advogado, e que perante as alegadas mensagens que recebia não tivesse ligado ao seu advogado, ou não tivesse tirado fotos às mesmas, ou solicitado as confirmações das respetivas operadoras, ou até tivesse certificado o recebimento das mensagens por notário.
7. O que consta dos autos são meros escritos ora transcrições ora como relatos de resumos, da autoria do pai da A. que como se viu, tudo fez para que essa paternidade não fosse reconhecida, pelo que não poderia ser credível que os escritos fossem fidedignos de alguma mensagem da A. que negou e nega perentoriamente alguma vez ter ligado ou enviado qualquer mensagem àquele. Veja-se depoimento da A. transcrito pag. 4 a 6 das alegações respondeu o seguinte:
18:48
A. Alguma vez, ou em algum momento trocou alguma mensagem, ou mandou, ou telefonou ao Dr. FF?
H. não Dra. Eu nem tinha o número de telefone dele A. tem a certeza disso?
H. tenho a certeza
19:05
8. Ora, e apesar de estar demonstrada que os escritos são da autoria do pai da A., não foi feita qualquer prova de que aqueles escritos correspondiam a mensagens da A. ou telefonemas. Como pode o Tribunal concluir e dar certezas de que aqueles escritos correspondem a mensagens da A. sem que tenha sido produzida qualquer prova nesse sentido? Sem que alguém tenha confirmado que aquela tratou em 2008 como pai, pois que ninguém o afirmou.
9. Pois que, o disposto no artigo 374º do CC, refere-se a letra e assinatura.
Sendo substancialmente diferente referir-se à veracidade do teor do que se deixa escrito. Isto é, confundiu, quanto a nós o Tribunal, a veracidade da letra pertencer ao Sr. FF, com a veracidade dos seus escritos. Ou assim não fosse, e qualquer um de nós escreveria o que queria e simplesmente por se reconhecer a letra de determinada pessoa, a fabulação que ali escrevera passa a ser realidade.
10. Salvo o devido respeito mal andou o Tribunal ao quo quando refere que:
“peritada a letra das transcrições das mensagens pelo falecido, conclui o laboratório de polícia científica da polícia judiciária ser muitíssimo provável que as tais transcrições fossem da autoria de FF.”
11. O que resulta da peritagem é que “admite-se como muitíssimo provável que as escritas suspeitas dos dizeres (docs 1 a 3), sejam da autoria de FF”.
12. Assim, mal andou o Tribunal ao considerar o termo “transcrições”, porquanto conforme resulta in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008- 2021, https://dicionario.priberam.org/transcri%C3%A7%C3%B5es:
1. Acto ou efeito de transcrever.
2. Trecho transcrito.
3. Redução de um sistema de escrita a outro (ex.: transcrição fonética).
4. [Direito] Registo de um acto feito num suporte oficial apropriado (ex.: transcrição de um casamento, transcrição de um imóvel).
5. [Genética] Cópia de uma sequência de ADN para uma sequência que corresponde a um filamento de ARN.
6. [Música] Arranjo de uma obra para um instrumento para que não foi originalmente escrita.
E não podia o Tribunal a quo dar como provado que tais escritos correspondiam ao acto ou efeito de transcrever, pois que, se trataria de um facto não alicerçado na prova testemunhal ou qualquer outra produzida em sede de discussão e julgamento.
13. Assim, tal ponto não deve constar da motivação e consequentemente inexiste qualquer possibilidade de “concatenação das declarações de parte com o resultado da perícia à letra do falecido (…)”.
14. A que acresce ainda mais o facto de ser dado como provado em 8:
“Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada com o propósito de vir a ser declarada filha de FF”.
