Acórdão nº 431/11.0BEBJA de Tribunal Central Administrativo Sul, 02-06-2022

Data de Julgamento02 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão431/11.0BEBJA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I Relatório
M....., devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa Comum que intentou contra o Município de Alcácer do Sal e L....., tendente:
a) Ao reconhecimento dos direitos da Autora à propriedade, à saúde, a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado, à qualidade de vida, e à salubridade, coartados pela construção ilegal de uma chaminé e de um forno artesanal no imóvel contíguo à sua propriedade, ao arrepio dos mais elementares princípios urbanísticos;
b) À adoção das condutas necessárias ao restabelecimento dos direitos violados, por via da adoção de todos os atos e condutas tendentes a proceder à demolição da construção em causa;
c) Ao pagamento de uma indemnização à Autora, a título de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa, no valor de €5.000 para ressarcimento de danos não patrimoniais por ela sofridos”, inconformada com o Sentença proferida em 23.06.2019, no TAF de Beja, que:
a) Julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Ré Laurinda Custódia Estragado e, em consequência, absolvo-a da instância;
b) Julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condeno o Réu Município de Alcácer do Sal a adotar as condutas necessárias à reposição da legalidade urbanística da construção de um forno artesanal, de um lava louça, de uma churrasqueira e de uma chaminé no prédio urbano propriedade do Interveniente A....., sito na ...Alcácer do Sal, e inscrito na matriz predial da Freguesia de Alcácer do Sal (Santiago), sob o art.º 3….., absolvendo-o do pedido, quanto ao demais, veio em 23 de setembro de 2021, recorrer Jurisdicionalmente da referida decisão para esta instância.
Formula a aqui Recorrente/Manuela nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
“1º - A aliás douta sentença recorrida não se afigura correta, tanto no que respeita ao julgamento dos pedidos em que a ora Recorrente decaiu na totalidade, isto é, quanto aos pedidos referentes à condenação do Recorrido Município de Alcácer do Sal ao reconhecimento dos direitos da Recorrente à propriedade, saúde, salubridade e ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e ainda à condenação daquela edilidade ao pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente; como, depois, na parte em que, aparentemente, a decisão lhe foi favorável, pois que, aquele Recorrido foi condenado a adotar às condutas necessárias à reposição da legalidade urbanística da obra, quando deveria, desde logo, ter sido condenado à demolição da mesma por se revelar ilegal e, irremediavelmente, irregular.
2º - Nesta decorrência, o Tribunal a quo incorreu em múltiplos erros de julgamento quanto à interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, mas também, quanto à seleção e apreciação da matéria de facto constante dos autos, em especial, aquela que resultou da audiência de julgamento e ainda dos documentos que foram juntos, tendo, deste modo, desconsiderado factos que se revelam impreteríveis para a boa decisão da causa e ainda considerado de forma inadequada alguns dos factos que foram dados como provados, sendo que, por isso, o presente recurso vê o seu objeto alargado também à reapreciação da matéria de facto.
3º - Com efeito, desde logo, relativamente à incompletude e insuficiência da matéria de facto, verifica-se que o Tribunal a quo não deu como provado, na sentença proferida, como se impunha, o ofício n.º 1108, de 21 de julho de 2011, emitido pelos serviços do Departamento de Urbanismo e Administração do Município de Alcácer do Sal, que foi junto como Doc. 4 à Petição Inicial da Recorrente, e consta, igualmente, do processo administrativo, o qual se mostra manifestamente relevante para a discussão dos presentes autos, porquanto do mesmo resulta a apreciação e confirmação por parte do Recorrido Município de Alcácer do Sal quanto à desconformidade da obra com o disposto no artigo 113º do RGEU.
4º - Nestes termos, deve considerar-se provado o seguinte facto: “Em 21 de julho de 2011, e em resposta ao requerimento apresentado pela Autora em 08 de fevereiro de 2011, foi emitido pelos serviços do Departamento de Urbanismo e Administração do Município de Alcácer do Sal, na pessoa da Senhora Vereadora, o ofício nº 1108, com o seguinte teor:
Ex.mª Senhora,
Na sequência do seu requerimento datado de 08.02.2011, e em complemento às nossas respostas de 08.11.2010; e 19.05.2011, cumpre-nos dizer o seguinte:
1.º Reiteramos o teor do nosso ofício de 08.11.2010, no que respeita á construção objeto do processo n.º 84/2007;
2.º Quanto à construção do forno artesanal e da respetiva chaminé, feita a análise técnica da situação conclui-se o seguinte:
i) Os trabalhos de construção do forno artesanal e de chaminé integram-se no conceito de obras de escassa relevância urbanística, nos termos do disposto no artigo 6º - A, alínea a), do RJUE, na sua atual redação;
ii) Por esta razão, apenas estão sujeitos a comunicação, (cf. artigo 6º do RJUE, na sua atual redação);
iii) Os materiais utilizados na construção do forno e chaminé são adequados ao fim a que se destinam, sendo as paredes da edificação de V. Exª distintas das paredes do prédio contíguo, além de que o interior do referido forno é revestido por tijolo refratário;
iv) A chaminé não cumpre, de facto, o disposto no artigo 113º, do RGEU, contudo entende-se que a mesma integra as situações excecionais presentes no artigo 114º, (cf. pareceres técnico e jurídico juntos ao processo);
v) Acresce que a fração propriedade de V.Exª se encontra devoluta, não havendo qualquer histórico de queixas quanto à emissão de fumos e odores provenientes da chaminé em causa;
Nas diligências desencadeadas por este Município na sequência do requerimento de V. Exª, ora sob resposta, detetaram estes serviços a realização de obras ilegais na propriedade de V. Exª.
