Acórdão nº 437/21.1T8CLD-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-06-2023

Data de Julgamento13 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão437/21.1T8CLD-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DAS CALDAS DA RAINHA)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I - Os presentes autos tiveram inicio, na fase judicial, em 23/3/2021, por requerimento apresentado pelo Ministério Público, visando a abertura de processo judicial de promoção e protecção relativamente ao menor AA, em função das seguintes circunstâncias, ao tempo:

-O AA nasceu em .../.../2015 e é filho de BB e de CC.

-O progenitor do AA vive em ... e o menor residia com a progenitora e o companheiro desta em ..., ....

-O AA tem uma irmã uterina que esteve ao cuidado da mãe e integrou o agregado até 28.04.2020, data em que esta a entregou ao respetivo pai por não poder cuidar da mesma e esta apresentar comportamentos de natureza sexual relativamente ao AA.

-O AA padece de malformações congénitas músculo-esqueléticas nos membros superiores e no membro inferior direito.

-Não tem mobilidade nos punhos e a preensão é feita entre os dois dedos que tem em cada mão.

- Usa próteses.

-A mãe padece de doença do foro mental e é seguida em consulta de psiquiatria no Hospital ... em ....

-A mãe do AA não assegurou a presença deste nas consultas de especialidade de fisiatria, no Hospital ..., em ..., necessárias ao ajustamento das próteses de que ele carece, nomeadamente em maio, julho e setembro de 2020.

-Desde 4.02.2021 que o AA se encontra na companhia dos padrinhos, DD e ..., casados entre si e residentes em ....

-Deste agregado faz ainda parte a filha dos padrinhos, EE, sendo que o AA se dá bem com todos.

-O AA ficou com os padrinhos por articulação com o CPCJ ..., dada a situação de a progenitora alegar não poder cuidar do filho, ter-se separado do companheiro, ter alterado a sua residência e não dispor de equipamento para cuidar do AA em face da situação de pandemia.

-Os padrinhos preocupam-se com a saúde e o bem-estar do AA, tendo diligenciado pela consulta de fisiatria.

-O progenitor do AA entende que a progenitora não tem condições para cuidar de forma adequada do filho de ambos.

-A progenitora não permite contactos do AA com o pai

-Nos últimos anos a progenitora revelou instabilidade residencial e profissional.

Em função das descritas circunstâncias o Ministério Público requereu que fosse aplicada, em beneficio do AA, a medida de promoção e protecção de confiança aos padrinhos, a titulo cautelar.

O que veio a suceder por decisão de 6/4/2021, pelo período de três meses.

A medida em causa caducou por falta de revisão.

Reavaliada a situação do AA, o Ministério Público propôs de novo a aplicação da medida cautelar de confiança a pessoa idónea, concretizada nas pessoas dos padrinhos da criança, pelo período de dois meses, medida que mereceu a concordância destes e a oposição da progenitora.

Foi aplicada por despacho de 17/7/2022, nos termos do art 62º/2 da LPCJP, a medida em causa - medida cautelar de “confiança a pessoa idónea”, concretizada nas pessoas dos padrinhos, DD e ... - pelo período de três meses, nos termos do disposto nos arts 35º/1 al c), 37º e 43º da LPCJP.

Por decisão de 25/10/2022, foi determinada a prorrogação, por três meses, da medida cautelar a que o AA estava sujeito.

O mesmo sucedeu por decisão de 14/3/2023, tendo sido proferida, em concreto, a seguinte decisão:

«1.1.Revisão cautelar da MPP aplicada:

1.1.1. Nos termos da decisão proferida a 17/7/2022, AA nas pessoas dos padrinhos da criança, DD e ..., pelo período de três meses, nos termos do 1.1.2.

Nessa decisão, em síntese, concluiu-se que: progenitora parece estar mais estabilizada do que no momento em que os presentes autos foram remetidos para processo judicial de promoção e proteção.

Todavia, desconhecem-se as condições que a progenitora se encontra, designadamente a nível habitacional, familiar e profissional.

O AA é uma criança com necessidades específicas, designadamente, ao nível da saúde, que a progenitora não conseguia assegurar.

Desconhece-se se, no momento pressente, a mesma dispõe de condições para assegurar todos os apoios e acompanhamentos que o AA tem usufruído na companhia dos padrinhos.

O AA está bem integrado, é uma criança feliz, autónoma e que revela grande estabilidade e capacidade a nível da sua aprendizagem.

1.1.3. Em 25-10-2022, proferiu-se despacho de revisão cautelar da medida de promoção e proteção aplicada, onde, se entendeu determinar a prorrogação, por três meses, da medida cautelar a que o AA está sujeito.

