Acórdão nº 4239/14.3TBMTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-24

Ano2022
Número Acordão4239/14.3TBMTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2022:4239/14.3TBMTS.P1


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1 - Relatório
AA, residente na Rua..., Matosinhos instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum contra a Ré Y..., Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua ... Lisboa onde concluiu pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €433.261,53, acrescida de juros de mora a contar da data da citação, bem como o que se liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença.
Alega, em síntese, que no dia 11 de Junho de 2011, pelas 10h00, foi atropelada pelo veículo de matrícula ...-...-TI, com seguro na Ré, na Rua ..., junto ao número de polícia .., em ....
Acrescentou, que pretendia atravessar a referida rua, da direita para a esquerda, considerando o sentido norte - sul, desceu umas escadas e parou junto a um muro existente na margem, aí permanecendo parada aguardando a oportunidade de atravessar, quando surgiu o aludido veículo, circulando de norte para sul, com velocidade superior a 80 km/h, apesar da velocidade máxima de 50 km/h estabelecida para o local.
Mais alegou, que nesse veículo seguia um gato que se soltou da gaiola e, a condutora, ao tentar agarrá-lo, alheou-se do trânsito e da condução, guinou para a direita e embateu em si com o espelho retrovisor.
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Citada, a Ré apresentou contestação.
Alegou, em síntese, que o acidente ocorreu na saída de umas escadas, existentes do lado direito da referida artéria, considerando o sentido norte - sul, a menos de 50 metros de uma passadeira para peões e que no estacionamento situado do lado direito da faixa de rodagem, em plano superior, existe um espaço destinado à circulação de peões ao longo da recta e com um muro de protecção.
Referiu que a Autora pretendia circular no asfalto junto ao muro, onde não existe berma, sem certificar que ali podia fazê-lo ou atravessar considerando a distância e velocidade do veículo.
Mais alegou, que a Autora não olhou para a esquerda e a sua conduta foi imprevisível, pois, no momento em que o embate ocorreu, a parte da frente do veículo já tinha ultrapassado a escada, não tendo sido possível evitá-lo.
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Deferido o incidente de intervenção principal provocada suscitado pela Ré, a chamada Interveniente Principal: W... - Sucursal em Portugal apresentou o seu articulado pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe o montante de €92.590,00, acrescido dos respectivos juros.
Aderiu à versão do acidente alegada pela Autora, impugnando a da Ré, invocou a existência de contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com entidade patronal da primeira, S..., Ld.ª e a pendência de acção no Tribunal de Trabalho relativamente ao acidente em apreço.
Alegou ter pago o montante global de €29.168,24, sendo €16.336,31 a título de incapacidades temporárias da Autora, €7.355,35 de pensões anuais, €4.755,28 de despesas médicas, medicamentosas, fisioterapias e hospitalares, €179,70 de transportes e €541,60 de despesas judiciais e que constituiu reservas matemáticas no valor de €63.422,30 para assistência vitalícia.
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Notificada, a Ré não exerceu o contraditório relativamente a este articulado.
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Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que se pronunciou pela validade e regularidade dos pressupostos processuais.
Identificado o litígio, foram fixados os factos assentes e enunciados os temas da prova, sem reclamação.
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Constam dos factos assentes e dos temas de prova os seguintes factos:
“Factos Assentes:
Está desde já assente, por acordo entre as partes, que:
1.º
No dia 11 de Junho de 2012, pelas 10h00, ocorreu um acidente de viação na Rua ..., na freguesia ....
2.º
Tal acidente consistiu no embate entre a autora (peão) e o espelho retrovisor do veículo automóvel de matrícula ...-...-TI.
3.º
Tal veículo pertencia a BB e era então conduzido por CC.
4.º
A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ...-...-TI encontrava-se transferida para a Y..., Companhia de Seguros, S.A.., ora ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ......., válido e em vigor na data do acidente.
5.º
A autora nasceu em .../.../1971, tendo 40 anos à data do acidente.
6.º
Entre a interveniente W... e a entidade patronal da autora, S..., Lda., foi celebrado um contrato de seguro, titulado pela apólice nº ........., no âmbito do qual a primeira assumiu a respectiva responsabilidade infortunística laboral relativamente à funcionária (aqui sinistrada e autora).
7.º
Por força do acidente dos autos corre termos no Tribunal do Trabalho de Matosinhos a respectiva acção, sob o nº de processo 488/13.0TTMTS, no âmbito do qual foi fixada à sinistrada uma pensão anual no valor de 3.486,06 euros, sendo a quota-parte da responsabilidade da seguradora W... de 3.219,56 euros, bem como a quantia de 18,50 euros de transportes.
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Constituem temas de prova na presente acção:
I - Apurar as circunstâncias em que ocorreu o sinistro dos autos, a conduta da autora e da condutora do veículo seguro, bem como as características do local;
II - Apurar as lesões físicas sofridas pela autora em consequência do acidente dos autos;
III - Apurar as sequelas que lhes advieram em consequência das lesões referidas em II), e sua consolidação médico-legal;
IV - Apurar as despesas e prejuízos sofridos, bem como lucros cessantes e danos futuros, decorrentes do acidente dos autos;
V - Apurar os danos não patrimoniais sofridos;
VI - Apurar os valores pagos pela W....”
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A Interveniente Principal deduziu ampliações do pedido:
- em 5 de Junho de 2017, no montante de €6.524,73, sendo €6.499,75 referente a duodécimos da pensão, respectiva actualização e €25 de despesa hospitalar;
- em 23 de Novembro de 2018, no montante de €4.776,80 relativamente a duodécimos da pensão e respectiva actualização;
- em 15 de Outubro de 2020, no montante de €5.775,33 referente a duodécimos da pensão no período compreendido entre 1 de Dezembro de 2018 e 1 de Julho de 2020, respetivos 13º e 14º mês;
- em 26 de Maio de 2021, no montante de €2.682,62 relativamente a duodécimos da pensão no período compreendido entre 1 de Agosto de 2020 e 31 de Maio de 2021 e respectivo 13º mês, no montante de € 2.658 e retroactivos de 2020 no montante de €23,62.
Estas ampliações foram admitidas como desenvolvimentos do pedido primitivo, não tendo sido impugnadas pela Ré.
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Na fase de julgamento Autora e Ré celebraram transacção, homologada por sentença transitada em julgado.
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Aberta a audiência de julgamento relativamente à pretensão deduzida pela Interveniente Principal, foi prescindida a produção de prova testemunhal, havendo somente alegações:
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Foi proferida sentença que julgou improcedente os incidentes deduzidos pela Interveniente Principal W... - Sucursal em Portugal, absolvendo a Ré Y..., Companhia de Seguros, S.A. dos pedidos por aquela formulados.
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Não se conformando com a sentença proferida, a recorrente Interveniente Principal W... - Sucursal em Portugal veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I. Por douto despacho saneador proferido em 22.09.2015 (nos autos a fls…) o tribunal recorrido, fixou como assente, os seguintes factos:
1º - Ocorrência de acidente, data e local.
2º - Por verificação de embate entre a Autora e o espelho retrovisor do veículo automóvel “TI”.
3º - Identificação do condutor e propriedade do veículo;
4º- Validade do contrato de seguro de transferência de responsabilidade para a Ré.
E como temas de prova, entre outros:
“I - Apurar as circunstâncias em que ocorreu o sinistro dos autos, a conduta da Autora e da condutora do veículo seguro, bem como as características do local.”

