Acórdão nº 4139/20.8T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-11-13

Ano2023
Número Acordão4139/20.8T8AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de apelação n.º 4139/20.8T8AVR.P1
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro – J1




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:



RELATÓRIO
AA (Autora) instaurou contra “A..., Unipessoal, Lda.” (Ré) a presente ação, com processo comum, pedindo a condenação da Ré a reconhecer a justa causa da Autora para resolução do contrato de trabalho e a pagar-lhe, a título de indemnização e demais créditos salariais, o montante de €16.659,12, acrescido dos juros vencidos no valor de €556,83, e vincendos a calcular à data da sentença.
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, que foi admitida como trabalhadora da Ré no princípio de março de 2014, contrato que cessou em 28/02/2020, por sua iniciativa; a Autora comunicou a resolução do contrato com pré-aviso de 60 dias em 13/02/2020; no entanto, a partir de 14/02/2020 a gerente da Ré proibiu a Autora de desempenhar as suas funções nos termos habituais, relatando uma sucessão de factos que culminaram com comunicação escrita por parte da Autora, em 27/02/2020, a resolver o contrato com justa causa; reclama o pagamento de indemnização por antiguidade e créditos em falta.

Realizada «audiência de partes», frustrou-se a sua conciliação, pelo que foi notificada a Ré para poder contestar, o que fez, apresentando contestação na qual alegou, em resumo, que não aceita que a Autora tenha cessado o contrato com justa causa, dando a sua versão do sucedido, dizendo que ocorreu uma denúncia do contrato pela Autora sem aviso prévio, tendo-lhe liquidado os créditos devidos, com desconto da indemnização a que tem direito por falta do período de aviso prévio, nada devendo a Autora; esta litiga de má-fé; concluiu dizendo dever a ação ser julgada totalmente improcedente, e a Autora condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização, esta nunca inferior a € 500,00.

A Autora apresentou requerimento de resposta à contestação, na qual refere, entre o mais, que as rúbricas apostas no doc. nº 4 junto com o articulado da contestação não foram feitas por si, e que a Ré quem litiga de má-fé, devendo ser condenada em conformidade.
A Ré solicitou a realização de perícia à letra.

Foi proferido despacho a dispensar a realização de audiência prévia, sendo proferido despacho saneador afirmando a validade e regularidade da instância, com dispensa da prolação de despacho identificando o objeto do litígio e enunciando os temas de prova.
Foi fixado o valor da ação em €17.215,95.

Depois de realizada a perícia à letra, foi realizada «audiência de discussão e julgamento», sendo depois proferida sentença decidindo, na procedência parcial da ação, o seguinte:
I. Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia ilíquida de € 16,88 (dezasseis euros e oitenta e oito cêntimos), a título de retribuição por trabalho suplementar, mais juros de mora à taxa legal (atualmente de 4%), até integral pagamento, contados desde 30/04/2019, sobre metade dessa quantia; e desde 31/08/2019, sobre a outra metade.
II. Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia ilíquida de €115,20 (cento e quinze euros e vinte cêntimos), a título de créditos laborais em dívida, mais juros de mora à taxa legal (atualmente de 4%), desde 28/02/2020, até integral pagamento.
III. No mais, absolver a Ré do pedido, incluindo do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pela Autora.
IV. Condenar a Autora, como litigante de má-fé, em multa no valor de 5 (cinco) Unidades de Conta e a indemnizar a Ré, em montante cuja fixação se relega para ulterior momento, ao abrigo do disposto no art.º 543º, nº 3 do Cód. de Processo Civil.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Autora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:
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Termina dizendo dever o recurso merecer provimento, e em consequência revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue procedentes os pedidos formulados na petição inicial, condenando a Recorrida em conformidade.

