Acórdão nº 42/22.5T9FAL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21-11-2023

Data de Julgamento21 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão42/22.5T9FAL.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Central Cível e Criminal de … - Juiz …, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o Tribunal Colectivo, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, o Arguido a seguir identificado

AA, filho de BB e CC, natural da …, nascido a …-…-1982, solteiro residente na Avenida …, …;

A final, foi decidido julgar a acusação parcialmente procedente, e, em consequência:

1. Absolver o arguido AA da prática concurso real de 3 (três) crimes de abuso sexual de menor dependente agravado, p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 2 do Cód. Penal, com referência ao artigo 171.º, n.º 3 al. a) do Cód. Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 177.º, n.º 1 al. a) e b) do Cód. Penal.

2. Condenar o arguido AA pela prática em concurso efectivo, real, de:

- um crime de abuso sexual de menor dependente, agravado, p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 1 al. a) do Cód. Penal, com referência ao artigo 171.º, n.º 1 e 177º n.º 1 al. a) do Cód. Penal na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (factos descritos em 8) a 12);

- um crime de abuso sexual de menor dependente, agravado, p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 1 al. a) do Cód. Penal, com referência ao artigo 171.º, n.º 1 e 177º n.º 1 al. a) do Cód. Penal na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (factos descritos em 14) a 19)

- Em cúmulo jurídico das mencionadas penas, condenar o arguido AA na pena única de 3 (três) anos de prisão.

- Julgar o pedido de indemnização civil procedente por provado e, em consequência, condenar o arguido/demandado no pagamento à demandante DD a quantia de € 6.000,00 (seis mil), a que acrescem juros de mora à taxa legal contados desde a presente data até integral pagamento.

Inconformado, o arguido AA, interpôs recurso da referida decisão, formulando as seguintes conclusões:

“a) Alegados instintos libidinosos não podem ser imputados ao pai da menor, aliás não provados, ainda que o tribunal a quo tenha criado a convicção da toxidade, aliás criminalizada, da relação intrafamiliar entre o pai e a filha, face ao impulso processual provocado pela denúncia da menor.

b) Considera o acusado que as práticas libidinosas percecionadas e referidas no libelo acusatório carecem de razoabilidade e evidências suficientes para fundamentar o juízo condenatório do tribunal a quo.

c) Assim, do acórdão, o arguido não consegue extrair os critérios objetivos e fundamentados que permitam dar conteúdo e forma à convicção aduzida pelo tribunal a quo por forma a sustentar a condenação ao seu encarceramento e ao montante a pagar à vítima.

d) O arguido, até por ser primário, não se conforma com o encarceramento a que se encontra condenado porque subsumindo os tipos criminais aos factos ocorridos no seio da família, o arguido continua a repudiar a acusação sobre os seus instintos libidinosos visto que em momento algum do seu relacionamento com a filha agiu contra a sua autodeterminação ou orientação sexual, pois tudo o que verbalizou fê-lo saudavelmente, aliás, nunca se apercebeu que estaria na altura até ao seu embarque no avião de regresso à … para junto de sua mãe ( mas pelos vistos, segundo o tribunal a quo, estaria e, muito gravemente) por palavras ou ações cometidas numa relação tóxica com a filha, ferindo dimensões íntima da mesma no que tange aos valores dela em matéria de honra ou orientação sexual recebidas pela Justiça como idóneas para sustentar uma queixa digna de reparação cível e determinar uma sanção de privação de liberdade do agente, alegado autor dos factos julgados.

e) E diga-se, já agora, que é infundado e sem justificação plausível o direito atribuído pelo tribunal a quo por alegados danos não patrimoniais sofridos pela demandante arriscando, com a condenação do pai, a ser posto em crise o relacionamento, sempre cordato com o progenitor o qual continua a cumprir de forma responsável as obrigações para com a filha.

f) Não tendo encontrado na prova produzida em sede de julgamento suporte objetivo, o tribunal a quo resvalou para o criacionismo e a discricionariedade sem ter ponderado nos impactos perversos e desumanos que iria conseguir com a moldura penal concreta de prisão efetiva do arguido pois - salvo mais justa opinião - havendo que prevenir em concreto a sanidade da relação entre pai e filha (hipótese meramente académica) seria bastante para essa prevenção específica condenar o pai a um afastamento da menor. A pena aplicada, sem proporcionalidade, excede manifestamente a razoabilidade e os fins penais.

g) In casu, o tribunal a quo ultrapassou o quadro sancionatório legal necessariamente justo, imparcial e equitativo aplicado ao arguido primário anulando da forma mais punitiva os seus próprios direitos, liberdades e garantias constitucionais graças a um julgamento que se revelou ofensivo da verdade material e desproporcionado na sua moldura penal.

