Acórdão nº 4405/21.5T8ALM-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 05-03-2024

Data de Julgamento05 Março 2024
Ano2024
Número Acordão4405/21.5T8ALM-A.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A. Relatório
A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
Por apenso à execução que lhe move Instituição de Crédito, S.A., veio FJSV instaurar os presentes embargos de executado, pedindo, no que agora releva:
XII. Que (…) seja o mesmo [embargante] declarado apenas responsável pela sua quota-parte na herança do falecido executado seu pai – JV –, até ao limite de €24.800,09.
Para tanto, alegou (no que importa para o julgamento do recurso) que:
86. Para efeitos de responsabilização no pagamento da dívida o embargante apenas poderia vir a ser responsabilizado pela quota-parte que lhe coube na partilha; (…)
88. É irrelevante o valor dos bens que lhe foram adjudicados na partilha.
Notificada a embargada, ofereceu esta a sua contestação, manifestando diferente entendimento sobre o limite da responsabilidade do herdeiro embargante.
Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou os embargos parcialmente procedentes, concluindo nos seguintes termos:
Julgo os embargos à execução parcialmente procedentes e determino o prosseguimento da ação executiva quanto ao embargante para satisfação do valor de (apenas) 24.800,08 euros
Inconformada, a embargada apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
C. Conforme resulta da escritura de partilha, além da quota que lhe cabia, o embargante recebeu mais €48.637,81.
D. A interessada que tinha direito a tornas prescindiu das mesmas na escritura celebrada.
E. Pelo que o embargante recebeu assim na partilha o valor de €73.537,88, pelo que deverá ser este o limite da sua responsabilidade, pois foi este o valor que efetivamente recebeu.
O apelado contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão do tribunal a quo recorrida, requerendo, ainda, a junção de documentos supervenientes.
*
Não tendo sido impugnada a decisão respeitante à matéria de facto nem se colocando a questão da sua alteração oficiosa, é inadmissível, por inútil, a junção de documentos para efeitos probatórios na fase de recurso.
Vai indeferido o requerimento de junção de documentos apresentado pelo apelado.
*
A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar
Apenas uma questão é suscitada na alegação de recurso: saber se o herdeiro responde pela dívida do autor da herança na proporção do seu quinhão hereditário ou, diferentemente, na proporção da quota do acervo hereditário que efetivamente recebeu (sem pagamento de tornas).
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B. Fundamentação
B.A. Factos julgados provados pelo tribunal ‘a quo’
1 – No dia 9 de março de 2007, a Instituição de Crédito, S.A. (adiante, Instituição de Crédito), e a TCB, Lda., celebraram, por escrito, acordo de “utilização do Cartão de Crédito X Works”, garantido por livrança (…).
2 – No dia 9 de março de 2007, foi entregue à Instituição de Crédito uma declaração, assinada (entre outros) por JV, na qual consta “(…) autorizamos a Instituição de Crédito a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostrar necessário (…)” (…).
3 – No dia 9 de março de 2007, JV (entre outros) assinou o seu nome no verso da livrança executada (então em branco quanto à importância e data de vencimento), a qual foi entregue à Instituição de Crédito.
4 – Em data não concretamente apurada posterior a 9 de março de 2007, o acordo referido no ponto 1 – factos provados –. deixou de ser cumprido pela TCB, Lda., declarada insolvente em 15 de dezembro de 2014.
5 – A Instituição de Crédito completou o preenchimento da livrança com a importância “6.166,54 euros” e a data de vencimento de “2021-03-30”.
6 – No dia 11 de maio de 2011, morreu JV, no estado de casado, no regime da comunhão geral, com MDV.
7 – No dia 28 de agosto de 2019, MDV e o embargante, enquanto únicos herdeiros de JV, outorgaram escritura de partilha (…).
8 – No dia 31 de março de 2021, a embargada enviou carta ao embargante a declarar vencida a totalidade do crédito emergente do contrato referido no ponto 1 – factos provados – e a fixar o dia 30 de março de 2021 para o vencimento da livrança pelo valor de 61.166,54 euros (…).
B.B. Alteração oficiosa da decisão sobre a matéria de facto
Não obstante terem os autos sido instruídos com diversos documentos autênticos que permitem esclarecer melhor os contornos da relação material controvertida, não foi o seu teor dado por provado e transcrito na decisão respeitante à matéria de facto. Justifica-se, pois, ao abrigo do disposto no n.º 1 e na al. c) do n.º 2 do art.º 662.º do Cód. Proc. Civil, que o tribunal ad quem desenvolva (mais do que altere) a decisão respeitante à matéria de facto, no sentido de do leque dos factos provados passar a constar a factualidade em questão – sobre a admissibilidade da alteração oficiosa, cfr. o Ac. do STJ de 17-10-2019 (3901/15.8T8AVR.P1.S1), bem como António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 357 e 358.
