Acórdão nº 42064/22.5YIPRT.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-24

Ano2023
Número Acordão42064/22.5YIPRT.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
M, LDA. instaurou injunção contra H, S.A. requerendo a condenação desta no pagamento da quantia global de €22.959,96 euros.
Em suma, alegou a Autora:
- ter celebrado com a Ré um contrato de prestação de serviços de gestão e recolha de serviços, em 01 de Agosto de 2019;
- que em 03 de Outubro de 2021 a Ré procedeu à resolução do contrato e que, nessa altura, se encontrava em dívida o montante de €7.117,72, sendo esse montante devido;
- que além desse montante, é devido o de €14.900, a título de indemnização em virtude da resolução antecipada do contrato.
Citada, veio a Ré apresentar Oposição, defendendo a improcedência da acção.
Alegou, em síntese, que:
- não deve o valor de 14.900 euros, uma vez que por e-mail datado de 26 de Outubro de 2021 informou a Autora que iria cumprir a vigência do contrato, dando sem efeito a revogação efectuada no dia 03 de Outubro de 2021;
- após essa data e pese embora essa comunicação, a Autora não mais procedeu à recolha do lixo, o que fez com que a Ré resolvesse o contrato por incumprimento em 04 de Janeiro de 2022;
- ainda que assim não se entendesse, no dia 03 de Outubro de 2021, a Ré revogou unilateralmente o contrato de prestação de serviços celebrado, o que é legalmente admissível;
- estamos perante uma situação de abuso de direito, uma vez que a Autora recusou retomar a prestação de serviços, motivo pelo qual não pode posteriormente peticionar a indemnização.

Realizada a Audiência de Julgamento veio a ser proferida Sentença, da qual consta a seguinte parte decisória:
“Por todo o exposto, julgo a ação totalmente procedente e em consequência:
A) Condeno a Ré H, S.A. ao pagamento da quantia de 14.900,00 euros (catorze mil e novecentos euros) à Autora M, Lda., acrescida de juros, à taxa de 7%, desde 19 de Novembro de 2021 até efetivo e integral pagamento.
B) Julgo prejudicados os montantes peticionados relativos às faturas dos serviços prestados em data anterior a Outubro de 2021 e juros relativos a essas faturas.
C) Julgo improcedente a exceção perentória impeditiva de abuso de direito.
D) Condeno a Ré H, S.A. ao pagamento da totalidade das custas processuais. Registe e notifique”.
É desta Sentença que vem interposto Recurso de Apelação por parte da Ré, a qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
“A – O presente Recurso tem por objecto matéria de facto e de direito
B – A Recorrente considera que deveria ser dado por provado que:
– Foi estipulado, na cláusula 7.ª do contrato dos autos, que “O presente contrato tem início a 01 de agosto de 2019 e caduca a 31 de julho de 2020. Contudo as partes acordam, desde já, na sua renovação automática, por períodos de 1 (um) ano, sem prejuízo do estatuído na cláusula décima.”
C – Este facto resulta provado do teor do referido contrato de fls. 10 a 11v. dos autos.
D – Por outro lado, entende a Recorrente que deve ser aditado ao facto provado 22, o número e o motivo da emissão da factura que titula a indemnização pedida e para melhor concretização da mesma, nos seguintes termos [que se realça a negrito]:
“22- No dia 20 de Outubro de 2021 foi emitida pela Autora, e remetida à Ré para pagamento, a fatura 2021/1243, com data de vencimento em 19 de Novembro de 2021, com o valor total de 14.900 euros, com a seguinte descrição: ‘INDEMNIZAÇÃO REF DENÚNCIA ANTECIPADA DO CONTRATO NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA OUTUBRO 2021 A JULHO 2022’”
E – Este aditamento resulta provado pelo documento de fls. 16 dos autos.
F – Por fim, entende igualmente a Recorrente que deve ser aditado à matéria de facto assente, o seguinte facto, aduzido no artigo 16.º da Oposição de fls. 3 e ss. dos autos:
– A Autora deixou de prestar definitivamente serviços para a Recorrente, a partir do dia 04.10.2021.
G – Este facto resulta provado pela admissão da Autora/Recorrida quanto ao mesmo, nos artigos 5. e 10. da Resposta à excepção de abuso de direito, de fls. 40 e ss. dos autos; do depoimento da testemunha Joana Raquel Gomes Gonçalves, na passagem com início em 00:14:16 e fim em 00:14:30 do seu depoimento; e vem admitido na Sentença apelada, conquanto não figurado nos seus factos dados por provados.
H – Entrando no Recurso de Direito, cumpre sublinhar que a questão que se coloca é a de saber se, sub judice, a Recorrida, tal como pedido por esta e decidido pelo Tribunal da Primeira Instância, teria direito, ou não, em consequência da revogação unilateral do contrato ajuizado, à indemnização consistente no valor total de €14.900,00, apurado através da multiplicação do valor mensal acordado de €1.490,00 pelos 10 meses que faltavam decorrer até final do período contratual em curso, i. e., desde o mês de Outubro de 2021 até ao mês de Julho de 2022.