Com efeito, verificou-se que as edificações existentes e as constantes na certidão do registo predial apresentam divergências, tendo estes serviços apurado uma área ocupada superior em 8,75 m2 em relação ao que consta do registo.
Nestes termos, e quanto a esta questão, dispõe V. Exª de 10 dias para se pronunciar, querendo, quanto a estas divergências, sendo que a confirmar-se esta situação será instaurado o competente processo de contraordenação.”
5º - Por outro lado, foi manifestamente desconsiderado pelo Tribunal recorrido, um facto que assume, de igual forma, particular relevância para os presentes autos, influindo de sobremaneira no sentido da justa decisão, o qual redunda na impossibilidade de regularização da construção para efeitos do cumprimento do disposto no artigo 113º do RGEU, que ficou comprovada pelas testemunhas Arq.º Alexandre Dias e Eng.º A....., e que resulta, de resto, da informação elaborada pelos serviços da Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara de Alcácer do Sal, com data de 29 de junho de 2011, no âmbito da qual se conclui que a correção da obra acarretaria problemas estéticos e estruturais que a tornam inviável.
6º- Nestes termos, deve considerar-se provado o seguinte facto: “A correção da chaminé para efeitos do cumprimento do disposto no artigo 113º do RGEU não é possível porque a tornaria esteticamente desproporcionada e estruturalmente instável”.
7º - De resto, foram ainda desconsiderados pelo Tribunal a quo, para efeitos de violação dos direitos invocados pela Recorrente, os factos evidenciados pelas testemunhas Eng.º L.....e G....., no sentido de que a chaminé em apreço expele fumos escuros e em grande quantidade, a qual por estar tão próxima da habitação da Recorrente, maxime, da sua varanda, torna verdadeiramente impossível à Recorrente a fruição plena da sua propriedade quando o forno artesanal está em funcionamento, além de que tais fumos entram para dentro de casa.
8º - Assim sendo, em conformidade com os depoimentos prestados por aquelas testemunhas, devem considerar-se provados os seguintes factos: i) “A chaminé expele fumos escuros, em grande quantidade, e liberta cheiros intensos; ii) “O funcionamento do forno artesanal e da respetiva chaminé impossibilitam a fruição da varanda e os fumos entram dentro da casa”.
9º - Por fim, no que à incompletude da matéria de facto diz respeito, e para efeitos da verificação dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil por danos não patrimoniais, peticionada nos autos, verifica-se ainda que o Tribunal a quo desconsiderou factos que demonstram os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente, nomeadamente, a circunstância de a Recorrente, por via daquela construção, ter deixado de dormir, passar a ser acompanhada por um cardiologista e ter aumentado substancialmente a sua medicação, o que ficou bastante evidenciado no depoimento prestado pela testemunha Eng.º L....., seu marido.
10º - Nestes termos, deve considerar-se provado o seguinte facto: “Com o conhecimento da construção do forno artesanal e respetiva chaminé no prédio contíguo ao seu e dos efeitos resultantes do seu funcionamento, a Autora deixou de dormir, passou a ser acompanhada por um cardiologista e aumentou substancialmente a sua medicação.”
11º - Ora, para além dos factos que foram desconsiderados pelo Tribunal a quo, e aos quais se aludiu, verifica-se ainda, quanto à impugnação da matéria de facto, que o Tribunal recorrido julgou de forma errada alguns factos que foram dados como provados na sentença recorrida, neste caso, os factos aa) e bb), deles retirando efeitos jurídicos que não concorreram para o correto julgamento desta lide.
12º - Pois que, desde logo, veio o Tribunal a quo socorrer-se do facto aa), nos termos do qual a chaminé só expeliu fumos uma vez, para sustentar que não se vislumbrava qualquer violação dos direitos invocados pela Recorrente e que não se encontrava...

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