h) Muito naturalmente, salvo melhor juízo, face ao circunstancialismo concreto conforme declarações produzidas em julgamento, qualquer pessoa dotada de senso comum, característica do “homem médio” recusará aceitar com elevado grau de probabilidade que o arguido, intencional e com espirito criminal, portanto dolosamente, se tenha aproveitado das circunstâncias concretas de se encontrar inesperadamente no interior da tenda num acampamento organizado pela família, tenha executado quaisquer atos preparatórios ou executórios em ordem ao cometimento dos crimes de prática sexual de relevo sobre a filha menor, indefesa, designadamente de coito vaginal.

i) Tanto mais que os factos circunstanciais relatados pela menor, dizendo esta ter acordado com a mão do pai sobre a roupa que tinha vestida, alegadamente na sua zona vaginal, poderia ter sido colocada porventura de forma inconscientemente- assim foi reconhecido pela jovem queixosa em juízo – poderia efetivamente ter sido uma mera possibilidade “fantasiosa” corroborada, aliás, pela especialista em Psicologia da Adolescência!

j) Não era intenção do pai partilhar a tenda com a filha pois, inopinadamente, ao arrepio do acordado entre as jovens e os respetivos progenitores, a enteada do arguido decidiu abandonar a tenda, preferindo dormir com sua mãe no automóvel da família no lugar inicialmente previsto para o padrasto, que lhe cedeu o lugar, passando a tenda a ser partilhada entre pai e filha que, recorde-se, permanecia vestida com calças e blusa fechada, não se vislumbrando, pois, para uma mente saudável, mal maior ou qualquer risco de assédio sexual ou investida contra a livre determinação da liberdade sexual da menor.

k) A condenação à privação da liberdade por tão tenebrosos crimes – que o condenado jamais visionou na sua mente e muito menos tentou executar ou a consumar – nunca poderá ser acolhida sem indignação por si e pela família, nem tal decisão consegue nos termos decretados pelo tribunal a quo realizar os fins gerais e especiais das penas do agente no seio da família e da sociedade.

l) A prisão efetiva do arguido implicaria seguramente inúmeros impactos perversos, manifestamente injustos, face à toxidade da narrativa, em parte ficcionada, da relação paterna da menor, que o tribunal a quo aquiesceu aceitar, sem nunca ter jogada mão e ponderar no principio in dúbio pro reu, a que está legalmente vinculado, perante tanta incerteza na avaliação e conformidade dos factos ao quadro legal avocado.

m) Em síntese, o arguido sente inconformismo e indignação, ainda, porque não entende as motivações da alegada vítima para a demanda nem o ressarcimento monetário obrigatório que lhe foi imposto pelo tribunal a quo.

Parece ao arguido que,

n) A convicção do tribunal a quo padece de verosimilhança e conformidade à realidade no preenchimento dos tipos de crimes objeto da condenação, conservando-se por isso no terreno da discricionariedade técnica em nome da permitida convicção para julgar à luz da experiência.

o) O estado, através do tribunal a quo, parece estar a ir muito para além dos seus limites ao interferir nas relações de proximidade no quadro familiar quando retira ilações, digamos puritanas, nos episódios das referências ao “rabo da menor” e “ao puxão da toalha” sendo certo que a menor tem o direito de se indignar com as mesmas à luz da sua personalidade.

p) Andou bem o tribunal a quo ao defender o direito constitucional à livre autonomia da liberdade sexual individual da menor ainda que no seio de uma família organizada segundo valores culturais, padrões sociais e morais de aceitação e tolerância relativas, pelos quais a família concreta alinha no seu quotidiano porém, merecedores de censura e de recusa por parte, ainda menor de idade, mas com mais de dezasseis anos, atualmente já maior de idade, sem que daí se parta necessária e radicalmente para a condenação em prisão efetiva do agente pela toxidade relacional denunciada bem se sabendo que a menor é sem dúvida a parte fraca, dependente, na relação quotidiana entre ambos.

q) Assim, perante a factualidade apreciada, provada e não provada, pelo tribunal a quo, avaliada segundo critérios culturais de moralidade e censurabilidades discutíveis. Sendo certo que o poder judicial se absteve de conhecer outros atos de companheirismo do pai com a menor na residência da família, o tribunal a quo relevou e aplicou uma moldura de censurabilidade inusitada e profundamente injusta que apenas conduz a indignação.

r) O cumprimento das obrigações dos membros da família enquanto cidadãos requer por parte do Estado Português o dever constitucional de equacionar o capítulo dos direitos, liberdades e garantias fundamentais do cidadão na medido do equilíbrio justo devido a cada membro da família atendendo aos valores e práticas culturais específicas, por forma a minimizar os choques entre o poder do Estado e as liberdades da Família.

s) Em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT