Acórdão nº 4165/21.0T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 24-03-2022
Judgment Date | 24 March 2022 |
Year | 2022 |
Acordao Number | 4165/21.0T8AVR.P1 |
Court | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Apelação nº 4165/21.0T8AVR.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I – RESENHA HISTÓRICA DO PROCESSO
1. Em 13 de Dezembro de 2021, AA instaurou no Tribunal de Família e Menores de Aveiro um processo de inventário para separação de meações na sequência de divórcio, o qual tinha sido decretado pela Conservatória de Registo Civil de Aveiro.
O M.mº Juiz do Tribunal em causa proferiu despacho de indeferimento liminar considerando o Tribunal incompetente em razão da matéria, com a seguinte fundamentação:
«Nos termos do disposto no artigo 1083.º do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.
De outro modo, fora dos casos de competência exclusiva dos tribunais judiciais o processo pode ser requerido, à escolha do interessado que o instaura ou mediante acordo entre todos os interessados nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais.
Assim, nos casos em que não existe processo judicial de que o proposto inventário seja dependência, nomeadamente quando o divórcio foi decretado em Conservatória do registo Civil, trata-se de inventário que de modo meramente facultativo pode ser proposto em tribunal judicial.
A Lei de Organização do Sistema Judiciário não fixa qual o Juízo de Família e Menores territorialmente competente. Tal competência resulta, quanto aos inventários ainda tramitados nos cartórios notáriais, do disposto no artigo 3º nº7 do Regime Jurídico do Processo de Inventário. Pelo contrário quanto aos inventários instaurados após a revogação daquele Regime (operada pelo artigo 10º da Lei 117/2019) não existe qualquer norma que fixe a competência territorial dos Juízos de Família e Menores.
De outro modo, a competência territorial dos tribunais com a competência material para os restantes inventários – visando a partilha de heranças – foi prevista na lei que estabelece no artigo 72º-A (redacção da referida Lei 117/2019) que é competente o tribunal do lugar da abertura da sucessão e critérios subsidiários e ainda no nº4 do artigo 12º da mesma Lei.
Conclui-se, assim, que atenta a revogação do RJPI, não existe norma que fixe a competência territorial entre os Juízos de Família e Menores para a tramitação dos processos de inventários subsequentes a divórcio decretado nas CRCivil.
A competência material dos Juízo de Família e Menores é a que resulta do elenco taxativo previsto no art. 122º da LOSJ. Relativamente aos processos de inventário, prevê o nº2 apenas que os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.
O referido artigo 122º não foi objecto de qualquer alteração, sendo que as competências a que se refere o artigo 122º nº2 – competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência da separação de bens ou divórcio - eram apenas as competências residuais excepcionalmente atribuídas ao Juiz no Regime Jurídico do Processo de Inventário (entretanto, como se disse, revogado relativamente a processos novos) e não a competência para a tramitação de todo o inventário.
Em síntese:
- não tendo a Lei 117/2019 atribuído expressamente competência material aos Juízos de Família e Menores para a tramitação dos processos de inventário subsequentes a divórcio decretado nas Conservatórias do Registo Civil e,
- não tendo a referida Lei fixado o tribunal territorialmente competente para esses processos e não tendo, finalmente, o artigo 122º nº2 da LOSJ sido objecto de qualquer alteração – assim mantendo a referência apenas às competências previstas no Regime Jurídico do Processo de Inventário entretanto revogado,
O referido artigo 122º nº2 deve, também, considerar-se tacitamente revogado pela Lei 117/2020 nos exactos termos em que a mesma lei revogou o Regime Jurídico do Processo de Inventários, isto é, mantendo apenas aplicável o regime (e por consequência o nº2 do art.122º) relativamente aos processos de inventário ainda pendentes nos Notários.
Em suma, fora dos casos de competência exclusiva dos tribunais para os processos de inventário – inventário dependente de outro processo judicial – em que a competência dos Juízos de Família e Menores resulta, por conexão, da competência material para os autos principais, os Juízos de Família e Menores não têm competência material para os processos de inventário, nomeadamente para os subsequentes a divórcio ou separação realizados nas Conservatórias do Registo Civil. Relativamente a estes inventários não tendo a lei (seja a Lei 117/2019 seja a LOSJ) atribuído competência aos tribunais de Família e Menores existe um regime imperativo de competência dos cartórios notariais, devendo o artigo 1083º nº2 do CPC (na redacção da referida Lei) ser restritivamente interpretado, apenas se aplicando aos inventários para partilha de herança, como, de resto, resulta ainda do ali disposto no nº3 quanto ao critério para remessa dos autos ao tribunal em caso de divergência - «interessados que representem mais de metade da herança» - critério absolutamente inviável quanto aos inventários para partilha de bens comuns decorrente de divórcio ou separação.
Acresce que a permitir a competência facultativa dos Juízos de Família sem que a lei estabeleça (e não estabelece) qualquer critério de competência territorial seria abrir a porta a uma insustentável e arbitrária atribuição de competência a certo Juízo de Família (um verdadeiro «fórum shopping») mesmo que sem qualquer conexão com as partes ou o local onde pendeu o processo de divórcio.
