Acórdão nº 463/21.0T8MMN-G.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30-03-2023

Data de Julgamento30 Março 2023
Ano2023
Número Acordão463/21.0T8MMN-G.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Proc. n.º 463/21.0T8MMN-G.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. Por apenso ao processo de insolvência em que foi declarada insolvente (…), Lda., veio o Ministério Público, em representação da Administração Tributária, requerer a abertura “oficiosa” do incidente da qualificação da insolvência como culposa.
Alegou, em resumo, que “até à presente data nenhum credor, nem o Administrador da insolvência suscitou a questão da (eventual) qualificação da insolvência como culposa, encontrando-se já decorrido o prazo para o efeito” mas que o juiz pode, oficiosamente, declarar aberto o incidente desde que o processo contenha os elementos suficientes, como no caso se verifica.

2. Os credores e o Administrador da insolvência, notificados do requerimento, ficaram em silêncio.

3. Seguiu-se despacho no qual, designadamente, se consignou:
(…) no caso dos autos, o Ministério Público pede a declaração de abertura do incidente pleno de qualificação da insolvência, alegando que o juiz o pode fazer oficiosamente. Não apresentou alegações, nem indicou as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação e não apresentou esse requerimento no prazo de 15 dias após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º.
Quanto à iniciativa do juiz para declarar a abertura do incidente pleno de qualificação da insolvência, o Tribunal subscreve na íntegra os fundamentos acima transcritos do Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão supramencionado. Fora do caso previsto no artigo 39.º do CIRE não é legalmente ao juiz declarar oficiosamente a abertura do incidente de qualificação de insolvência (logo, do incidente pleno).
Acresce que é o Ministério Público que está a desencadear a apreciação da questão, pelo que, ainda que o Tribunal tivesse entendimento diferente, a verdade é que a iniciativa processual sempre estaria a ser do Ministério Público e não do juiz.
Por fim, e ainda que se pudesse considerar que o requerimento do Ministério Público consistiria nas alegações a que alude o artigo 188.º, n.º 1, do CIRE (eventualmente sujeitas a um convite ao aperfeiçoamento), a verdade é que (…) o requerimento apresentado é extemporâneo e legalmente inadmissível face à natureza perentória do prazo previsto no artigo 188.º, n.º 1, do CIRE.
Por outro lado, a declaração de abertura do incidente de qualificação da insolvência oficiosa, por iniciativa do juiz, apenas está prevista nos casos de incidente limitado, nos termos dos artigos 39.º e 191.º do CIRE, não sendo já possível atuar nesses termos, uma vez que a sentença foi proferida em 12-10-2021, não tendo aí sido declarado aberto o incidente limitado de qualificação da insolvência.
Por todo o exposto e ao abrigo das supracitadas normas – artigos 39.º, 188.º, n.º 1 e 191.º do CIRE – indefere-se liminarmente o requerimento apresentado pelo Ministério Público, por inadmissibilidade legal e extemporaneidade, recusando o Tribunal a requerida abertura do incidente pleno de qualificação de insolvência.”

4. O Ministério Público recorre deste despacho e conclui assim, a motivação do recurso:
“A. Em 06.10.2022, o Ministério Público expôs ao tribunal a existência de factos significativos que poderiam sustentar a declaração de abertura de incidente de qualificação da insolvência por iniciativa do juiz.
B. E, uma vez que nenhum interessado, nem o Sr. Administrador de Insolvência suscitou qualquer questão quanto à qualificação da insolvência como culposa, tal não obstava a que o juiz o fizesse “ …por sua própria iniciativa, e desde que o processo contenha elementos suficientes para a suportar, decidir a abertura” (cfr. Carvalho Fernandes, Luís A. e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição Atualizada, Quid juris, págs. 687 e 688, anotação 8).
C. Invocou para tanto que tal possibilidade – no silêncio dos interessados e do Sr. Administrador de Insolvência – decorre do poder oficioso do juiz consagrado no artigo 11.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, bem como da lógica processual, porquanto “Desde logo, se o juiz, pode numa fase precoce do processo – momento da declaração da insolvência - optar por abrir o incidente, não se vê porque recusar esse poder no quadro do artigo 188.º, numa altura em que, a própria marcha possa ter revelado factos significativos …”, bem como “Ora, se bem avaliarmos, o poder de, (…) mandar prosseguir o incidente justifica, só por si, que não fique vinculado a não abrir o incidente quando ninguém alegou nada.” (idem).
D. Nesse requerimento – o qual não estava sujeito à disciplina do artigo 188.º do CIRE – o Ministério Público elencou apenas alguns factos significativos no sentido de justificar a intervenção oficiosa do juiz, a saber:
i) “O aqui administrador de insolência teve dificuldades no acesso à informação contabilística a qual deu entrada apenas em 24.01.2022, sendo que, a entidade foi declarada insolvente a 13.10.2021”;
ii) “O aqui AI deslocou-se junto do referido terreno onde viu que apenas existe o terreno virgem, tenso este apenas sofrido uma terraplanagem de nivelamento de terras. Pela contabilidade se apura existirem várias faturas de arquitetura de valores elevados, serviços que não passaram do papel”;
iii) “De referir ainda transferências/levantamentos pelo gerente da insolvente (…): (…) não obstante existirem outras transferências para o gerente referentes possivelmente a salários, apuraram-se, pelo demonstrado, milhares de euros em transferências.”;
iv) “… a autora celebrou um contrato de arrendamento urbano no nome da sociedade insolvente para fins habitacionais para a morada do gerente e do seu agregado familiar, onde aqui a insolvente (…), Lda. suportaria uma renda mensal de 2.100,00 (anexo i).”.
E. Terminou o Ministério Público solicitando a declaração de abertura do incidente ex officio.
F. O tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento apresentado por inadmissibilidade legal e extemporaneidade, recusando a requerida abertura do incidente pleno de qualificação de insolvência, justificando que “a declaração de abertura do incidente de qualificação da insolvência oficiosa, por iniciativa do juiz, apenas está prevista nos casos de incidente limitado, nos termos dos artigos 39.º e 191.º do CIRE, não sendo já possível atuar nesses termos, uma vez que a sentença foi proferida em 12-10-2021, não tendo aí sido declarado aberto o incidente limitado de qualificação da insolvência”.
G. Afigura-se-nos que a circunstância de nenhum credor, nem o Administrador de Insolvência ter suscitado a questão da (eventual) qualificação da insolvência como culposa, tal não significa que não se possa nos autos apreciar a questão da natureza culposa da insolvência, declarando-se a abertura do respetivo incidente.
H. Tal será sempre possível, oficiosamente pelo juiz, em face do disposto no artigo 11.º do CIRE e se os autos contiverem os elementos necessários que justifiquem essa declaração.
I. Um entendimento contrário será reduzir um poder que a lei parece atribuir ao juiz.
J. Desde logo, se num momento prematuro do processo – momento da declaração da
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