A Ré apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
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Termina dizendo dever manter-se inalterada a decisão recorrida.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Digno Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido do recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, ou de não obter provimento, sendo escrito, essencialmente, o seguinte:
Atento o objeto dos presentes autos, determinado pelas conclusões formuladas, afigura-se-nos que a Recorrente não tem razão.
É evidente a fragilidade argumentativa apresentada quanto à impugnação da matéria de facto, por incorreta observância do ónus a que se alude no artigo 640º nº 1, al. c) do mesmo diploma legal.
Nas conclusões que a Recorrente formula, na que vem enunciada sob a al. A) menciona-se que “A factualidade considerada como provada na douta sentença sob os números 7.º, 8.º e 29.º está em desconformidade com a prova produzida, em manifesta violação das regras da apreciação da prova e, por isso, fica claramente impugnada para todos os efeitos;”.
Mais consta da subsequente al. K) a seguinte asserção: “Considerando o exposto não poderá manter-se a factualidade dada como provada em 7.º, 8, e 29.º dos factos provados na douta sentença, devendo face os elementos de prova supra invocados dar-se como provado que: 1- A autora durante a vigência do contrato cumpriu sempre um horário de trabalho superior a 40 horas semanais: de segunda a sexta feira das 9h30m às 12h30m e das 14h00m à 19h30m, ao sábado das 9h30m às 13h00m; 2- A gerente da Ré, depois de tomar conhecimento da decisão da autora de denunciar o contrato e trabalho, a partir de 14 de Fevereiro de 2020, proibiu-a de desempenhar as funções nos termos habituais, ordenando-lhe que permanecesse no armazém para arrumações, sem qualquer contato com o público que frequentava o estabelecimento e sem acesso aos utensílios e meios de trabalho”.
Resulta destas conclusões que a Recorrente delimita o objeto do recurso e fundamenta para impugnação da decisão da matéria de facto quanto a seus três pontos da matéria de facto provada que identifica sob os nos 7, 8 e 29, propõe duas novas redações para alteração daqueles e a serem dados como provados em conformidade.
Em nosso modesto entendimento, quanto à conclusão da al. K), tal consubstancia uma incorreta indicação sobre a decisão a ser proferida, por não observância da previsão do disposto no al. c) do nº 1 do art.º 640º do CPC. Ou seja, a Recorrente não faz uma correspondência exata entre os pontos impugnados, que são três, e os pontos a serem aprovados, que são dois. Tal denota uma imperfeição formal do cumprimento do ónus resultante deste segmento normativo. No dizer de António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil - Recursos nos Processos Especiais e Recursos no Processo do Trabalho, 7ª Edição Atualizada, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 200-201, ocorre uma “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.
A este respeito sumariou-se no Ac. deste TRP, de 26/06/2023, que “II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art.º 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso”.
Ocorre uma causa de imediata rejeição do recurso nesta parte – cfr. Acs. do STJ de 05 e 27, ambos de setembro de 2018 e deste TRP de 22/02/2021; tb. António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126, 127 e 129.
Estabilizada deste modo a matéria de facto, que deverá ser integralmente confirmada, não há motivo para alteração da matéria de direito. Ainda e quanto a esta desconhece-se qual o vício de que padece a sentença “sub iudice” por ausência de menção de norma legal em clara violação do disposto no art.º 639º, nº 2 do CPC.
O ilustre julgador “a quo” bem decidiu quanto à realização de trabalho suplementar prestado pela recorrente e ao não reconhecimento da existência de justa causa na resolução operada pela recorrente. Os créditos salariais foram fixados sem reparo.
Nenhuma das “conclusões” da alegação da recorrente subsiste perante a argumentação que foi expendida na douta decisão “sub iudice” e o que afasta qualquer vício ou erro de julgamento.

A Recorrente apresentou resposta dizendo, em síntese, que cumpriu o disposto nas diversas alíneas do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil, estando perfeitamente concretizado o objeto do recurso, corretamente expresso nas conclusões apresentadas.

A Recorrida também apresentou resposta, concluindo que o recurso deve ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, ou não obter provimento.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[2], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[3] é saber se:
● houve erro no julgamento sobre a matéria de facto?
● a Ré deve ser condenada no pagamento da quantia peticionada pela Autora a título de trabalho suplementar?
● verificou-se justa
...

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