Acórdão nº 4660/21.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20-04-2023

Data de Julgamento20 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão4660/21.0T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

AA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da ré no sentido de serem atribuídas ao autor as fracções autónomas e bens móveis que integram uma delas.
Para tanto, alega, em síntese, que autor e ré foram casados entre si, tendo o divórcio sido decretado em .../.../2021; ainda em data anterior ao divórcio, subscreveram um documento que configura uma promessa bilateral de partilha do património comum do casal, que a ré não cumpre.

Devidamente citada, a ré contestou, por impugnação e por excepção.
Respondeu o autor à matéria de excepção.

Finda a fase dos articulados, entendeu o Tribunal que o processo devia findar no despacho saneador, por já estar em condições de conhecer do mérito.
Assim fez, considerando que a única questão a dirimir era saber se é nulo o contrato promessa, nomeadamente, se está determinado ou é determinável o objecto do contrato prometido.
E foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1- No contrato promessa celebrado entre o autor e a ré, encontra-se devidamente identificado o contrato prometido e discriminados os bens que compõem o património comum do ex casal.
2- A identificação dos bens a partilhar constante do contrato promessa permitia a execução das obrigações assumidas com a outorga do referido contrato promessa.
3- Ainda que se perfilhasse o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa mencionado pelo tribunal a quo na sentença, sempre se chegaria à conclusão de que o contrato promessa em questão tinha descritos os seus elementos mínimos essenciais.
4- A sentença recorrida procede a um incorrecto julgamento da matéria de direito, fazendo uma errada interpretação dos artigos 410º e 830º do Código Civil, ao atribuir ao contrato promessa de partilha pressupostos que não estão previstos na lei.
5- O contrato promessa celebrado entre o autor e a ré preenche todos os requisitos previstos na lei, devendo por isso ser considerado válido.

Não foram oferecidas contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a questão a decidir consiste em saber se o contrato promessa celebrado pelas partes é nulo, por indeterminação do objecto do contrato prometido.

III
A sentença considerou provados os seguintes factos:

A) A O autor e a ré contraíram casamento civil no dia 9 de Abril de 2007, no regime da comunhão de adquiridos.
B) O autor e a ré desentenderam-se e em 2013 decidiram separar-se de facto.
C) O autor e a ré celebraram um contrato promessa de partilha, no qual elencaram como bens comuns do casal os seguintes:
-prédio urbano composto de fracção autónoma, tipo T2, destinado a habitação, designada pela letra ..., correspondente ao ... andar, sito em Travessa ..., ... ..., ..., inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...70 da freguesia ...;
-prédio urbano composto de cave, destinado a garagem, designado pela letra ..., sito em Travessa ..., ... ..., ..., inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...70 da freguesia ...;
-veículo automóvel de marca ..., modelo ... ..., com matrícula SZ ...... (CH);
-bens móveis que compunham o recheio da casa de morada de família;
-dívida ao Banco 1..., correspondente à aquisição do prédio destinado a habitação.
D) Desse contrato ficou a constar que ambos os prédios urbanos seriam adjudicados ao autor, devendo a ré entregar-lhe as respectivas chaves.
E) A dívida ao Banco respeitante à aquisição do prédio urbano ficou também ela prometida adjudicar ao autor.
F) A ré ficaria com o veículo automóvel que pertencia ao casal.
G) No decurso do processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, o autor e a ré aceitaram converter o divórcio em mútuo consentimento.
H) Nessa altura, ambos declararam inexistirem bens comuns do casal e casa de morada de família.
I) O divórcio entre o autor e a ré foi decretado por sentença datada de 10 de Março de 2021.
J) A ré opõe-se a realizar a partilha de acordo com o contrato promessa que outorgou.

IV
Conhecendo do recurso.

Está aqui em causa um contrato promessa de partilha celebrado entre autor e ré, ou seja, “a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato” (art. 410º,1 CC). Os contraentes querem comprometer-se para o futuro sobre a forma como a partilha vai ser feita. Dizendo de outra forma, querem deixar a partilha logo feita naquele momento, embora só surta os seus efeitos após o divórcio.
Como escreve Guilherme de Oliveira, in RLJ, nº 3870, anotação ao acórdão do TRC de 28/11/1995, “os cônjuges pretendem comprometer-se a dividir os bens comuns de uma certa forma e esperam que depois da dissolução do casamento, ambos celebrem a escritura prometida. Como é óbvio, os efeitos reais só se produzem por força deste contrato, embora esses efeitos estejam predeterminados, prometidos, pelo contrato-promessa feito antes do trânsito em julgado da sentença de divórcio.
A vontade real dos cônjuges formulada num contrato-promessa de partilha de bens há-de ser pesquisada no texto e no contexto do próprio contrato (Acórdão TRL de 20/5/2008).
Recorrendo aqui ao auxílio de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in obra citada, fls. 442 e seguintes, “o simples contrato promessa de partilha é válido, independentemente de os cônjuges se encontrarem em processo de divórcio. Ao celebrarem um contrato-promessa de partilha de bens comuns, os cônjuges nem alteram as regras que valem acerca da propriedade dos bens, dentro do seu casamento, nem modificam as normas aplicáveis à comunhão (contra o art. 1714º,1); e também não modificam o estatuto de qualquer bem concreto (contra o art. 1714º,2, e contra o entendimento amplo do princípio da imutabilidade). Aquele negócio tem apenas como efeito a promessa de imputar os bens comuns concretos, que o...

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