Acórdão nº 4224/19.9T8VIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-05-24

Ano2022
Número Acordão4224/19.9T8VIS.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU)


Processo n.º 4224/19.9T8VIS

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

AA, com residência em Quinta ..., ..., ..., ..., ... – ..., e em ... 5, 1216, ..., ..., propôs a presente acção declarativa com processo comum contra BB, residente na Quinta ..., ..., ..., pedindo:
1. Se fixasse uma compensação a favor dela, autora, pela privação do imóvel [fracção autónoma situado na Quinta ..., ...], bem comum do extinto casal, desde o mês de Março/2018 (data em que o réu se apossou do imóvel), até à homologação da partilha dos bens comuns do extinto casal;
2. Caso assim se não entendesse, se fixasse em termos equitativos uma indemnização pelo enriquecimento sem causa do réu.

Para o efeito alegou em síntese:
· Que ela e o réu foram casados entre si, mas que se divorciaram por sentença proferida em 10/01/2018, transitada em julgado em 14/02/2018;
· Que adquiriram, enquanto casados, uma fracção autónoma situado na Quinta ..., ...;
· Que os bens comuns do casal ainda não foram partilhados, não obstante se encontrar pendente inventário para partilha dos bens comuns;
· Que o réu passou a viver na fracção autónoma a partir de Março de 2018 e, desde então, tem impedido a autora de a usar, bem como ao recheio da mesma;
· Que deve ser fixada a favor dela, autora, uma quantia não inferior a 300 euros por mês por estar privada de usar o imóvel que é bem comum.

O réu contestou, pedindo se julgasse improcedente a acção. Na sua defesa, alegou, em síntese, que nunca impediu a autora de usar a fracção autónoma.

O processo prosseguiu os seus termos e, no despacho saneador, o Meritíssimo juiz do tribunal a quo absolveu o réu da instância, com fundamento em erro na forma do processo.

O tribunal a quo justificou a decisão dizendo:
· Que existiam bens comuns do casal;
· Que a pretensão visada com a presente acção foi apresentada também pela autora no âmbito do processo de inventário instaurado para partilha dos bens comuns da autora e do réu;
· Que o meio adequado para a autora efectivar o seu direito era o processo de inventário e não a acção de processo comum;
· Que o erro na forma do processo não podia ser corrigido, uma vez que o tribunal onda a acção havia sido proposta era materialmente incompetente para conhecer do inventário, uma vez que o divórcio foi decretado no âmbito de processo que correu termos no Tribunal de Família e Menores.

A autora não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse e substituísse a decisão recorrida por decisão que ordenasse o regular prosseguimento dos autos até final.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram em síntese os seguintes:
1. A recorrente deu entrada da acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em 14 de Setembro de 2017, tendo o divórcio sido decretado por sentença proferida no dia 10 de Janeiro de 2018, transitada em julgado em 14 de Fevereiro de 2018.
2. No mês de Março de 2018 (já depois do divórcio entre as partes ter sido decretado), o recorrido passou a residir e a usufruir de forma exclusiva do imóvel bem comum do extinto casal, tendo inclusive trocado as fechaduras do mesmo, assim como de todo o mobiliário aí existente, ficando a recorrente privada de usar tais bens (imóvel e móveis).
3. Daí que a recorrente tenha intentado a presente acção, requerendo a condenação do recorrido no pagamento de uma compensação pela privação do imóvel, bem comum do extinto casal, desde o mês de Março de 2018 (data em que o recorrido se apossou do imóvel) até à homologação da partilha dos bens.
4. Neste seguimento, as relações entre os cônjuges cessam com a dissolução do casamento, designadamente através do divórcio (artigo 1688.º e 1788.º do Código Civil), produzindo os seus efeitos a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença; porém, a lei faz retroagir os efeitos do divórcio à data da propositura da acção, no que às relações patrimoniais entre os cônjuges diz respeito (artigo 1789.º, nº 1 in fine do Código Civil).
5. Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal (artigo 1689.º do Código Civil), seja por acordo ou por intermédio do processo de inventário (artigo 1133.º CPC); sendo certo que, na partilha, cada cônjuge receberá os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, conferindo previamente o que dever a este património comum.
6. O inventário pós divórcio tem por finalidade colocar um fim na comunhão de bens derivada do casamento, procedendo-se à partilha dos bens; quer isto dizer, pretende-se alcançar uma justa composição dos quinhões, liquidação do património próprio e comum e subsequente partilha, tendo sempre em consideração a data em que cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges.
7. Quer dizer, o património a partilhar através do processo de inventário só engloba os bens/verbas existentes na data da propositura da acção de divórcio e não os contraídos/adquiridos posteriormente, apenas aqueles devendo ser objecto da partilha no inventário.
8. A este propósito, vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo nº 4931/10.1TBLRA.C1, datado de 08/01/2011, que nos diz o seguinte: “Com a retroação – que significa que a composição da comunhão se deve considerar fixada no dia da propositura da ação e não do dia do transito em julgado da decisão e que a partilha deve ser feita como se a comunhão tivesse sido dissolvida no dia da instauração da ação ou na data em que cessou a coabitação – quer-se evitar o prejuízo de um dos cônjuges pelos atos de insensatez, prodigalidade ou de pura vingança que o outro venha a praticar desde a proposição da ação sobre valores do património comum (ensinamento de Pires Lima / Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Coimbra Editora 1992, Vol. Iv, pág. 561”.
9. Pelo que a dívida que a recorrente peticiona nos presentes autos ao recorrido foi contraída já depois de terem cessado as relações patrimoniais entre os cônjuges (o que ocorreu no momento da propositura da acção de divórcio em Setembro de 2017) e já depois de dissolvido o casamento por sentença transitada em julgado em Fevereiro de 2018.
10. Assim sendo, estamos perante uma dívida que não faz parte do património comum, que não integra a comunhão objecto de partilhas no processo de inventário; dívida essa que se reporta ao património próprio de cada um, sem a intervenção do património comum (apesar deste estar na sua base, uma vez que o crédito que agora se reclama deriva do uso em exclusivo e consequente privação de um bem comum do extinto casal).
11. Estamos perante uma dívida da inteira responsabilidade do recorrido face à recorrente, à qual não tem aplicação o disposto no artigo 1697.º do CC, uma vez que não estamos a tratar de nenhum assunto de dívidas da responsabilidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT