Acórdão nº 4302/22.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-04-27

Ano2023
Número Acordão4302/22.7T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

AA, e marido BB, residentes na Rua ..., ... ..., ..., intentaram a presente acção declarativa de condenação em processo comum contra CC e marido DD, residentes na Travessa ..., ... ..., ...; e CC e marido EE, residentes na Travessa ..., ... ..., pedindo que a presente acção seja julgada provada e procedente e em consequência:

a) Declarar-se que o prédio urbano adjudicado à autora no inventário que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial ..., com o n.1426/12...., foi o prédio urbano, sito na Travessa ... da freguesia ..., composto de casa térrea telhada e quintal, com a área coberta de 76 m2 e descoberta 509m2 confronta do norte e nascente com o prédio efectivamente adjudicado à lª ré, do sul e poente com a Travessa ... descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...32-... e inscrito na respectiva matriz urbana no artigo ...54 e que o prédio adjudicado à lª ré no mesmo inventário, foi o prédio urbano, sito na Viela ... da freguesia ..., composto de casa térrea telhada e quintal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ...33 e inscrito na respectiva matriz no artigo ...53.
b) Ordenar-se em consequência o cancelamento na Conservatória do Registo Predial ... da aquisição feita a coberto da inscrição Ap. ...02 de 12-07- 2019/ a favor da lª ré, do prédio descrito sob o n. ...32- ... ficando a autora com a faculdade de o registar a seu favor.
c) Ordenar-se ainda em consequência ao Serviço de finanças de ... que averbe em nome da autora o prédio inscrito no artigo ...54 da matriz predial urbana da freguesia ... e em nome da lª ré o prédio inscrito no artigo ...53 da matriz urbana da freguesia ....
d) Reconhecer-se que a realidade física correspondente ao artigo rústico ...08 da freguesia ..., actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...06-..., está duplicada no quintal do prédio urbano inscrito na matriz no artigo ...54 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...32 e em consequência declarar-se nula e de nenhum efeito a adjudicação do aludido artigo rústico à 2ª ré que ocorreu no aludido inventário.
e) Ordenar-se aos Serviços de Finanças de ..., eliminação do artigo rústico ...08 na matriz predial rústica da freguesia ... e a inutilização da descrição n. ...06-..., aberta em consequência do registo de adquisição a favor da 2ª ré a coberto da aludida adjudicação por duplicação com a descrição ...32-....
f) Condenar-se a 2ª ré a repor o muro no estado anterior ao de ter praticado o ato de demolição do mesmo, ou a pagar à autora o valor despendido no mesmo no montante de 1.572,70€ (mil quinhentos e setenta e dois euros e setenta cêntimos) acrescido tal montante de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento
Para o caso de se entender que a duplicação de áreas do prédio adjudicado à autora e à 2ª ré é apenas parcial e não ocorre a situação de duplicação predial alegada a título principal, então a autora relativamente à 2ªa ré e em alternativa aos pedidos das alíneas d) e e) faz o seguinte pedido subsidiário:
g) Declarar-se, e a 2ª ré condenada a reconhecer que no processo de inventário n. ...2..., que correu termos pelo extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial ... o prédio rústico que lhe foi adjudicado tem a área de 145m2, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ...06-... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... no artigo ...08.
Citados os réus contestaram, e no que releva para a economia dos autos, invocaram os réus CC e marido EE a excepção dilatória de inadequação do meio processual utilizado, pois que o litígio dos autos enquadrar-se-ia numa situação de emenda à partilha, sem o acordo dos interessados, e tal como previsto no art. 1387º do anterior CPC, deveria ter sido intentada acção especial por apenso aos autos de inventário.
Em resposta os autores pugnam pela improcedência da excepção deduzida.

Foi então proferido despacho saneador – sentença, com o seguinte teor, que se transcreve:
“Saneamento:
O Tribunal é o competente em razão da matéria, da hierarquia, da nacionalidade e do território.
Não ocorrem nulidades que invalidem o processado.
As partes mostram-se dotadas de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se patrocinadas.
Na sua contestação os 1ºs e 2ºs Réus invocam a exceção dilatória de inadequação do meio processual utilizado, pois que o litigio dos autos enquadrar-se-ia numa situação e emenda à partilha, sem o acordo dos interessados, e tal como previsto no art. 1387º do anterior CPC, deveria ter sido intentada ação especial por apenso aos autos de inventário.
Em resposta os autores pugnam pela improcedência da exceção deduzida.

