Acórdão nº 4122/20.3T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 07-02-2023

Data de Julgamento07 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão4122/20.3T8LRA.C1
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Relatora: Cristina Neves
1.ª Adjunta: Teresa Albuquerque
2.ª Adjunto: Falcão de Magalhães

Proc. Nº 4122/20.3T8LRA.C1- Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ...-J....

Recorrente: AA

Recorridos: A..., Unipessoal, Ldª, e BB

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Teresa Albuquerque

Falcão de Magalhães


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


RELATÓRIO

AA propôs contra A..., Unipessoal, Ldª, e BB a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, na qual requer a condenação dos RR. a pagar ao A. a quantia de €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) acrescida de IVA à taxa legal que vigorar no momento do pagamento e acrescida dos juros que sobre ela se vençam desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento.

Para o efeito alega ter sido contratado para assessorar os RR. no negócio de farmácias, tendo a pedido dos RR., encontrado comprador para uma farmácia que estes pretendiam alienar, elaborando os respectivos contratos, sendo-lhe devidos honorários em montante que fixaram em 5% do valor acordado para o negócio, valor que os RR. se recusam a pagar.


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Regularmente citados, vieram os RR. deduzir contestação, na qual impugnam o alegado acordo com eles celebrado e, embora reconheçam que foi o A. que procedeu à elaboração dos contratos promessa e de um aditamento ao contrato promessa, alegam que não actuou em sua representação, julgando que actuava por conta da adquirente/trespassante da farmácia em causa.

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Dispensada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com indicação do objecto do litígio e selecção dos temas da prova.


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Após realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção improcedente e se absolveram os RR. dos pedidos formulados.

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Não conformado com esta decisão, impetrou o A. recurso da mesma relativamente à matéria de facto e de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“1ª - O Tribunal recorrido andou mal na apreciação da prova.

2ª - A matéria que consta do nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos não provados deve passar a ser dada como provada.

3ª - Impõem essa alteração o depoimento da testemunha CC que depôs na sessão do dia 17 de março de 2022 e cujo depoimento está gravado no sistema Habilus entre as 13:51 e as 15:04h, conforme ata de julgamento daquela data e de fls..; do DD que depôs na sessão do dia 17 de março de 2022 e cujo depoimento está gravado no mesmo sistema entre as 15:06 e as 16:13h, conforme ata de julgamento daquela data e de fls.. e do EE que depôs na sessão do dia 7 de abril de 2022 e cujo depoimento está igualmente gravado naquele sistema entre as 09;53 e as 10:16 h, conforme ata de julgamento daquela data e de fls.., todos nas passagens assinaladas e transcritas nestas alegações.

4ª - Naquilo que foi a divergência entre os depoimentos da CC e o do DD, impõem a acareação realizada entre eles (que teve lugar na sessão de 17.03.2022 e está ali gravada das 16:52’:00” às 17:05’:29”) nas passagens assinaladas e transcritas nestas alegações, a corroboração do depoimento da CC pelo EE e as regras da experiência comum, que deve prevalecer o daquela.

5ª - Estando em causa saber se um senhor advogado intervém num negócio em representação da vendedora ou do comprador, o facto o comprador atestar que desde o início ele se lhe apresentou como representante daquela, de toda a documentação pertinente passar pelo senhor advogado, de ter sido ele quem apresentou as partes uma à outra, de o acordo final ser feito no seu escritório, de ter sido ele quem elaborou o contrato promessa, de ser com ele que a vendedora esclareceu as dúvidas que se lhe colocaram a propósito de um aditamento sugerido pela compradora, de ter sido a vendedora quem o informou da realização da escritura, de ser ele quem, num impasse nessa escritura, introduziu uma cláusula de proteção dos interesses da vendedora, de nunca ter pedido o que quer que fosse à compradora e de, depois do preço recebido, ter tido um encontro com o representante da vendedora para tratar de honorários, sem que tivessem chegado a acordo e por isso a ação dos autos; são tudo elementos das regras da experiência comum que fazem concluir que o advogado atuou mandatado e no interesse da vendedora.

6ª - Nada obsta à fixação prévia dos honorários entre o advogado e os seus clientes, no exercício da sua liberdade contratual, e nada impõe que tal convenção tenha de ser reduzida a escrito.

7ª – Deve eliminar-se da matéria não provada e aditar-se à matéria provada o seguinte:

1.Em 2017 o A. foi procurado pelo segundo Réu, BB, e por outro indivíduo, DD, que eram parceiros em vários negócios e sócios comuns em sociedades ligadas à exploração de farmácias, e à distribuição/importação de medicamentos e produtos de saúde, que lhe solicitaram a sua assessoria em diversos assuntos relacionados com aquelas atividades.

2. No início de 2018, e no âmbito dessa assessoria, em reunião tida no escritório deste, aqueles solicitaram ao A. que promovesse diligências no sentido de encontrar um comprador para um estabelecimento de farmácia de que era proprietária a Ré A..., Ldª.

3. A Ré era uma sociedade cujo capital era totalmente detido de facto pelo BB e era proprietária de uma farmácia, a Farmácia B..., sita em ... que era objeto do Alvará de Farmácia nº ...4 emitido pelo Infarmed em 27 de abril de 2010.

4. Nessa reunião, em que foi solicitado ao A. que encontrasse um comprador para a farmácia, foram logo fixadas duas coisas: o preço da venda e o valor dos honorários que o A. receberia se encontrasse esse comprador e a venda se concretizasse por aquele preço.

5. Concretamente o preço fixado para a venda foi de €2.500.000,00 (dois milhões e meio de euros) e foi acordado que o A. receberia 5% desse valor, ou sejam € 125.000,00, acrescido do IVA à taxa legal em vigor na data do pagamento.

6. Tal montante ser-lhe-ia pago pela 1ª Ré, tendo o Réu BB assumido pessoalmente a responsabilidade por esse pagamento, uma vez que era o interessado e beneficiário do negócio.

8ª - Como decorrência lógica desta alteração, a matéria que consta das atuais alíneas R) e S) T) e U) dos factos provados deverá ser daí eliminada por estar em contradição com essa matéria que deve ser dada como provada.

9ª - Pelas mesmas razões, isto é, por o imporem aqueles meios de prova, e sua conjugação entre si e com as regras da experiência comum, deve ser também dada como provada a seguinte matéria:

7. “Para desenvolver o seu trabalho, o A. solicitou toda a informação contabilística relevante, nomeadamente IES, quadros de pessoal, contratos e informação sobre o seu volume de negócios, que lhe foi facultada”

8. “Daí por diante, o A. passou a desenvolver diversos contactos e diligências junto de pessoas ligadas ao mercado das farmácias para identificar potenciais compradores.”

11. Nesta reunião, ficou estabelecido pelos Réus que seria dado conhecimento ao A. de toda a informação trocada para que ele acompanhasse o desenrolar das negociações.

12. O A. foi encarregado pelos Réus de redigir o respetivo contrato promessa.

13. Os RR encarregaram o A. de redigir aditamentos ao contrato promessa.

14. Na véspera da sua celebração, o A. foi contactado pelo dito DD que lhe solicitou que acompanhasse a realização da escritura, porque queria estar assessorado para lidar com essa situação e por essa razão o A. deslocou-se a ....

15. Os Réus solicitaram ao A. que encontrasse forma de o negócio se fazer naquele dia, mas garantindo o pagamento do preço.

10 ª - Tendo havido aquela contratação do A., tendo sido acordados honorários e tendo o Réu BB assumido a responsabilidade pessoal pelo seu pagamento, devem os RR ser condenados no pedido;

11ª - Porque quem assume uma obrigação está obrigado ao seu cumprimento integral, como prescrevem os arts. 762º/1 e 763º/1 do C. Civil.

Nestes Termos,

Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência, alterada a matéria de facto nos termos aqui pugnados, ser revogada a douta sentença dos autos, proferindo-se Acórdão que julgue totalmente procedente a ação e condene os RR no pedido. Assim decidindo farão V. Exªs JUSTIÇA.”


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Pelos RR. foram interpostas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.


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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:

a) Se se impõe a alteração da matéria de facto adquirida pelo tribunal a quo.
b) Se, nessa sequência são devidos ao A. montante correspondente a 5% do valor do negócio de trespasse de uma farmácia, a título de honorários.


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

A) O A. é advogado com escritório em ..., sendo titular da cédula profissional nº ...42 (Cfr. doc. 1...

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