Acórdão nº 4392/17.4T9AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Número Acordão4392/17.4T9AVR.P1
Ano2022
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 4392/17.4T9AVR.P1


Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:



1. RELATÓRIO
Após realização da audiência de julgamento no Processo Comum Singular nº 4392/17.4T9AVR do Juízo Local Criminal de Aveiro - Juiz 1, foi em 30-06-2022 proferida sentença, e na mesma data depositada, no qual – ao que aqui interessa - se decidiu (transcrição):
(…)
1. Condenar a sociedade “A...,Lda.”, pela prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, p. e p. 105.º, nº1, 4, alíneas a) e b), 6 e 7, aplicável ex vi do artigo 107º, nº1 e 2, ambos do R.G.I.T., e por referência aos artigos e 12º do RGIT e 11º do Código Penal, na pena 150 dias de multa à taxa diária de €2,00, o que perfaz o montante global de €300,00.
2. Declarar a perda do valor de €5415,91 a favor do Estado, condenando “A..., Lda.” a entregar essa mesma quantia aos cofres do Estado.
-
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso a arguida a sociedade “A..., Lda.”, para este tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
CONCLUSÕES:
I. A ora recorrente, salvo o devido respeito e merecido respeito, pelo Ilustre Tribunal a quo subscritor da douta Sentença recorrida, que é muito, não pode aceitar a decisão proferida relativamente à sua condenação na prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 1, 4, alíneas a) e b), 6 e 7, aplicável ex vi do artigo 107º, nº1 e 2, ambos do R.G.I.T., e por referência aos artigos e 12º do RGIT e 11º do Código Penal, na pena 150 dias de multa à taxa diária de €2,00, o que perfaz o montante global de €300,00.
II. Inexiste no processo o pressuposto necessário à punição do crime constante do artigo 107.º do RGIT, constante da al. B) do n.º4 do artigo 105.º do RGIT;
III. O documento de fls. 129, cuja autoria derivada da sua assinatura nos termos do n.º1 do artigo 373.º do Código Civil é de um elemento da Guarda Nacional Republicana, que não tem competência legal para a emissão da notificação determinada pela al. B) do n.º4 do artigo 105.º do RGIT, nem tão pouco deteve ou superintendeu o processo nessa fase, não é apta a ser considerada como efectuada em cumprimento do pressuposto de punibilidade da al. B) do n.º4 do artigo 105.º RGIT, sendo como tal inexistente para esses efeitos.
IV. Não existe nos autos comprovação do cumprimento do pressuposto de punibilidade da al. B) do n.º4 do artigo 105.º do RGIT.
V. O documento de fls. 129, contém informação decisiva na formação da vontade e da consciencialização do seu destinatário, de teor falso (quanto aos valores cujo pagamento é necessário para excluir a ilicitude e quanto aos efeitos do pagamento) e impreciso.
VI. A consideração operada pelo tribunal a quo que funda a matéria de 10 dos factos provados, de que o documento de fls. 129 desempenhou as funções da notificação exigida como pressuposto de punibilidade da alínea b) do n.º4 do artigo 105.º do RGIT, viola o princípio da tipicidade constante do n.º1 do artigo 29.º da CRP;
VII. A existência de informação falsa e imprecisa no documento de fls. 129, que foi considerado pelo tribunal a quo como em cumprimento da al. b) do n.º4 do artigo 105.º do RGIT, cujo destinatário tinha à data 89 anos, viola a própria finalidade teleológica da al. b) do n.º4 do artigo 105.º do RGIT;
VIII. Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo da inexistência de prescrição e factualidade objecto do processo por interrupção da prescrição do procedimento criminal pela constituição de arguidos em 21.03.2018 e da consideração de toda a factualidade como consubstanciadora de um só único crime continuado, a factualidade objecto dos autos anterior a Setembro de 2014 encontra-se prescrita e como tal não deveria ter sido objecto de condenação.
IX. A constituição de arguidos de 21.03.2018 não foi objecto de qualquer intervenção da Autoridade Judiciária competente, previa ou posteriormente ao acto, não havendo assim naquele acto uma manifestação de vontade do exercício da acção penal, que seja inequivocamente adequada a produzir o efeito de interrupção de prescrição do procedimento criminal nos termos e para os efeitos da al.a) do n.º1 do artigo 121.º do Código Penal;
X. A consideração dos três blocos temporais de factualidade que não são seguidos como um crime continuado, viola as regras de punição do crime continuado constantes do n.º2 do artigo 30.º do CP por inexistência na factualidade dos três blocos de uma mesma circunstância exterior, por inexistência de uma actuação homogénea e por inexistência de uma conexão temporal entre os três blocos.
XI. Assim há um crime no primeiro bloco, um crime continuado no segundo bloco e um crime continuado no terceiro bloco;
XII. Tendo havido apenas a notificação perfeita da acusação em 25.01.2022, só a partir desta data é que a prescrição do procedimento criminal encontra-se suspensa nos termos da al. b) do n.º1 do artigo 120.º do CP.
