Acórdão nº 4597/19.3T8OER.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 13-01-2022

Data de Julgamento13 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão4597/19.3T8OER.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.



1.–RELATÓRIO.


Elsa …, em representação de Margarida …, sua filha menor, propôs contra Joaquim …, pai desta, esta ação de prestação de contas pedindo que o mesmo preste contas de todos os movimentos e actos de uma conta bancária da filha de ambos, e se declare a A movimentadora conjunta da mesma conta, com fundamento, em síntese, em que o R movimentou essa conta na qual se encontrava depositada quantia que foi doada pelo avô paterno para uma conta deste.

Citado, contestou o R dizendo, em síntese, que agiu de acordo com a vontade do avô da filha, seu pai, que sempre afirmou que aquele dinheiro era dele, pedindo a improcedência da ação, a absolvição do pedido e a condenação da A como litigante de má-fé.

Findos os articulados, sem realizar audiência de discussão e julgamento o tribunal a quo proferiu sentença, julgando a ação procedente, determinando que o R apresente contas no prazo de vinte dias, sob pena de não poder contestar as que a A apresente, absolvendo a A do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Inconformado com essa decisão o R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a marcação de audiência de discussão e julgamento, com a apreciação normal da produção de prova testemunhal e documental, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
§a.-A autora interpôs a presente acção de prestação de contas, pedindo, a final, a condenação do réu;
§b.-O réu, ora recorrente, apresentou a sua Contestação, alegando, e em resumo, que nenhumas contas poderia prestar porque o dinheiro não era seu, mas sim do seu Pai, avô paterno da Margarida;
§c.-Prosseguindo os posteriores termos do processo, foi dada sentença sem a realização da audiência final de discussão e julgamento, e, consequentemente, sem a audição das testemunhas arroladas, nos termos do artigo 195º do C.P.C., i.e.,
§d.-O tribunal a quo deu como provado, entre outros, que: a menor Margarida nasceu no dia 06.06.2007; que, ainda na pendência do casamento entre autora e réu, o avô paterno da Margarida decidiu beneficiar a neta com a quantia de € 101.835,00 (cento e um mil, oitocentos e trinta e cinco euros); que em 30.11.2017 aquele depósito apresentava um saldo de € 102.771,89, com data de vencimento a 12.12.2017 para um prazo de 365 dias; que a autora e réu se divorciaram, entre si, por sentença proferida no Processo de Divórcio sem o Consentimento do Outro Cônjuge nº 293/19.0T8CSC do Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Cascais, transitada em julgado a 12.03.2019, tendo a data de produção dos efeitos sido fixada em 30.06.2018, data da separação de facto do casal; que a 14.12.2017 o réu transferiu o saldo produto financeiro supra referido – à data € 103.573,75, para uma conta aberta em nome de seu Pai, José …; que em 18.12.2017, o mesmo José … subscreveu, no balcão dos CTT de Portalegre, certificados do tesouro CT-Poupança Crescimento no valor de € 115.000,00 (IGCP conta aforro nº …, subscrição nº …), e que este está feito apenas em seu nome;
§e.-Para tal o Tribunal a quo fundamentou, de Direito, entre outros, que o referido acto de disposição patrimonial (depósito feito em 10.12.2015 em nome da Margarida) configura uma doação pura – artº 951, nº 2 do C.C., que não foi revogada - cfr. artºs. 970º e seguintes do C.C.; concluindo que tal verba em causa, depositada em nome da Margarida a 10.12.2015, passou a constituir um bem da Margarida, que o réu, em 14.12.2017, movimentou a totalidade do depósito feito em nome da filha (€ 103.573,75) para uma conta do seu pai, avô paterno da Margarida, e que, 4 dias depois (a 18.12.2017) o avô paterno da Margarida subscreveu, no balcão dos CTT de Portalegre, Certificados do Tesouro CTPoupança Crescimento no valor de € 115.000,00, e que naqueles certificados a Margarida não consta como titular ou beneficiária;
§f.-Mais sustenta que é irrelevante que a autora tenha tido conhecimento desse facto ou não, bem como é indiferente que o pai da margarida tenha agido em cumprimento de instruções do pai deste – avô da Margarida;
