Acórdão nº 4301/22.9T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-12-05

Ano2023
Número Acordão4301/22.9T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
TG veio intentar a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra BBVA Fundos – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., pedindo a condenação da R. ao reembolso à A. das unidades de participação do contrato de adesão ao Fundo “BBVA Multiactivo Conservador” com o n.º …, conta …, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.
Alegou, para tanto, que no dia 18/07/2019 foi subscrito, por D, um fundo de pensões, junto da R., na importância de €305.000,00, constando como beneficiária a A..
A subscritora faleceu no dia 16/05/2020, tendo a R. reembolsado pessoa diversa da beneficiária, pelo que incumpriu o contratualmente acordado com a subscritora do fundo, prejudicando-a e beneficiando um terceiro alheio ao contrato celebrado. Pretende assim que a R. seja condenada a cumprir ao que se havia efetivamente obrigado.
Citada, a R. contestou, invocando que entregou o produto do resgate das Unidades de Participação do Fundo a pedido da cabeça-de-casal da herança, efetuando a transferência de tais valores para a conta da “Herança indivisa D”, mais alegando que desconhece a quem foram distribuídos os fundos, tendo procedido nesses termos, porquanto lhe foi apresentado um testamento público que revogou expressamente todos os anteriores, considerando e assim revogou também a cláusula beneficiária.
A A. respondeu, sustentando a procedência da sua pretensão inicial.
Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual tiveram as partes oportunidade de discutir as posições já defendidas nos articulados e proferido as suas alegações.
Nessa sequência veio a ser proferido despacho saneador-sentença, ao abrigo do disposto nos Art.ºs 6.º n.º 1, 592.º n.º 1 al. b), aplicável por analogia, e Art.º 595.º n.º 1, todos do C.P.C., por se considerar que os autos já continham todos os elementos necessários para a apreciação do mérito da causa, tendo no final sido decidido julgar a ação totalmente procedente e, em consequência, condenado a R. a entregar à A. o valor correspondente ao reembolso das unidades de participação do contrato de adesão ao Fundo 2BBVA Multiuso Conservador”, com o n.º …, conta …, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
É dessa sentença que a R. vem interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto do Saneador Sentença em que a ação foi julgada procedente e a Ré condenada a entregar à Autora valor correspondente ao reembolso das unidades de participação do contrato de adesão ao Fundo 2BBVA Multiuso Conservador”, com o n.º …, conta …, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
II. Vai impugnado, nos termos e para os efeitos do artigo 640º do CPC, o parágrafo 8 da Matéria de Facto dada como provada, onde pode ler-se: 8. A Ré entregou o produto do resgate das Unidades de Participação a Pedido da Cabeça de Casal da herança, por transferência, para a conta “herança indivisa D” no montante de €338.427,78
III. Essa redação ignora o artigo 2º da Contestação, no qual a Ré clarificou que “entregou o produto do resgate das Unidades de Participação a pedido da cabeça de casal dessa herança, por transferência, para a conta “Herança Indivisa D”, no montante de €338.427,78 (valor que inclui o valor do resgate do Fundo de Pensões Multiactivo Moderado “Resgate Total-M”, pelo montante de €293.632,78 e que se encontra em causa nos presentes autos).
IV. Daqui decorre, que a redação da matéria de facto peca por excesso relativamente à matéria alegada pela Ré, devendo ser corrigida em conformidade, para que seja claro que o montante entregue inclui o resgate do produto que se encontra em discussão nos autos, mas cujo valor de resgate foi de €293.632,78.
V. Deve, assim, a matéria de facto ser alterada em conformidade com o artigo 2º da Contestação.
VI. O fundamento principal da Sentença em crise prende-se com a circunstância de a revogação da cláusula beneficiária não ser do conhecimento da Sociedade Gestora.
VII. Essa valoração da matéria radica na i) errónea configuração do contrato que se encontra juntos aos autos e ii) na errónea configuração da natureza jurídica da cláusula beneficiária no âmbito de produtos de Fundos de Pensões, como é o produto em causa nos autos.