XIII. Pelo que, computando-se os prazos da prescrição acrescido de metade referentes ao primeiro e ao segundo bloco de factos, em data anterior à da suspensão do processo (25.01.2022), o procedimento criminal relativamente a esses factos encontra-se prescrito nos termos das disposições conjugadas do n.º3 do artigo 121.º do CP e do n.º1 do artigo 21.º do RGIT.
XIV. Pelo que só a factualidade de Setembro de 2014 a Fevereiro de 2015, no montante global de €1637,64 (mil seiscentos e trinta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos) é que poderia ter sido objecto do processo criminal e de condenação.
XV. A quantia global objecto do presente processo, conforme decorre dos factos provados (cfr. 5) é de € 5415,91.
XVI. Estando em vigor na data da prática dos factos o n.º3 do artigo 42.º da Lei 110/2009 e sendo a quantia inferior aos 7500€ estatuídos no n.º1 do artigo 105.º do RGIT, aplicáveis por força da remissão do n.º2 do artigo 107.º do RGIT ao crime do n.º1 desse preceito inexistia à data da prática dos factos, um elemento integrador do tipo de crime do artigo 107.º do RGIT pelo qual a arguida foi condenada.
XVII. Sendo aplicável à data da prática dos factos o n.º3 do artigo 42.º da Lei 110/2009, a arguida apenas poderia ser em abstracto condenada pela contra-ordenação constante deste preceito e não pelo crime previsto no n.1º do artigo 107.º do RGIT
XVIII. Aquando da prolação do Acórdão Uniformizador 8/2010 do Supremo Tribunal de Justiça (14.07.2010) o quadro legal normativo relativamente à punibilidade de infracções a normas referentes à Segurança Social, tinha apenas por referência o RGIT (artigos 107.º e 105º);
XIX. No momento da prática dos factos (Setembro de 2013-Fevereiro de 2015- cfr.5 dos factos provados), o quadro normativo em vigor e aplicável aos factos nos termos do n.º1 do artigo 2.º do CP já era constituído pelas normas do RGIT (artigo 107.º e 105.º), bem como pelo Código Contributivo, em especial o artigo 42.º.
XX. Á data da prática dos factos objecto do presente processo (cfr. 5 dos factos provados) vigorava uma nova circunstância normativa que se encontra inalterada desde Setembro de 2009, cuja aplicabilidade era inexistente à data da prolação do Acórdão Uniformizador.
XXI. A nova circunstância normativa posterior à prolação do Acórdão Uniformizador e em vigor na data de prática dos factos justifica a não aplicação da doutrina do Acórdão Uniformizador 8/2010 à circunstância dos autos.
XXII. As considerações interpretativas do Acórdão Uniformizador conjugadas com a interpretação do n.º3 do artigo 42.º da Lei 110/2009, nos termos das regras do artigo 9.º do CC, determinam que “a única leitura que confere um carácter útil ao n.º 3 quando se menciona “sem prejuízo do disposto no regime geral das infracções tributárias”, será no sentido de que só se considerará contra-ordenação se o valor em causa não exceder os 7500€, pois aí já estaremos na presença do crime previsto no artigo 107.º do RGIT”
XXIII. Assim, a única hipótese legalmente válida é considerar que à data da prática dos factos (cfr. 5 dos factos provados) em plena aplicação do n.º3 do artigo 42.º do Código Contributivo, a não entrega dos valores das cotizações por parte da entidade contribuinte abaixo de €7500,00 (conforme aconteceu com a Arguida), após o decurso do prazo de 30 dias subsequentes ao termo do prazo legal para o fazer, apenas poderá consubstanciar em abstracto uma contraordenação grave nos termos desse preceito e não um crime nos termos do artigo 107.º do RGIT.
XXIV. O n.º3 do artigo 42.º da Lei 110/2009 é a lei em vigor à data da prática dos factos conforme determina o n.º1 do artigo 2.º do CP, bem como a penalmente mais favorável, conforme determina o n.º1 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
XXV. Assim, considerando o Tribunal a quo, que as quantias que consubstanciaram a prática do crime em que a arguida foi condenada (cfr. 5 dos factos provados) são de €5.415,91 (cinco mil, quatrocentos e quinze euros e noventa e um cêntimos) violou o n.º1 do artigo 105.º do RGIT, por remissão do n.º1 do artigo 107.º do RGIT, uma vez que essa quantia é inferior à quantia de €7.500,00, que é o pressuposto para aplicação da pena constante do n.º1 do artigo 105.º do RGIT, em face da entrada em vigor em 01.01.2011 do n.º3 do artigo 42.º da Lei 110/2009.
XXVI. A condenação da arguida na prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, p. e p. 105.º, nº1, 4, alíneas a) e b), 6 e 7, aplicável ex vi do artigo 107º, nº1 e 2, ambos do R.G.I.T., e por referência aos artigos e 12º do RGIT e 11º do Código Penal, por se referir ao valor de €5415,91, apenas é subsumível ao n.º3 do artigo 42.º da Lei 110/2009, podendo apenas ser em abstrato punida a título de contra-ordenação.
XXVII. Ou seja, a condenação determinada pelo tribunal a quo, foi efectuada em
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