Acórdão nº 4286/20.6T8CBR-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-06-2023
Data de Julgamento | 13 Junho 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 4286/20.6T8CBR-A.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA) |
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório ([1])
Intentados autos de inventário, em 2014, para partilha de bens de herança em Cartório Notarial ..., ao abrigo da Lei n.º 23/2013, de 05-03 (que aprovou o RJPI), em que é inventariado AA, melhor identificado nos autos, sendo cabeça de casal BB e demais interessados CC (requerente) e AA, todos com os sinais dos autos,
apresentada a relação de bens, foi deduzida reclamação contra tal relação pela interessada CC – invocando, designadamente, «Quanto à verba n.º 1 da Relação inicial, “a) Títulos de crédito (…)”, os Certificados de Aforro, que não são 20 (vinte), mas sim 21 (vinte e um) são bens próprios da Requerente, adquiridos com o fruto do seu trabalho, pelo que devem ser retirados da Relação de Bens (Docs. 1 a 21)» ([2]) –, com requerimento de provas, a que a Cabeça de casal deduziu resposta, mantendo o vertido naquela relação de bens, oferecendo também requerimento de provas.
Após tramitação notarial, em que se incluem decisão quanto àquele ponto controverso de reclamação contra a relação de bens ([3]) e requerimentos de arguição de nulidades processuais, notarialmente indeferidos, bem como incidente de suspeição da Sr.ª Notária, vários interessados requereram a remessa dos autos para o Tribunal competente, ao abrigo do disposto nos art.ºs 10.º e segs. da Lei n.º 117/2019, de 13-09, perante o que aquela Exm.ª Notária, em 14/07/2020, determinou o cumprimento do contraditório e, em 20/10/2020, proferiu despacho de remessa para Tribunal.
Antes, porém, em 15/09/2020, a Cabeça de casal deduziu impugnação judicial, quanto a diversas matérias decididas no âmbito notarial, nos termos do disposto no art.º 13.º, n.º 2, daquela Lei n.º 117/2019.
Tal impugnação foi objeto de decisão pelo Tribunal a quo, datada de 04/01/2023, contendo o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o recurso de impugnação judicial, e consequentemente, decido:
1. Declaro nula a conferência preparatória da conferência de interessados que teve lugar no dia 20.03.2019 e, consequentemente, nula é a decisão nela proferida de condenação em multa dos interessados faltosos.
2. Declarada a nulidade de tal acto processual, que assim é juridicamente inexistente, e não tendo a cabeça de casal procedido ao pagamento dos honorários nos termos em que foi decidido pela Srª Notária, nada há a decidir quanto a esta questão.
3. Quanto ao demais, julgo improcedente o recurso de impugnação judicial.».
A Cabeça de casal, BB, inconformada com tal decisão judicial, dela veio interpor recurso para este Tribunal da Relação (doravante, TRC), apresentando alegação e formulando as seguintes
Conclusões ([4]):
«1ª
O teor da gravação de diligência de 06.03.2028 entre os 1h21mOOs a 1h23m20s permite alcançar a conclusão de ter a Sr.ª Notária, em 6 de Março de 2018, decidido, com acordo das partes e especial autorização da interessada CC, a solicitação à Caixa Geral de Depósitos de elementos respeitantes à conta bancária daquela interessada, decisão essa que a mesma Sr.ª Notária, sem invocação de qualquer fundamento ou motivo, quebrou ao decidir a reclamação, em 26 de Abril de 2018 e em sentido totalmente favorável àquela interessada CC, sem ter buscado obter tais elementos bancários.
2ª
Não apenas por revelar utilidade analítica, mas também porque a transcrição operada no ponto 14 da fundamentação de facto de tal segmento (fls. 12 a 14 da douta decisão) apresenta, algumas imperfeições, efectua-se aqui a transcrição corrigida, não parecendo dever dispensar-se a sua escuta, uma vez que ao som acresce linguagem não verbal e contexto, também elucidativos:
Advogada da Interessada CC - … E autoriza, fica a constar que autoriza a quebra do sigilo bancário para estes efeitos...?
Advogado da cabeça de casal - Dando a indicação de qual a conta.
NOTÁRIA: Pois tem que vir, pois ...
Interessada CC - Sim.
Advogada da Interessada CC - Tem que prestar toda a colaboração que a Sr.ª Notária ou entidade bancária vier a considerar necessária.
NOTÁRIA: Necessária...
Interessada CC - Claro, com certeza.
Advogada da Interessada CC - Certo, muito bem.
Advogado da cabeça de casal - Sr.ª Dr.ª, mas quer um Requerimento nesse sentido, ou?...
Advogada da Interessada CC - Não, fica na Acta.
NOTÁRIA- Nada, não.
Advogada da Interessada CC - A Sr.ª Dr.ª resolve
NOTÁRIA -Sim. Está aqui, eu escrevi aqui.
Advogado da cabeça de casal - Está bem. E quando dá a indicação da conta?...
Advogada da Interessada CC - É já!
NOTÁRIA - Tem aí a conta? Pronto, é isso... A conta vai ter de me enviar o número de conta para...
Advogada da Interessada CC - A Sr.ª Dr.ª notifica já... Que eu estou cá, eu recebo a notificação ...
NOTÁRIA -É, no final, fica já
Advogada da Interessada CC - e dá-nos o prazo de 5 ou 10 dias para virmos informar...
Interessada CC -Sim, eu também não trago isso aqui comigo agora, obviamente.
