Acórdão nº 46/20.2T8AGN.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 07-11-2023

Data de Julgamento07 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão46/20.2T8AGN.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA)
Relator:
Carlos Moreira
Adjuntos:
João Moreira do Carmo
Rui Moura

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

No processo de inventário em epígrafe em que são interessados AA, BB e CC, foi proferido o seguinte despacho:

«Nos presentes autos de inventário por óbito de DD, foi nomeada cabeça-de-casal EE.

Comprovado que foi o respectivo óbito, foi nomeado cabeça-de-casal CC, por ser o filho mais velho do inventariado.

Citados para os termos do presente Inventário, os interessados AA e BB vieram impugnar a competência do cabeça-de-casal requerendo a nomeação do interessado AA para exercer tais funções.

Invocaram, para o efeito, que: com o falecimento do cônjuge sobrevivo, os Interessados, na qualidade de filhos do Inventariado, são todos descendentes em igualdade de grau, pelo que beneficiam, em princípio, da mesma proximidade derivada do grau de parentesco; refere a lei que havendo o mesmo grau de parentesco, “preferem” os que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte, e se todos se encontrarem em iguais circunstâncias, “prefere” o herdeiro mais velho; no presente inventário nenhum dos Interessados vivia no mesmo domicílio do Autor da Herança, mas há circunstâncias que importam ter em consideração: o Interessado, agora nomeado Cabeça de Casal, apesar de ser filho do Inventariado, nunca teve qualquer contacto ou relacionamento com o pai ou com a família do pai; os interessados AA e BB, só tiveram conhecimento da existência deste irmão, após a morte do Inventariado; aquele nunca esteve presente em qualquer momento (bom ou mau) da vida do falecido seu pai, não o visitou aquando da sua doença que o hospitalizou no período que precedeu a sua morte, nem tentou saber do seu estado de saúde, nem mesmo esteve presente no seu funeral; foram sempre os interessados AA e BB que estiveram presentes na vida do Inventariado; embora não habitando na mesma casa, o Interessado AA vive a poucos metros da casa onde o Autor da herança, seu pai, viveu os últimos anos da sua vida, e onde diariamente se deslocava para em conjunto com este, o auxiliar na sua vida diária; era o Interessado AA quem auxiliava o seu pai nas deslocações ao supermercado, nas idas ao médico, quem supervisionava a toma da medicação quando esta era necessária, sendo frequente a realização de refeições em conjunto; foi o Interessado AA, quem esteve presente quando o seu pai foi hospitalizado, e quem diariamente o visitou e auxiliou nos últimos dias de vida, levando para junto de si a sua mãe, para que esta não ficasse sozinha; é o ora Interessado AA quem se encontra em melhores condições para exercer e desempenhar as funções de Cabeça de Casal; tem sido o Interessado AA, inicialmente coadjuvando a sua mãe e agora sozinho, quem após o falecimento do Inventariado tem vindo a actuar sobre o património, garantindo o pontual cumprimento das obrigações da herança aberta por óbito do seu pai, em suma, quem tem sempre exercido o cabeçalato de facto, por força da proximidade estabelecida; o Interessado AA, por sempre ter estado presente na vida do Inventariado, tem o maior conhecimento da realidade da vida do autor da herança e do património e responsabilidades que este deixou.

Notificado o cabeça-de-casal para, em 10 dias, contestar, querendo, o incidente, o mesmo nada disse.

Cumpre decidir.

Nos termos do art. 2086.o do Código Civil, o cabeça-de-casal pode ser removido, sem prejuízo das demais sanções que no caso couberem, se: dolosamente ocultou a existência de bens pertencentes à herança ou de doações feitas pelo falecido ou se, também dolosamente, denunciou doações ou encargos inexistentes; se não administrar o património hereditário; se não cumprir no inventário os deveres que a lei do processo lhe impuser; ou se revelar incompetência para o cargo…

Cumpre, desde logo referir que o interessado CC foi nomeado cabeça-de-casal em cumprimento da escala hierarquizada estabelecida no art. 2080o do Código Civil segundo a qual se defere ex lege o cargo de cabeça-de-casal. O mesmo é herdeiro legal do falecido, os demais herdeiros legais têm o mesmo grau de parentesco e, em igualdade de de circunstâncias, é o mais velho dos três.

Por outro lado, os requerentes não invocam que qualquer deles vivesse “com o falecido há pelo menos um ano à data da morte”, conforme prevê o art. 2080o, n.o 3 do Código Civil. Pelo contrário, afirmam que “no presente inventário nenhum dos Interessados vivia no mesmo domicílio do Autor da Herança”.

Não cumpre aferir, a priori e em abstracto, se o cabeça-de-casal legalmente indicado é a pessoa que está em melhores condições para exercer as referidas funções.

Conforme salienta Capelo de Sousa “Esta instituição legal permanece, nos termos do art. 2082o, mesmo que o indigitado seja incapaz, só que então exercerá as funções de cabeça-de-casal o seu representante legal” – Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, Coimbra Ed., 2002, p. 43.

Assim, exceptuado o caso previsto no art.o 2083.o do C. Civil, o juiz não pode subverter a ordem estabelecida no art. 2080.o do Código Civil, nomeando pessoa diversa daquela que dessa ordem resulta. E nomeado o interessado a quem o cargo couber, para além do seu decesso, o mesmo só pode ser removido do cargo nos casos estabelecidos pelo art.o 2086.o do C. Civil.

Contudo, a factualidade invocada pelos interessados requerentes não se subsume a qualquer dos mencionados fundamentos, termos em que se indefere a requerida remoção das funções do cabeça-de-casal.

Custas pelos requerentes do incidente com 1 UC de taxa de justiça, cada um.»

2.

Inconformados recorreram os interessados AA e BB.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A - O presente Recurso de Apelação, tem por objeto a Decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Juízo Local Cível ... – Juiz ..., que indeferiu o Incidente de Impugnação das Competências do Cabeça-de-Casal requerida pelos ora Recorrentes;

B – Impugna-se tal Decisão na medida em que esta padece de vício notório na apreciação dos factos e consequentemente no direito aplicado.

Senão vejamos:

C - Entendeu a Mma Juiz a quo que:

“No caso dos autos, os interessados AA e BB vieram impugnar a competência do cabeça-de-casal requerendo a nomeação do interessado AA para exercer tais funções. Cumpre, desde logo referir que o interessado CC foi nomeado cabeça-de-casal em cumprimento da escala hierarquizada estabelecida no art. 2080º do ...

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