§g.-Em resultado, o Tribunal a quo, e com o devido respeito, andou mal, incorrendo em contradição nos seus argumentos/fundamentação, porquanto se esqueceu de que a primeira aplicação terminava a sua vida útil em dezembro de 2017, e, como tal, forçosamente o dinheiro teve que ser resgatado (não esquecer que a Margarida é menor e não podia ficar com o dinheiro nas suas mãos;
§h.-Esqueceu-se, ainda, o Tribunal a quo, de que a conta onde a primeira aplicação foi feita, estava em nome da Margarida e em nome do réu, ora recorrente;
§i.-Que daí, forçosamente decorre que, si tivesse havido alguma doação pura – como insiste o tribunal a quo -, foi aos dois titulares da conta, e não apenas à um deles, pois havendo uma conta titulada por duas pessoas, presume-se que o depósito é dos dois titulares, e não de um.
§j.-Que em vez de atentar na execpção dilatória de ilegitimidade do réu, o tribunal a quo proferiu uma sentença que incorre num erro fáctico e que desembocará, inevitavelmente, numa impossibilidade prática, e que é, a de que, reconhecendo que o dinheiro em questão não é do Pai do réu, ora recorrente, é impossível a este prestar contas de um dinheiro que nunca lhe pertenceu.
§k.-O réu deveria ter sido considerado parte ilegítima da acção, já que esta deveria ter sido posta não contra o avô paterno da Margarida, o que constitui uma excepção dilatória, que, como se sabe, é de conhecimento oficioso.
§l.-Desta inércia do tribunal a quo decorre que, a condenar o réu, como o fez, este nenhumas contas pode prestar a não ser aquelas que já prestou nos autos.
§m.-Donde proferiu uma sentença inócua, por inútil, no seu alcance prático.
§n.-Se o tribunal a quo tivesse conhecido oficiosamente tal excepção, a autora teria posto a acção contra o Pai do ré, ora recorrente, que era quem, eventualmente, deveria prestar contas,
§o.-o Tribunal a quo prolatou sentença, da qual se recorre, sem que tivesse realizado a audiência de discussão e julgamento.
§p.-Não obstante a possibilidade legal de decisão sem a verificação de audiência de discussão e julgamento – artigos 195º nº 1 do C.P.C. -., o facto é que tal só pode ocorrer caso não venha a pesar na boa decisão da causa, sob pena de estar ferida de nulidade, atento o disposto no artº. 192º nºs 1 e 2, daquele diploma legal.
§q.-O Tribunal a quo foi alertado pelo réu para a necessidade de observar esse requisito.
§r.-O Tribunal a quo ainda assim decidiu, sem ouvir a testemunha arrolada pelo réu, e que era o seu pai, i.e., quem efectivamente fez as aplicações e quem decidiu levantar ou aplicar o dinheiro.
§s.-O tribunal a quo não atentou no documento junto aos autos pelo réu em 14.12.2020, o qual constitui um verdadeiro testamento ou declaração de última vontade do Pai do réu quanto ao destino a dar ao dinheiro em causa em caso de falecimento.
§t.-O Tribunal a quo, que sempre teve conhecimento desses factos e do documento, nada disse nem valorou.
§u.-O Tribunal a quo – com o devido respeito -, deveria ter ouvido, em audiência de discussão e julgamento, a testemunha arrolada - o Pai do réu -, e cotejar o testemunho com a declaração junta aos autos.
§v.-Em vez disso preferiu dizer ao réu como é que se deveria ter comportado e que deveria ter chamado o seu Pai à razão para não pedir o resgate do dinheiro então aplicado.
§w.-O Tribunal a quo assume que sabe, claramente, que: A) o Pai do réu é que é o dono do dinheiro; B) que é aquele quem tem poderes para decidir o destino do dito dinheiro; e C) sabe, porque junta aos autos, do teor da declaração de última vontade daquele, … e ainda assim decide sem ouvir a testemunha e sem realizar a julgamento.
§x.-Simultaneamente acha que é o réu quem te que prestar contas… d’um dinheiro que o Tribunal sabe que não é seu…
§y.-Tal raciocínio, por estranho, jamais poderia levar a numa boa decisão da causa.
§z.-Requer-se seja alterada a decisão do Tribunal a quo, sendo substituída por outra que declare que a não realização da audiência e consequente omissão da produção da prova influi na boa decisão da causa, e, em consequência, estar a decisão final ferida de nulidade, nos termos do artº. 199º nºs 1 e 2 do C.P.C., cumprindo-se a sua tramitação e seja marcada a audiência de discussão e
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