No caso dos autos o...
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I – RESENHA HISTÓRICA DO PROCESSO
1. Em 13 de Dezembro de 2021, AA instaurou no Tribunal de Família e Menores de Aveiro um processo de inventário para separação de meações na sequência de divórcio, o qual tinha sido decretado pela Conservatória de Registo Civil de Aveiro.
O M.mº Juiz do Tribunal em causa proferiu despacho de indeferimento liminar considerando o Tribunal incompetente em razão da matéria, com a seguinte fundamentação:
«Nos termos do disposto no artigo 1083.º do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.
De outro modo, fora dos casos de competência exclusiva dos tribunais judiciais o processo pode ser requerido, à escolha do interessado que o instaura ou mediante acordo entre todos os interessados nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais.
Assim, nos casos em que não existe processo judicial de que o proposto inventário seja dependência, nomeadamente quando o divórcio foi decretado em Conservatória do registo Civil, trata-se de inventário que de modo meramente facultativo pode ser proposto em tribunal judicial.
A Lei de Organização do Sistema Judiciário não fixa qual o Juízo de Família e Menores territorialmente competente. Tal competência resulta, quanto aos inventários ainda tramitados nos cartórios notáriais, do disposto no artigo 3º nº7 do Regime Jurídico do Processo de Inventário. Pelo contrário quanto aos inventários instaurados após a revogação daquele Regime (operada pelo artigo 10º da Lei 117/2019) não existe qualquer norma que fixe a competência territorial dos Juízos de Família e Menores.
De outro modo, a competência territorial dos tribunais com a competência material para os restantes inventários – visando a partilha de heranças – foi prevista na lei que estabelece no artigo 72º-A (redacção da referida Lei 117/2019) que é competente o tribunal do lugar da abertura da sucessão e critérios subsidiários e ainda no nº4 do artigo 12º da mesma Lei.
Conclui-se, assim, que atenta a revogação do RJPI, não existe norma que fixe a competência territorial entre os Juízos de Família e Menores para a tramitação dos processos de inventários subsequentes a divórcio decretado nas CRCivil.
A competência material dos Juízo de Família e Menores é a que resulta do elenco taxativo previsto no art. 122º da LOSJ. Relativamente aos processos de inventário, prevê o nº2 apenas que os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.
O referido artigo 122º não foi objecto de qualquer alteração, sendo que as competências a que se refere o artigo 122º nº2 – competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência da separação de bens ou divórcio - eram apenas as competências residuais excepcionalmente atribuídas ao Juiz no Regime Jurídico do Processo de Inventário (entretanto, como se disse, revogado relativamente a processos novos) e não a competência para a tramitação de todo o inventário.
Em síntese:
- não tendo a Lei 117/2019 atribuído expressamente competência material aos Juízos de Família e Menores para a tramitação dos processos de inventário subsequentes a divórcio decretado nas Conservatórias do Registo Civil e,
- não tendo a referida Lei fixado o tribunal territorialmente competente para esses processos e não tendo, finalmente, o artigo 122º nº2 da LOSJ sido objecto de qualquer alteração – assim mantendo a referência apenas às competências previstas no Regime Jurídico do Processo de Inventário entretanto revogado,
O referido artigo 122º nº2 deve, também, considerar-se tacitamente revogado pela Lei 117/2020 nos exactos termos em que a mesma lei revogou o Regime Jurídico do Processo de Inventários, isto é, mantendo apenas aplicável o regime (e por consequência o nº2 do art.122º) relativamente aos processos de inventário ainda pendentes nos Notários.
Em suma, fora dos casos de competência exclusiva dos tribunais para os processos de inventário – inventário dependente de outro processo judicial – em que a competência dos Juízos de Família e Menores resulta, por conexão, da competência material para os autos principais, os Juízos de Família e Menores não têm competência material para os processos de inventário, nomeadamente para os subsequentes a divórcio ou separação realizados nas Conservatórias do Registo Civil. Relativamente a estes inventários não tendo a lei (seja a Lei 117/2019 seja a LOSJ) atribuído competência aos tribunais de Família e Menores existe um regime imperativo de competência dos cartórios notariais, devendo o artigo 1083º nº2 do CPC (na redacção da referida Lei) ser restritivamente interpretado, apenas se aplicando aos inventários para partilha de herança, como, de resto, resulta ainda do ali disposto no nº3 quanto ao critério para remessa dos autos ao tribunal em caso de divergência - «interessados que representem mais de metade da herança» - critério absolutamente inviável quanto aos inventários para partilha de bens comuns decorrente de divórcio ou separação.
Acresce que a permitir a competência facultativa dos Juízos de Família sem que a lei estabeleça (e não estabelece) qualquer critério de competência territorial seria abrir a porta a uma insustentável e arbitrária atribuição de competência a certo Juízo de Família (um verdadeiro «fórum shopping») mesmo que sem qualquer conexão com as partes ou o local onde pendeu o processo de divórcio.
No caso dos autos o...
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