VIII. A Sentença assenta, pois, num facto que não se encontra dado como provado e que não foi alegado e que, na própria lógica da Sentença, é um facto essencial da causa, assim violando o disposto nos artigos 5º/1 e 2 e 607º/4 do CPC;
IX. Nada existe, na Lei, que determine que “a revogação de tal cláusula terá que operar por força de aditamento/alteração ao contrato” com o significado restrito que parece atribuir-lhe o Tribunal, ie, como aditamento stricto sensu;
X. A isso obstam o princípio da liberdade de forma e a inexistência de regra em sentido contrário;
XI. A revogação da Cláusula Beneficiária pode ser efetuada mediante disposição testamentária, como foi feito no caso dos autos;
XII. A Sentença em crise radica na errada qualificação da cláusula beneficiária como um contrato a favor de terceiro, por analogia com o regime dos seguros, sem ter em conta a natureza jurídica distinta do contrato celebrado entre a de cujus e a Ré - contrato de adesão individual a fundo de pensões - respetivo regime jurídico e bem assim à natureza jurídica de um fundo de pensões, que é um património autónomo afeto à realização de um plano de pensões individual;
XIII. Ao invés, no caso dos fundos de pensões, por morte do participante, as Unidades de Participação transmitem-se, num fenómeno sucessório, a favor dos beneficiários (beneficiários designados ou aos herdeiros legais), cuja designação sucessória seja prevalente, não sendo um direito próprio do beneficiário, mas uma sucessão deste na posição jurídica que já assistia ao participante (o direito ao reembolso, verificadas determinadas condições)
XIV. Mesmo que se adotasse a qualificação jurídica do contrato que é acolhida na Sentença – com o que se discorda, mas se admite apenas a benefício de raciocínio, restaria concluir que o direito da beneficiária a receber a prestação por parte da R., a existir, apenas se constituiria, no limite, com a morte da de cujus, nos termos do número 1 do artigo 451.º do Código Civil;
XV. Essas estipulações contratuais são livremente revogáveis, nos termos gerais de Direito, desde que o de cujus não tenha – o que não sucedeu, no caso – renunciado ao direito de revogação;
XVI. Em matéria de interpretação do testamento, dispõe o artigo 2187.º do Código Civil, consagrando uma regra subjetivista que manda atender não apenas ao texto deste, mas ainda ao contexto respetivo com vista à reconstituição da vontade real do testador;
XVII. Para a interpretação do testamento vigente à data da morte da de cujus, é necessário apreciar a existência do testamento anterior e da cláusula beneficiária, procedendo às comparações entre os respetivos conteúdos;
XVIII. O testamento outorgado em 08.06.2018 e a cláusula beneficiária outorgada em 18.07.2019 consubstanciaram um conjunto que foi cabalmente alterado pelo testamento de 02.12.2019 em que foram instituídos novos herdeiros e nomeados novos legatários, sendo a própria distribuição dos legados sido completamente alterada e ocorrendo, com efeito, a substituição da totalidade do elenco de sucessores;
XIX. Desse contexto se infere a vontade da testadora de excluir a A. da sua sucessão e do acesso ao seu património, ficando sem efeito a designação beneficiária por si estipulada e que foi justamente essa a sua intenção;
XX. Atendendo à total disjunção entre o último testamento e as disposições mortis causa anteriormente celebradas, não faz sentido uma tese que considerasse que, quisesse a de cujus que alguma delas, pela mera circunstância de não estar integrada em testamento, subsistisse;
XXI. Quis a de cujus, com o seu último testamento, revogar a designação beneficiária feita em 18.07.2019 – o que fez validamente;
XXII. Inexiste nos autos qualquer prova da adesão à cláusula beneficiária por parte da Autora; muito menos, naturalmente, que essa aceitação tenha sido anterior à revogação.
XXIII. Assim, também por força do regime do contrato a favor de terceiro – artigo 448º/1 do CC - se chega à conclusão da livre revogabilidade da cláusula beneficiária.
XXIV. A Decisão sob recurso viola o disposto nos artigos 448º/1 e 2187°/1 do C. Civil.
Pede assim a revogação da decisão sob recurso e que seja proferido acórdão que declare a procedência do recurso e a improcedência da ação.
A A. respondeu ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões:
I. A Ré lançou mão do presente recurso por não se conformar com a Douta decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou totalmente procedente a ação e a condenou a entregar à Autora o valor correspondente ao reembolso das unidades de participação do contrato de adesão ao Fundo BBVA Multiuso Conservador, com o n.º …, conta …, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
II. Entende a Ré, que a revogação da Cláusula Beneficiária pode ser efetuada mediante disposição testamentária, sendo o contrato celebrado pela de cujus qualificável como sendo um contrato de adesão a fundo de pensões aberto.
III. Não disputa a A. que é possível ao participante dispor sobre o destino da sua participação por ocasião da sua morte, resulta do próprio contrato de adesão que “Em caso de morte: No caso de não designar qualquer beneficiário ou de os beneficiários designados não se encontrarem vivos à data em que teriam direito ao recebimento de qualquer benefício, os mesmos serão pagos aos seus herdeiros legais. No entanto, poderá, em que momento, alterar os seus beneficiários designados.”.
IV. Não pode,
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