1.1.4. O SATT/ISS, em 13-02-2023, enviou relatório social a estes autos, onde emitiu parecer no sentido que os padrinhos do AA continuam a assegurar todos os cuidados e acompanhamentos que o mesmo necessita, continuando os mesmos a zelar pelo seu bem estar e desenvolvimento integral, proporcionando ao menor, uma dinâmica familiar estável, para que possa crescer e desenvolver as suas competências num ambiente mais securizante, continuando o mesmo a mostrar enormes progressos, para além da enorme afetividade já existente entre o AA e os padrinhos e restante agregado; e que, desconhecendo-se à data de hoje as verdadeiras condições e situação da progenitora e agregado e se reúnem as competências parentais para que possam proporcionar ao menor AA todo o acompanhamento e cuidados que o mesmo necessita, que por ora, o que melhor salvaguarda o superior interesse do menor AA, é a sua permanência junto dos seus padrinhos, sendo também esta a vontade manifestada pelo próprio menor AA.

1.1.5. O Ministério Público, na promoção, que antecede, promove a prorrogação, por três meses, da medida cautelar a que o AA está sujeito.

1.1.6. Face ao teor da última informação social, entendemos que a medida protetiva aplicada é a única que, por ora, garante que o AA não esteja sujeito ao perigo que determinou a aplicação da medida protetiva cautelar aplicada.

1.1.7. Face ao exposto, determino a prorrogação, por três meses, da medida cautelar a que o AA está sujeito.

1.1.8. Notifique e comunique»

II – É desta decisão que vem interposto pela progenitora o presente recurso, cujas alegações concluiu, do seguinte modo:

1-O Tribunal a quo proferiu douto Despacho, ora em crise, que prorroga, pelo período de três meses, a medida de confiança do AA a pessoa idónea, na pessoa dos padrinhos

2. A revisão da medida de promoção e proteção a aplicar à criança foi, todavia, decidida sem a prévia audição das partes e da própria criança, em contravenção ao que se estipula nos arts. 84º e 85.º, n.º 1 da LPCJP, circunstância que fere de nulidade a decisão ex vi do disposto no art. 195.º, n.º 1 do CPC, já que se está perante omissões que são suscetíveis de influir no exame e decisão da causa.

3. Acresce que, a decisão prolatada pelo Tribunal a quo padece de manifesta desconformidade e erro entre os elementos probatórios constantes dos autos e a matéria fáctica apurada constante da respetiva fundamentação, em termos tais que impõem a alteração de tal matéria por este colendo Tribunal Superior ex vi do art. 662º, n.º 1, do CPC.

4. Na verdade, o Tribunal a quo não teve em consideração na decisão – ou, pelo menos, não lhe faz referência direta ou indireta – elementos probatórios carreados para o processo por iniciativa do próprio tribunal, como sejam os relatórios de exames periciais realizados ao AA, à Progenitora, aos padrinhos e à filha destes,

5. Os quais contêm matéria de facto relevante que deveria ter sido considerada.

6. Os relatórios periciais de que foram objeto o AA e sua mãe contêm matéria probatória que deverá ser aditada à matéria fáctica indiciariamente dada como assente e que serve de esteio à decisão, devendo aí figurar que:

7. (i) O AA tem uma vinculação afetiva significativa com a figura materna e sente emocionalmente o afastamento da figura materna (Cf. Relatório da Perícia Médico-Legal de 19-12-2022, com referência CITIUS 9299201)”

8. E que: (ii) “A progenitora é detentora de adequadas capacidades parentais (Relatório Pericial Psicológico de 23-02-23, com referência CITIUS 9500316)”

9. Sabendo-se que as decisões judiciais atinentes a processos que dizem respeito a crianças têm como escopo último a salvaguarda do seu superior interesse, impõe-se que o julgador se socorra de todos os elementos existentes nos autos que permitam a prolação de uma decisão avisada.

10. In casu, porém, inexplicavelmente, verifica-se a existência de um vasto manancial de factualidade que vem sendo carreado para os autos nos Relatórios Técnicos do SIATT que, todavia, é ignorada pelo Tribunal a quo nas sucessivas decisões prolatadas. E aquela ora em crise não constitui exceção.

11. É evidente que o Tribunal não está obrigado a aceitar acriticamente as informações que lhe são veiculadas pelas suas próprias equipas técnicas de apoio, mas está, ao que se crê, obrigado a revelar o iter cognoscitivo seguido que motiva a desconsideração do que ali se diz e preconiza.

12. No caso vertente, porém, desconhecem-se as concretas razões e motivações que levaram o Tribunal a quo, quer nesta concreta decisão revidenda, quer nas anteriores, a ignorar acriticamente o que vem consignado nos sucessivos relatórios técnicos do SIATT subscritos pelos técnicos que vêm acompanhando a progenitora e seu entorno.

13. A factualidade de que dão conta diversos relatórios técnicos do SIATT deverá ser aditada à matéria fáctica indiciária que serve de esteio à decisão, designadamente a seguinte:

14. (iii) A habitação da progenitora detém condições habitabilidade, higiene, salubridade e conforto, dispondo a criança de um quarto próprio adequado à sua idade e necessidades, e de um espaço exterior igualmente cuidado.

15. (iv) A progenitora e seu companheiro têm uma vida profissional organizada.

16. (v) A progenitora e seu companheiro detêm capacidades parentais.

17. (vi) A progenitora e seu companheiro são referidos como envolvidos no processo educativo e de desenvolvimento, preocupados e determinantes no processo de crescimento de AA.

18. (vii) São...

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