15. A A. confirmou que contactou uma advogada, contudo, em momento algum resulta do depoimento da mesma que o seu propósito fosse o de “vir a ser declarada filha”. Tal conclusão extravasa aquilo que a A. referiu nas suas declarações que, conforme transcrição pg. 9 das alegações:
[00:25:04]
“H. não, a Dra. GG trocou cartas com, eu não sei se for com o Sr. Dr. FF se foi com algum advogado, eu penso que foi com o Dr. FF, que eu que queria fazer os testes uma vez que a minha mãe me tinha dito em 2006/2007 que poderia ser ele o meu pai e ai eu fui ter com a dra. GG, e ela escreveu penso que foi para o Dr. FF a pedir os exames”
[00:25:36]
16. Ora como bem resulta deste depoimento a A. queria fazer o exame pois não tinha certezas, pois que se as tivesse naturalmente que qualquer advogado avançaria com ação e não com meras cartas.
17. Acresce que, no ano de 2006 e 2007 não existia qualquer prazo para instauração da ação de reconhecimento da paternidade conforme Ac. do Tribunal Constitucional 486/2004 em plenário 11/2005 DECLAROU COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL nº.1 do artigo 1817 do Código Civil aplicável por força do 1873. Assim, de 2005 até Abril de 2009 data de entrada da nova redação não existiu qualquer prazo para propositura da ação de reconhecimento da paternidade.
18. Sendo que, é precisamente no ano de 2008 que mãe e pai da A. lhe dão conhecimento de que este não podia ser o seu pai, assim, perante tal relato não podia a A. ter qualquer conhecimento de factos e circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
19. Tendo o Tribunal a quo chegado a tal conclusão pelo teor da carta que a advogada alegadamente endereçou ao Dr. FF. Quanto à valoração do depoimento da Dra. GG, é alicerçar-se em meios de prova proibidos – nos termos 135 do CPP e 92 nº.5 e 81 nº.5 EOA – Estatuto que é lei e que proíbe a valoração de prova em violação do sigilo – atendendo que se encontra junto aos autos despacho da OA em que proíbe a prestação de declarações em violação do sigilo.
20. Assim, se a Sra. Advogada estava sujeita ao sigilo não podia ter confirmado qualquer carta, pois estava impedida de o revelar. Escusando-se, depois, no segredo profissional quando instada sobre o período temporal em que patrocinou a ora recorrente.
21. Não é minimamente credível que uma advogada envie carta em representação de uma constituinte sua, e não mais queira saber de diligências que tenham ocorrido em consequência do envio dessa mesma missiva, como admitiu – conforme transcrição de pg. 10 a 14 das alegações que aqui se dão por reproduzidas e cujos excertos aqui resumimos.
22. Constituindo prova proibida a valoração do depoimento testemunhal da advogada porque violador do respetivo dever de sigilo profissional.
GG
(MINUTO 00:00:00 A MINUTO 00:12:36)
[00:01:40)
T. Juro que digo a verdade. Quero só salientar que se for assunto que tenha a ver com a minha actividade profissional, ou com qualquer tipo de intervenção que eu tenha tido de apoio jurídico à D. AA, eu não posso, sobre isso não posso prestar declarações porque sou obrigada a sigilo profissional e eu pedi à ordem dos advogados e eles negaram a quebra do sigilo profissional.
J. A Sra. Dra. Pediu antes de ser testemunha, tem consigo o documento?
T. Tenho.
J. E foi negado, é o que está a dizer?
T. Eu não sabia, eu não sabia, assim como não sei agora, qual é…
J. Muito bem…
T. O motivo da minha chamada ao Tribunal. Mas podendo adivinha que teve alguma coisa a ver com alguma intervenção, algum apoio que eu tenha tido com a D. AA, se for relacionado com isso, não posso prestar declarações, estou obrigada ao sigilo profissional.
J. Muito bem. Vamos então aguardar pelas perguntas. A Sra. Dra. em função das perguntas logo tomará a posição que entender.
[00:02:38]
[00:03:00]
A. Dra. Eu tenho aqui uma carta, vou-me … impercetível porque isto já está no processo, não é?
Está aqui no processo, uma carta que a Sra. Dra. Escreveu, terá
...

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