Acórdão nº 435/21.5BEBJA de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-08-01

Data de Julgamento01 Agosto 2022
Ano2022
Número Acordão435/21.5BEBJA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M… , A. na ação, veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, de 30.04.2022, no âmbito da ação administrativa que intentou para efetivação de responsabilidade civil extracontratual por atraso na administração da justiça, que absolveu o R., Estado Português da instância, julgando procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa.

Nas alegações de recurso que apresentou, o Recorrente culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 1307 e ss., ref. SITAF:

«(…)

1º O disposto no artigo 9º, nº 1, do CPTA e no artigo 30º, nºs 1 a 3, do CPC, conjugado com a jurisprudência dos tribunais superiores aponta em sentido diametralmente oposto ao ínsito no dispositivo da douta Sentença recorrida;
2º O Tribunal a quo procurou avaliar não do interesse direto do Recorrente em demandar o Recorrido ou da utilidade, para o Recorrente, com a procedência da presente ação mas, antes, da existência de um nexo causal entre os danos alegados na petição inicial e a conduta do Recorrido;
3º Seguindo de perto a tese do PROFESSOR BARBOSA DE MAGALHÃES, sintetizada no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.06.1994, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a legitimidade processual não depende dos titulares da real relação jurídica controvertida mas, antes, da relação jurídica conforme configurada na petição inicial pelo Recorrente;
4º À luz do disposto no artigo 30º, nº 3, do CPC, o Recorrente alegou na sua petição inicial que tinha o Recorrido a obrigação legal e constitucional de produzir uma decisão de mérito no processo nº 581/04.0TBODM, de modo a obter o reconhecimento da paternidade do Recorrente de forma célere e em tempo útil;
5º Alegou ainda o Recorrente que, incumprida essa obrigação e produzindo-se danos na sua esfera jurídica, se mostram verificados os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual do Recorrido, devendo este ser condenado ao pagamento de uma quantia indemnizatória ao Recorrente, assim claramente exprimindo a utilidade da procedência da ação para este último;
6º Em sede de aferição do pressuposto da legitimidade processual, cumpria ao Tribunal a quo, tão-somente, aferir do interesse direto do Recorrente em demandar o Recorrido, bem como a utilidade, para o Recorrente, derivada da procedência da ação, i.e., a condenação do Recorrido ao pagamento de uma quantia em dinheiro;
7º Considerando as disposições relevantes da lei processual administrativa e civil, a relação controvertida é composta pelo Recorrente e pelo Recorrido, nos termos configurados pelo Recorrente na petição inicial, razão pela qual as partes se afiguram inequivocamente legítimas nos presentes autos;
8º Ao perfilhar o entendimento ínsito na douta Sentença recorrida, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre os pressupostos da procedência da ação, confundindo a legitimidade com o mérito da causa, pelo que melhor teria andado o Tribunal a quo ao julgar improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, sem prejuízo de, ordenando o prosseguimento dos autos para julgamento, ajuizar a real relação material controvertida subjacente, no âmbito da decisão de mérito;
9º Não obstante, ainda que se adotasse o entendimento de que, em sede de saneamento, poderia o Tribunal a quo acolher o argumento formal do Recorrido de que, por não ser o Recorrente parte na ação de investigação oficiosa da paternidade, jamais será parte legítima nos presentes autos, o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite, nem por isso deveria ser julgada procedente a exceção de ilegitimidade ativa;
10º A tese perfilhada pelo Tribunal a quo é a de que a intervenção do Ministério Público na ação de investigação oficiosa da paternidade em apreço não tem subjacente os interesses do Recorrente mas, tão-só, o interesse público que ao Recorrido cabe defender e prosseguir, denotando uma errónea interpretação da lei e da CRP, bem como das tarefas fundamentais prosseguidas pelo Recorrido através do Ministério Público;
11º Constitui o objeto da referida ação o reconhecimento da paternidade do ora Recorrente, tendo a referida ação sido efetivamente proposta pelo Ministério Público, em representação do Estado Português, ao abrigo dos artigos 3º, nº 1, alínea a), e 5º, nº 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, na redação em vigor à data da respetiva proposição;
12º Conforme o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.2018, estão em causa, por um lado, o interesse particular do Recorrente em ver estabelecida a sua filiação, bem como o interesse público do Recorrido, atendendo ao princípio da verdade biológica e ao valor do primado da família, como elemento fundamental da sociedade, que tem direito à proteção do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, de acordo com o disposto pelo artigo 67º, nº 1, e à proteção da infância, cujo objetivo é o desenvolvimento integral das crianças contra todas as formas de abandono e discriminação, atento o preceituado pelo artigo 69º, nº 1, da CRP;
13º Por outro lado, vem a doutrina elucidando que a ação de investigação oficiosa da paternidade, quando proposta pelo Ministério Público em representação do Estado Português, atende à debilidade económica, ao temor da justiça, ao simples desleixo ou a irreflexão dos menores, assim garantindo a tutela que o seu interesse e o interesse geral aconselhariam;
14º É, assim, inaceitável a afirmação de que a ação oficiosa em causa não tutela diretamente os interesses do Recorrente (ou que apenas os tutela reflexamente) e que este não terá um interesse direto na procedência do pedido de reconhecimento da filiação, sob pena de assim se defraudarem as incumbências legal e constitucionalmente cometidas ao Recorrido e ao Ministério Público;
15º Pelo contrário, é manifesto que a ação de investigação oficiosa da paternidade em apreço tutela de forma direta os interesses do Recorrente, em particular, o interesse tutelado constitucionalmente no artigo 36º, nº 4, da CRP, consagrado como direito, liberdade e garantia de natureza pessoal e, bem assim, os interesses do Recorrido à proteção da família e dos direitos, liberdades e garantias dos menores, sendo que os interesses diretos do Recorrente ao estabelecimento da sua paternidade se situam no centro do processo em causa, independentemente de ser o Recorrido a parte ativa do mesmo;
16º Neste sentido militam argumentos de natureza sistemática, conforme a jurisprudência tem vindo unanimemente a decidir, em concreto, conforme o disposto nos artigos 1813º e 1868º do Código Civil, nos termos do que, em caso de improcedência da ação oficiosa da paternidade, poderá o Recorrente intentar nova ação de investigação de paternidade, ainda que fundada nos mesmos factos, constituindo um desvio à regra dos efeitos do caso julgado;
17º Porém, uma tal faculdade do Recorrente apenas surge com a...

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