Acórdão nº 4525/20.3T8FNC-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-27

Ano2022
Número Acordão4525/20.3T8FNC-A.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1.–Relatório

1.1.


A [José ….] e B [Dora …. intentaram ação declarativa de condenação contra C [Gabriel …. e D [Ilda ….], apresentando petição inicial com o seguinte teor[1] :
A, NIF 1.......7, e sua consorte B, NIF 2.......1 (cfr. DOC. 1 – Assento de Casamento n.º 30 do ano de 2007), ambos residentes à Rua ..... ..... ..... de ....., n.º …. Lombo ....., ....-... - São ..... ....., S_____,
vêm propor
ACÇÃO DECLARATIVA EM PROCESSO COMUM
Contra,
C e sua consorte D, NIF 1.......5, ambos residentes à Rua ..... ..... ..... de .....- n.º …, Lombo ....., ....-... - São ..... ....., S_____.
O que fazem nos termos e com os seguintes fundamentos:

I–DOS FACTOS

1.º–Os AA. são donos e legítimos proprietários da quota 874/2340 do prédio rústico com a área de 2340m2, composto por cultura arvense de regadio, construção rural e vinha directa, situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S_____ sob o n.º .../2......7, doravante designado “Prédio A.”. Docs. 2, 3 e 3A
2.º–Os AA. são, ainda, donos e legítimos proprietários do prédio rústico com a área de 2070m2, composto por pastagem e cultura arvense de regadio, situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S_____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S_____ sob o n.º .../2......7, e identificado como Lote n.º 2. Docs. 4 e 5 e vide supra Doc. 3A
3.º–A leste dos prédios AA., confina o prédio rústico dos RR., situado em ...../..... ....., freguesia de São ..... ....., concelho de S_____, inscrito na matriz com o n.º ..., secção n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de S______ sob o n.º .../1......6, e identificado como ./.... Docs. 6 e 7
4.º–Os AA. dedicam-se à actividade agrícola e dos seus prédios retiram produtos frutícolas para consumo próprio e para sua subsistência.
5.º–Sucede que, no passado dia 11 de Julho de 2019, as terras de ambos os prédios dos AA. sofreram um abatimento, tendo decorrido sobre estes derrocadas e deslizamento de terras, provocando vários prejuízos patrimoniais a estes, por acção directa dos RR. decorrente de derivação de água de rega.
6.º–De facto, o RR. C, com a concordância da co-Ré, como já vinha fazendo em dias anteriores, sempre que tinha o giro da água, disponibilizada pela ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., deixava, após regar o prédio dos RR. identificado no supra articulado 3.º, a água sobrante correr para o terreno baldio e não cultivado do Lote n.º 1 do prédio identificado no supra articulado 1.º, na parte não pertencente aos AA. (vide supra Doc. 3A), como resulta da inspeção ao local efectuado por aquela empresa pública (cfr. Docs. 8 a 11 e infra Doc. 12)
7.º–Para além disso, o RR. C, com a concordância da co-Ré, também costumava usar a água do terreno baldio e não cultivado do Lote n.º 1 do prédio identificado no supra articulado 1.º, na parte não pertencente aos AA. (vide supra Doc. 3A), para regar o terreno do Prédio R., deixando mais uma vez a água sobrante a deitar para o dito terreno (vide Docs. 8 a 11).
8.º–Como resulta do teor do Doc. 8, bem como do ofício enviado pela ARM, S.A., em 22/10/2019, com o conhecimento dos AA. (cfr. Docs. 12 e 13), “um regante deve usar a água do respectivo prédio, na hora estipulada no horário de rega e, quando concluir o seu tempo, deverá deixar a água para o regante seguinte, sendo interdito conduzir a água para outros tornadoiros”.
9.º–Efectivamente, da derivação da água efectuada pelo RR. C, com a concordância da co-Ré, para o terreno baldio e não cultivado resultou, no dia 11/07/2019, uma enorme acumulação de água que foi causa de forte deslizamento de terras e de grandes pedras para cima dos terrenos dos AA., identificados nos supra articulado 1.º e 2.º, que quase ameaçou atingir a casa destes, destruindo o sistema de rega, designadamente a sua tubagem, torneiras, terminais, mangueiras, entre outros bens, aí implantados, bem como várias árvores de fruto aí plantados, como se observa pelas fotos constantes do Doc. 8, bem como pelas fotos identificadas como Docs. 14 a 20 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos.
10.º–Os AA. contactaram os RR. para os mesmos tratarem de limpar o terreno e de repor a situação anterior aos factos, não tendo estes nada feito.
11.º–Pelo que, não restou aos AA. para, a expensas suas, limpar os terrenos dos seus prédios, reconstruir muro de suporte (cfr. Doc. 21), substituir todo o sistema de tubagem para a rega e seus acessórios (cfr. Doc. 22), e substituir as árvores destruídas ou gravemente danificadas plantando novas árvores (cfr. Docs. 23 a 25).
12.º–Para tal, ambos AA. necessitaram de trabalhar arduamente para repor a situação anterior, durante 20 dias, o que corresponde um custo de mão-de-obra equivalente a 1.600,00€ (mil e seiscentos euros), que foi calculado da seguinte forma:
- 2 pessoas x 8 horas/dia x 20 dias x 5,00€/hora

13.º–Por forma a repor toda a situação anterior, os AA. tiveram que adquirir, a expensas suas, no valor global de 2.515,00€ (dois mil e quinhentos e quinze euros), o seguinte:
a)-3 rolos de arame plastificado no montante de 45,00€;
b)-40 árvores de fruto de diversas espécies, nomeadamente laranjeiras, limoeiros, ameixieiras, pessegueiros e anoneiras, no montante global de 600,00€;
c)-60 bananeiras no montante de 300,00€;
d)-10 maracujaleiros no montante de 45,00€;
e)-100 bicos com mangueira e ligaduras no montante de 300,00€;
f)-2 rolos de mangueira 20 no montante de 80,00€;
g)-5 uniões de 20 no montante de 20,00€;
h)-4 rolos mangueira 16 no montante de 120,00€;
i)-5 uniões de 16 no montante de 25,00€;
j)-10 torneiras de passagem rápido duplo no montante de 60,00€;
k)-10 torneiras de jardim no montante de 60,00€;
l)-6 relógios automáticos no montante de 90,00€;
m)-Estacas e arame para as latadas e ferros para as espigas, no montante de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros);
n)- 7 T de 20 no montante de 20,00€.

14.º–Resultante dos danos causados e da necessidade de proceder à reposição à situação anterior, os AA., durante 3 (três) meses, nada conseguiram retirar dos seus terrenos qualquer fruto para consumo próprio e subsistência, pelo que devem os RR. indemnizar aqueles, para além do prejuízo causado, como os benefícios que deixaram de obter em consequência da lesão, em montante correspondente a 750,00€ mensais, o que totaliza o valor de 2.250,00€ (dois mil e duzentos e cinquenta euros), nos termos do artigo 564.º do Código Civil.

II–DO DIREITO

15.º–Os RR. bem sabiam que não podiam deixar a água a correr para o terreno baldio e não cultivado e que essa derivação constituição um facto contraordenacional, “ao abrigo da alínea j) do n.º 1 do artigo 22º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2014/M de 16 de dezembro” (vide Doc. 12).
16.º–Os RR. não deviam ignorar essa obrigação de assim que concluísse o seu tempo de rega de deixar a água para o regante seguinte, uma vez que “a acumulação anormal de água nos prédios baldios, pode por consequência provocar danos em prédios e infraestruturas de terceiros, cabendo a responsabilidade civil e material a quem faz o uso indevido da água” (vide Doc. 12), o que sucedeu in casu.
17.º–De facto, da acção dos RR. resultou uma acumulação anormal de água no prédio baldio e não cultivado que provocou, como causa directa, a derrocada e o deslizamento de terras sobre os prédios dos AA., causando os prejuízos supra descritos nos articulados 12.º a 14.º.
18.º–Resulta claramente que a conduta dos RR., para além de ilícita, foi também culposa.
19.º–Donde, atentos os factos provados, verifica-se que resultam reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483° do Código Civil e que constituem os RR. na obrigação de indemnizar os AA., por danos patrimoniais no montante de 6.265,00€ (seis mil e duzentos e sessenta e cinco euros (1.500,03 + 2.515,00€ + 2.250,00€).
20.º–Os AA., por causa dos danos causados resultantes da prática de um facto ilícito e culposo praticado pelos RR., ficaram tristes e amargurados com os danos ocorridos nos seus terrenos, que são cuidados por aqueles há vários anos com muito primor e esforço para colherem os seus frutos para sua subsistência;
21.º–Para além do medo que os AA. tiveram de que novos deslizamentos e derrocadas sucedessem e que as terras e as pedras atingissem a sua casa sita no prédio identificado no supra articulado 1.º (vide Doc. 3A), e causassem, com probabilidade séria, ofensas contra a integridade física dos AA ou de terceiros, fruto da instabilidade dos terrenos.
22.º–Tais factos, no seu conjunto, podem e devem considerar-se graves, merecendo a tutela do direito, sendo, assim, susceptíveis de enquadramento no artigo 496º, nº 1 do Código Civil, constituindo sério dano não patrimonial a tristeza, a amargura e o medo que os AA. sentiram, que não poderá ser compensado com montante inferior a 4.000,00€ (quatro mil euros), atenta a sua gravidade e intensidade e por ser justa e razoável ao caso concreto.
23.º–Sobre todos os montantes acima peticionados, acrescerão os juros moratórios legais, contados desde o facto do ilícito e até efectivo e integral pagamento, nos termos do disposto nos artigos 562.º, 805.º, n.º 2, al. b), e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil.

Nestes termos, deve a presente acção ser considerada procedente, por provado e verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483° do Código Civil, e:
a)-Serem os RR. condenados a indemnizar os AA. pelos danos patrimoniais, no montante de 4.115,00€ (quatro mil, cento e quinze euros);
b)-Serem os RR. condenados a indemnizar os AA.
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