Apreciando e decidindo:
De acordo com o disposto no artº 1386.º, nº 1, do pretérito CPC, “a partilha ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.”. Prevendo a verificação de algum dos casos previstos no artº 1386.º, nº 1, sem que, contudo, haja o mencionado acordo, dispõe o nº 1 do artº 1387º do CPC, que a emenda pode “...ser pedida em ação proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.”.
A emenda da partilha, na falta de acordo dos interessados, tem, assim, de radicar num erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.
Na verdade, os autores pretendem essencialmente obter o reconhecimento nestes autos de que a realidade física do ... da freguesia ..., adjudicado à 2ª ré, está duplicada no quintal do prédio urbano inscrito na matriz no art. ...54º da freguesia ..., adjudicado aos autores e, em consequência pugnam que seja declarada nula a adjudicação do aludido prédio rústico à 2ª ré que ocorreu no inventário descrito no artigo 1º da P.I.
Ora, ao pretender a anulação da partilha está-se a pedir que, a proceder a presente ação, ela não se mantenha, seja invalidada; porém, contradiz- se pois, a proceder a ação, a partilha mantém-se e apenas é corrigida onde deve ser corrigida.
Não é a invalidade mas a emenda que os autores perseguem com esta ação. […]».
O que se acabou de dizer está em consonância com o entendido no Acórdão da Relação de Lisboa de 3/10/2013, onde se escreveu: «[…] Na ação de emenda da partilha não está em causa qualquer reapreciação crítica dos atos praticados no decurso do inventário já findo, mas apenas apurar se um ato, específico e determinado, do processo - a partilha - padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas nos artigos 1386º e 1387º do CPC.
Tais irregularidades deverão ser sanadas, tanto quanto possível, sem pôr em causa a validade e eficácia da partilha globalmente realizada, cujos efeitos, em princípio, se manterão, já que o ato não é objeto de anulação. […]». Neste mesmo sentido foi o Acórdão do STJ de 25/02/2010 (Revista nº 399/1999.C1.S1)8, onde se pode ler: «[…] objeto e típica funcionalidade da ação de emenda da partilha não se traduz numa reapreciação crítica dos atos praticados no decurso do inventário já findo, mas apenas em apurar se um ato, específico e determinado, do processo - a partilha - padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas nos arts 1386º e 1387º do CPC: erro na descrição ou qualificação dos bens partilhados ou outro erro suscetível de viciar a vontade das partes - que deverão ser sanadas, tanto quanto possível, sem pôr em causa a validade e eficácia da partilha globalmente realizada, cujos efeitos se deverão, em princípio manter, já que o ato não é objeto de anulação. […]».
Significa isto que no nosso processo civil, transitada em julgado a sentença que homologou a partilha, não têm relevância, senão na medida em que sejam idóneas a provocar o erro habilitante da emenda, as declarações da cabeça de casal que, por exemplo, incluam um bem a partilhar que seja pertença de um terceiro, ou que seja bem próprio de um dos interessados. Nesta situação, verificar-se-á um erro que, pela sua natureza, não necessita de prova das características do erro-vício, mas que, em nosso entender só habilita a atacar a sentença da partilha transitada em julgado – ou, possibilitando-o, interpor recurso de revisão -, mediante a emenda da partilha, prevista nas citadas disposições legais, meio único de obviar à autoridade do caso julgado formado relativamente àquela decisão. Assim, respeitando o Acórdão do STJ de 11/1/2001 (Revista n.º 3155/00 - 7.ª Secção), sumariou-se:
«I - Proferida sentença homologatória da partilha, não é admissível a alegação de que determinados bens partilhados não pertenciam, afinal, à herança.
II - O interessado pode, neste caso, requerer a emenda da partilha, desde que obtido o acordo de todos os demais - art.º 1386, n.º 1, do CPC - ou, não obtido este acordo, propor ação comum dentro de um ano, nos termos do art.º 1387º do mesmo código. […]».
Em sentido semelhante escreveu-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 22/6/2017 (Apelação nº 274/16.5T8CHV-A.G1): «[…] transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, a sua alteração, por erro de facto na descrição ou qualificação de bens assim como por qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes, e/ou a anulação da mesma partilha, só pode ser obtida por uma das vias previstas nos art. 1386.º do C.P.C.V. - se houver acordo de todos os interessados, processando-se o incidente nos próprios autos de Inventário; 1387.º do mesmo Cód. - (na falta de acordo) em ação comum, a intentar no prazo de um ano a...

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