Advogada da Interessada CC- Claro, também eu não tenho, nunca me deu. Mas pronto. Já tinhamos dito que íamos referir isso.
Interessada CC - Sim, com certeza.
Advogado da cabeça de casal - Resta saber, se o Banco dá, enfim. Em princípio terá de...
Advogada da Interessada CC - Então, vamos ver aqui uma coisa... Se o Banco não der, Sr.ª Dr.ª não tem os seus registos, não guarda, o que tiver guardado, eu também não tenho há vinte anos, mas é normal que alguém tenha, se tiver...
Interessada CC - Mas, eu creio que o Banco ainda tenha essa informação.
NOTÁRIA - E se for a senhora a dirigir-se ao Banco e pedir essa informação e juntar aos autos?
Advogada da Interessada CC - Sr.ª Dr.ª, é caríssimo!
NOTÁRIA - Ai é?
Advogada da Interessada CC - Caríssimo!
NOTÁRIA - Pronto, estou esclarecida (risos)
Advogada da Interessada CC - Já lhe disse isso à Sr.ª, mas adverti-lhe é caríssimo.
NOTÁRIA – Está bem, pronto
Advogado da cabeça de casal - Eles cobram e a questão é que por esta via tem limitação de custo.
Advogada da Interessada CC - Pois tem.
Advogado da cabeça de casal - Pela via...
Advogada da Interessada CC - Particular
Advogado da cabeça de casal - Pela via particular...
NOTÁRIA - Está bem.
Advogada da Interessada CC - É caríssimo. Exacto Sr.ª Dr.ª...
NOTÁRIA - Está bem.
Advogada da Interessada CC - Porque são muitas páginas de muitos anos, muitas folhas...
Advogado da cabeça de casal - Eles cobram...
3ª
O assim acordado e decidido tem como contexto e antecedente o momento da inquirição da interessada CC, em que a conta desta interessada na Caixa Geral de Depósitos se transformou em matéria nevrálgica e em que aquela autorizou a obtenção das informações constantes no correspondente extracto bancário (segmento entre o 1h01m05s e 1h02m24s).
4ª
Do anteriormente exposto decorre que não só a decisão de solicitar os elementos bancários respeitantes à conta da interessada CC junto da Caixa Geral de Depósitos foi tomada em 6 de Março de 2018, como também que:
a) Havia expectativa de ser redigida acta e de tal decisão na mesma constar;
b) Que a interessada CC forneceria em 5, ou 10 dias, o número da conta da Caixa Geral de Depósitos a partir da qual afirma ter pago os certificados de aforro;
c) Que nessa conta a mesma interessada afirma apenas ter dado entrada de dinheiro proveniente das retribuições auferidas pela mesma interessada como professora, pagas pelo Ministério da Educação, do que resulta que, a existirem depósitos de outras origens, nomeadamente de contas tituladas por seus pais, será óbvia a razão que assistirá à cabeça-de-casal ao ter relacionado os referidos certificados de aforro.
5ª
A consideração contida na p. 53 da douta decisão recorrida que conclui que Visto o teor de tal gravação, não se vislumbra qualquer decisão, ainda que imperfeitamente declarada, da Exma. Notária no sentido da solicitação de informações bancárias à Caixa Geral de Depósitos., assim como a afirmação da Sr.ª Notária, constante no seu despacho de 17 de Janeiro de 2019 respeitante à existência de requerimento para levantamento do sigilo bancário e que esta Sr.ª Notária aí afirma que, apesar de consentido não foi requerido, tais considerações, dizíamos colidem directamente com o seguinte segmento da inquirição transcrita na conclusão 2ª:
Advogado da cabeça de casal - Sr.ª Dr.ª, mas quer um Requerimento nesse sentido, ou?...
Advogada da Interessada CC - Não, fica na Acta.
NOTÁRIA- Nada, não.
Advogada da Interessada CC - A Sr.ª Dr.ª resolve
NOTÁRIA - Sim. Está aqui eu escrevi aqui. (sublinhados nossos)
6ª
Assim, uma crucial deliberação tomada pela Sr.ª Notária em matéria probatória foi, pura e simplesmente, ignorada na sua existência, seja na forma (ausência de acta), seja no conteúdo (ausência de actos que concretizassem o decidido).
7ª
O sufrágio do descrito comportamento constituiu um lapso e que, por isso, crê-se, será convenientemente corrigido, ao encontro da boa administração da justiça que em Portugal, em geral, se pratica, assim se reparando a aberta violação do princípio do processo justo ocorrida, tal como o mesmo se encontra consagrado no art. 6º, 1 CEDH.
8ª
Na douta decisão recorrida, pese reconhecer-se a violação do disposto no art. 155º, 1 NCPC com referência à ausência de redacção de acta respeitante à diligência de 6 de Março de 2018, conclui-se que a irregularidade cometida não influenciou o exame ou a decisão da causa. Em tal decisão, porém, não foi ponderado o que decorre da gravação de tal diligência, assim como também se não pondera o facto de só a ausência da acta ter permitido à Sr.ª Notária afirmar, na sua decisão proferida em 17 Janeiro de 2019, mormente nos específicos pontos e segmentos transcritos na precedente conclusão 5ª.
9ª
Da ponderação de tais elementos conjugados com os demais elementos existentes nos autos resulta:
A Sr.ª Notária não redigiu, em momento único no seu procedimento nos autos e numa alteração desse seu procedimento (v.g. actas das diligências de 21/02/2018 e de 20/03/2019),...
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