I – Salvo melhor opinião, atendendo
(i.) ao acervo fáctico apurado e à factualidade que se preconiza, em sede recursiva, que também seja dada por provada, bem como
(ii.) ao disposto nos artigos 1170.º, 1172.º, 562.º e 566.º do CC, e
(iii.) à interpretação jurisprudencial e doutrinal que prevalentemente é dada aos mesmos, o Tribunal recorrido não poderia ter condenado a Recorrente no pagamento da indemnização, juros e custas em que a condenou, ocorrendo, salvo melhor entendimento, erro de julgamento do Tribunal a quo na prolação dos segmentos decisórios A), C) e D) ora sob recurso.
J – E se a Jurisprudência exemplificativamente referida na Oposição não permite defender e sustentar a condenação da Recorrente no pagamento da indemnização peticionada no caso e que a Sentença recorrida sancionou a título de pretensos lucros cessantes, com base na factura indicada sob facto provado 22 e comunicação mencionada em 21 dos factos provados,
K – a verdade é que também se afigura que a Jurisprudência citada na própria Sentença verberada, igualmente não o consente – é dizer, também a Jurisprudência invocada na Sentença em pretenso apoio do ali decidido, não permitirá esteá-la nem fundar a condenação da Apelante no pagamento da indemnização pedida nestes autos.
L – Como bem decidido, o contrato de fls. 10 a 11v dos autos, trata-se de um contrato de prestação de serviços regulado pelos artigos 1154.º e ss. e, ex vi do artigo 1156.º, pelos artigos 1157.º e ss., todos do CC, aplicáveis ao contrato de mandato.
M – A comunicação de cessação do contrato submetido a juízo, que a Recorrente enviou à Recorrida em 03.10.2021, constitui uma revogação unilateral do contrato, como também bem decidido pelo Tribunal recorrido (factos provados em 18, 19 e 20 da Matéria de Facto Provada).
N – O contrato in casu era livremente revogável pela Recorrente, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1170.º do CC, não sendo aplicável à situação controvertida o prescrito no n.º 2 do mesmo inciso, como igualmente bem decidido pelo Tribunal da Primeira Instância.
O – Nesta acção, veio a Autora/Recorrida pedir a condenação da Recorrente no pagamento do valor de indemnização de €14.900,00, titulado pela fatura n.º 2021/1243, de 20.10.2021, “referente à indemnização de denúncia antecipada por parte do requerido, conforme expressa a cláusula 7.ª do contrato de prestação de serviços gestão de resíduos CPS/RSU/2019/0135 e no seguimento da comunicação efetuada pelo requerido em 26 de outubro de 2021” (cf. PI, 3., g), realce nosso).
P – A antedita factura n.º 2021/1243, de 20.10.2021, de fls. 16 dos autos, foi emitida pela Recorrida em 20.10.2021, e, conforme decorre do respectivo teor e se requer seja dado por provado em 22 da matéria provada, contém o seguinte fundamento da respectiva emissão ou descrição: ‘INDEMNIZAÇÃO REF DENÚNCIA ANTECIPADA DO CONTRATO NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA OUTUBRO 2021 A JULHO 2022” – sublinhado nosso.
Q – Conforme resulta provado em 21 dos factos processualmente assentes: “No dia 20 de Outubro de 2021 a Autora remeteu uma carta à Ré”, na qual, entre o mais, fez consignar, que “[d]este modo salientamos que não aceitamos a rescisão solicitada, e enviamos em anexo a fatura referente à indemnização pela denuncia antecipada do contrato indevida, no valor de 14.900 euros pelos 10 meses que faltam até ao término do contrato. (…)’” – sublinhado nosso.
R – A partir do dia 04.10.2021, a Recorrida deixou de prestar definitivamente para a Recorrente os serviços objecto do contrato de fls. 10 a 11v dos autos (facto que se defende que seja dado por provado).
S – Desta forma, temos que a Autora/Recorrida não veio aos autos pedir o pagamento de uma indemnização por prejuízos eventualmente sofridos com a revogação unilateral do contrato equacionado, levada a cabo pela Recorrente, antes uma indemnização do valor global de €14.900,00, correspondente aos 10 meses que faltavam decorrer até ao fim do contrato, i.e. €1.490,00 de Outubro de 2021 a Julho de 2022 – pedido em que o Tribunal a quo condenou a Apelante, por entender que tal obrigação de pagamento, pelo “lucro cessante (…) resulta não só do artigo 1172º, alínea c), do Código Civil, como resultaria das regras gerais previstas no artigo 562.º e 566.º do Código Civil”.
T – Com todo o respeito por diferente opinião, afigura-se que a Sentença sob recurso faz uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1172.º, alínea c), 562.º e 566.º do CC, desde logo porque tais normativos não prevêem, nem consentem, a condenação automática da Recorrente no pagamento da referida indemnização pedida e judicialmente arbitrada na situação a pleito. U – Ou seja, diversamente da interpretação conferida pelo Tribunal recorrido aos indicados normativos legais, o entendimento interpretativo que é atribuído aos mesmos – entendimento que se revela pacífico na Doutrina e na Jurisprudência superior –, é o de que a eventual indemnização devida pela revogação unilateral do contrato de prestação de serviços “sem antecedência conveniente”, deve ser apurada com base na teoria da diferença, e não
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