Em face do exposto, é a seguinte a fundamentação deste acórdão, exarando-se em itálico a factualidade agora aditada, julgada provada com base nos documentos autênticos juntos aos autos:
1. Subscrição da livrança (título executivo)
1 – No dia 9 de março de 2007, a Instituição de Crédito, S.A. e a TCB, Lda., celebraram, por escrito, acordo de “utilização do Cartão de Crédito X Works”, garantido por livrança (…).
2 – No dia 9 de março de 2007, foi entregue à Instituição de Crédito, S.A., uma declaração, assinada (entre outros) por JV, na qual consta “(…) autorizamos a Instituição de Crédito a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostrar necessário (…)” (…).
3 – No dia 9 de março de 2007, JV (entre outros) assinou o seu nome no verso da livrança executada (então em branco quanto à importância e data de vencimento), a qual foi entregue à Instituição de Crédito, S.A..
4 – Em data não concretamente apurada posterior a 9 de março de 2007, o acordo referido no ponto 1 – factos provados –. deixou de ser cumprido pela TCB, Lda., declarada insolvente em 15 de dezembro de 2014.
5 – A Instituição de Crédito, S.A. completou o preenchimento da livrança com a importância “6.166,54 euros” e a data de vencimento de “2021-03-30”.
6 – No dia 31 de março de 2021, a embargada enviou carta ao embargante a declarar vencida a totalidade do crédito emergente do contrato referido no ponto 1 – factos provados – e a fixar o dia 30 de março de 2021 para o vencimento da livrança pelo valor de 61 166,54 euros (…).
2. Óbito de JV
7 – Em 11 de maio de 2011, morreu JV, no estado de casado, no regime da comunhão geral, com MDV (adiante, MDV), tendo deixado como descendentes os seus filhos FJSV (adiante, FJSV), ora embargante, e JASV (adiante, JASV).
8 – Em 27 de março de 2016, morreu JASV, no estado de casado com MV no regime da comunhão de adquiridos, tendo deixado como descendentes os seus filhos JFMSV (adiante, JFMSV) e PAMSV (adiante, PAMSV).
9 – Em 20 de outubro de 2016, por escritura pública, JFMSV declarou repudiar a herança aberta por óbito de JASV.
10 – Em 28 de agosto de 2019, MDV e o embargante outorgaram escritura de partilha da herança aberta por óbito de JV, junta aos autos com a petição de embargos, na qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
DOCUMENTO TITULADO POR NOTÁRIO – ESCRITURA PÚBLICA PARTILHA
No dia vinte e oito de agosto de dois mil e dezanove (…) compareceram:
1.º MDV (…).
2.º FJSV (…).
Declararam:
I – Que (…) faleceu a onze de maio de dois mil e onze JV, no estado de casado com MDV, em únicas núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros o cônjuge sobrevivo e os filhos JASV (já falecido) e FJSV, ora outorgantes;
II – Que (…) faleceu a 27/03/2017 JASV, no estado de casado com MV sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo deixado como únicos filhos JFMSV, solteiro, maior, e PAMSV, solteiro, maior;
Que a viúva MV repudiou a herança (…);
Que o filho JFMSV repudiou a herança (…);
Que o filho PAMSV repudiou a herança (…);
Que, em consequência, sucedeu-lhe como única herdeira a mãe, MDV, ora outorgante;
Que, pela presente escritura, os herdeiros na qualidade de únicos interessados, vão proceder à partilha do património comum do casal, que se compõe dos seguintes bens:
VERBA UM – Fração autónoma, destinada a habitação, individualizada pela letra "B", que constitui o primeiro andar – logradouro do lado poente com a área de 138,75m2, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, Denominado Lote 1, Situado (…), concelho de Cascais (…);
Que o prédio se encontra inscrito na matriz da freguesia de (…) sob o artigo (…), sendo de 72.937,90€ o valor patrimonial da designada fração autónoma, que lhe atribuem;
Que se encontra registada uma servidão;
VERBA DOIS – Veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 106, com a matrícula (…), a que atribuem o valor de seiscentos euros;
VERBA TRÊS – Recheio do imóvel mencionado na verba um, (…) a que atribuem o valor de trinta e oito mil euros;
VERBA QUATRO – valores monetários depositados na conta bancária (…) na Instituição de Crédito, no valor de duzentos e sessenta e dois euros e sessenta cêntimos;
VERBA CINCO – coleção de selos, a que atribuem o valor de trinta e sete mil euros;
Somam os bens a partilhar o total de CENTO E QUARENTA E OITO MIL E OITOCENTOS EUROS E CINQUENTA CÊNTIMOS, que se divide inicialmente por dois, constituindo uma das metades no valor de setenta e quatro mil e quatrocentos euros e vinte e cinco cêntimos a meação do cônjuge sobrevivo, representando a outra metade, de igual valor, a herança em causa, que se divide depois em três partes iguais, correspondendo o quociente de vinte e quatro mil e oitocentos euros e oito cêntimos ao quinhão hereditário de cada um deles; nestes termos, a viúva do autor da herança, tem direito ao total de 124.000,41 euros para integral pagamento da sua legítima e meação e o quinhão do seu falecido filho JASV;
E fazem a partilha pelo modo seguinte:
Adjudicam à outorgante MDV os bens
...

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