II. Ou seja, o Tribunal considerando - e bem - não deter factualidade suficiente para proferir decisão final, remeteu para prova posterior o apuramento da dinâmica e circunstancialismo do acidente de viação.

III. Já na fase de Julgamento o Tribunal, perante a total ausência de prova testemunhal e apenas com base na Petição Inicial e Contestação (absolutamente contraditórias entre si) decidiu que o atropelamento do peão ficou a dever-se exclusivamente à sua própria conduta.

IV. Ora, salvo o devido respeito, tal forma de valorização de prova é completamente impossível de retirar das referidas peças processuais.

V. Devendo por isso ser alterada a matéria dada como provada e não provada pela Sentença agora posta em crise, nomeadamente, os pontos 9º a 14º e 18º (págs. 4 e 5 da Sentença).

VI. Contrariamente ao afirmado na Sentença recorrida, quem violou o ónus da impugnação foi tão só a Ré que, devidamente notificada relativamente às peças processuais da Interveniente nunca exerceu o respetivo contraditório, devendo por isso ter-se por assentes os factos por esta invocados.

VII. O que acarreta diretamente a imputação de culpa ao condutor do veículo matrícula ...-...-TI e em consequência a condenação da Ré no pedido formulado pela Interveniente W....

VIII. Sem prescindir, deverão ser considerados como assentes os factos enumerados no despacho saneador e, em consequência, ser a Ré condenada por aplicação do risco de circulação do veículo por si seguro, nos termos do artº 503º do Cód. Civil, na totalidade do pedido da Recorrente, à luz da teoria do risco e conforme as mais recentes diretivas comunitárias a este título publicadas.

IX. A Sentença em análise violou ou aplicou deficientemente, entre outros, os artºs 607º, 574º do Cód. Proc. Civil e 503º do Cód. Civil.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2.1 Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 11 de Junho de 2012, pelas 10h00, ocorreu um acidente de viação na Rua ..., na freguesia ....
2. Tal acidente consistiu no embate entre a Autora (peão) e o espelho retrovisor direito 1 do veículo automóvel de matrícula ...-...-TI.
3. Tal veículo pertencia a BB e era então
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